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Economia

Isenção de Imposto de Renda para elite rural triplica em cinco anos

Os dados do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) mostram um aumento significativo da concentração no topo da pirâmide de renda do Brasil

Redação Jornal de Brasília

25/01/2024 6h16

Foto: Conab

ADRIANA FERNANDES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A renda de produtores rurais que fica isenta de Imposto de Renda cresceu mais de 210% (140% acima da inflação) entre 2017 e 2022 dentro do grupo que constitui o 0,1% mais rico da população adulta brasileira.

A parcela da renda da atividade rural que ficou fora da cobrança dos impostos pela Receita Federal chegou a R$ 101 bilhões em 2022. A fatia que corresponde à população 0,1% mais rica do país ficou com quase a metade (42%) dessa isenção.

Enquanto nesse grupo a renda rural triplicou em valores nominais no período de cinco anos, na média dos declarantes o crescimento foi de 74% (ou 32% acima da inflação), segundo o estudo do economista Sérgio Gobetti.

Os dados do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) mostram um aumento significativo da concentração no topo da pirâmide de renda do Brasil. A renda da classe média e dos mais pobres permaneceu quase estagnada em termos reais, enquanto a dos mais ricos cresceu a ritmo chinês (49% acima da inflação).

“O aumento da renda da atividade rural, junto com o aumento do volume de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas, ajuda a explicar porque os mais ricos tiveram um crescimento de renda muito superior à maioria da população brasileira ao longo do governo Bolsonaro”, explica Gobetti.

Os resultados indicam que, além de ter crescido bem acima da média da população, a renda da elite subiu mais nos estados em que, em geral, a economia é dominada pelo agronegócio, chegando a uma alta nominal de 184% no Mato Grosso no estrato social constituído pelo 0,1% mais rico.

Em Mato Grosso do Sul, a renda dessa elite cresceu 161%, no Amazonas, 141%, em Tocantins, 134% e em Goiás subiu 120%. Já em São Paulo, a renda dos super-ricos cresceu praticamente igual à média do Brasil –84% em valores nominais ou 40% em termos reais no estrato do 0,1% mais rico.

O governo vai tentar corrigir algumas das distorções que têm sustentado esse quadro nas discussões da segunda etapa da reforma tributária, que vai atingir os impostos sobre a renda e o patrimônio.

A equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem até o final de março para enviar o projeto com as mudanças ao Congresso. A revogação da isenção tributária sobre lucros e dividendos é prioridade da pauta de reforma.

Na primeira fase da reforma, dos impostos sobre o consumo, a bancada do agronegócio colocou pressão nas negociações e conseguiu vantagens para as empresas do setor no novo modelo. A bancada foi uma das mais atuantes na medição de força com os representantes da indústria, que contavam com um tratamento menos favorecido para o agronegócio para que a alíquota padrão do novo imposto fosse menor.

Pesou nesse jogo de forças o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), no ano passado, puxado pelo setor agropecuário, sobretudo no primeiro trimestre de 2023, que ficou muito acima do esperado. Em defesa das exceções para o agronegócio na reforma, os parlamentares argumentaram que, a depender do resultado final, o crescimento da economia poderia ficar comprometido.

Nessa segunda fase, a expectativa é que o setor agropecuário aumente a pressão, como já fez nas negociações do projeto da reforma do IR durante o governo Bolsonaro. O projeto foi aprovado pela Câmara com ampla maioria, mas depois ficou na geladeira no Senado. A ideia do governo Lula é enviar um novo texto.

Os relatórios da Receita Federal que serviram de base para o estudo de Gobetti, que é pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), também mostram que os produtores rurais são a atividade que, nos últimos anos, obteve o maior nível de isenção entre os declarantes do IRPF.

Para o economista, os dados da renda mostram que essas distorções precisam ser revistas urgentemente.

Em 2022, 460 mil pessoas declararam possuir como ocupação principal a produção agropecuária e conseguiram que 69,3% de suas rendas ficassem isentas.

O porcentual é considerado elevado pelos especialistas, sobretudo pelo fato de estar beneficiando pessoas muito ricas e não apenas o “pequeno produtor”. Segundo Gobetti, esse “achado” da pesquisa mostra a importância de se promover uma revisão geral das isenções que vigoram na legislação do IR e que, em geral, beneficiam as pessoas e famílias mais privilegiadas, seja no setor rural ou em outros segmentos da economia.

No caso da atividade rural, segundo o economista, a legislação permite que, simplificadamente, apenas 20% do faturamento dos produtores componha a base de cálculo do tributo. Essa é a regra aplicável ao ruralista que opta por declarar a renda da sua atividade como pessoa física.

Os produtores que constituem empresas para exercer a atividade, porém, também usufruem de um nível semelhante de isenção, neste caso devido à não tributação de lucros e dividendos.

No Brasil, cerca de 2,5 milhões declarantes se definem como dirigente ou presidente de empresa e possuem uma isenção média de 69% —a segunda ocupação mais isenta, segundo os dados da Receita, praticamente empatada com a dos produtores rurais.

O que mais chama a atenção nos dados é que o desempenho positivo da renda dos super-ricos ocorreu em um período em que a economia patinou e a maioria dos brasileiros teve expansão modesta de sua renda, próxima ou até abaixo da inflação.

“Isso mostra que o crescimento da renda dos mais ricos não se espalha para o resto da sociedade, como previam algumas teorias da década de 70 e 80”, diz Gobetti.

Caso o Congresso revogue a isenção de lucros e dividendos, muitos produtores que hoje têm empresas poderão optar em declarar parte de sua renda como pessoa física para usufruir da isenção específica do setor. Por isso, há o diagnóstico da necessidade de revisar globalmente as isenções e o modelo atual, eliminando as brechas de planejamento tributário.

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