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Economia

Indústrias e distribuidores dizem que estados tentam minar abertura do mercado de gás

Sancionada pelo presidente em abril do ano passado, a Nova Lei do Gás entrou em vigor quase dois anos após o lançamento do programa

FolhaPress

18/01/2022 23h40

Foto: Marcello Casal/Agência Brasil

Julio Wiziack
Brasília, DF

Associações que representam grandes consumidores e concessionários de gás devem divulgar nesta quarta-feira (19) um manifesto contrário às leis aprovadas ou em tramitação em sete estados que, na prática, barram a abertura do mercado, uma das principais promessas de Jair Bolsonaro.

Sancionada pelo presidente em abril do ano passado, a Nova Lei do Gás entrou em vigor quase dois anos após o lançamento do programa e prometeu um “choque de energia barata” com o fim do monopólio da Petrobras sobre o gás natural –projetos encampados pelos ministros Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Paulo Guedes (Economia).

Para entrar em vigor, no entanto, dependia de que cada estado aprovasse um decreto alinhando suas leis à norma federal.

Segundo o manifesto das entidades ligadas ao setor do gás, nos últimos meses do ano passado, cinco deles (São Paulo, Paraíba, Maranhão, Pernambuco, Piauí e Ceará) mudaram suas leis em desacordo –totalmente ou parcialmente– com a lei federal. No Rio Grande do Norte, ainda tramita um projeto de lei.

Dez entidades assinam a carta, que será enviada para o governo federal, especialmente ao Ministério de Minas e Energia. São elas: ATGás (concessionárias e transportadoras de gás), IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia), Abal (Associação Brasileira do Alumínio), Abvidro (Associação Brasileira das Indústrias de Vidro), ABPIP (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo), Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia), Anace (Associação Nacional dos Consumidores de Energia), Anfacer (Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos, Louças Sanitárias e Congêneres) e Aspacer (Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento).

“Diversos pontos desses novos dispositivos legais [dos estados] causam preocupação, por estarem desalinhados com os ditames da Nova Lei do Gás”, escrevem as entidades.

Segundo o manifesto, as leis estaduais, em vigor ou em tramitação, confrontam a lei federal ao “introduzirem uma definição de gasoduto de distribuição que se sobreponha ou seja conflitante com os critérios de definição dos gasodutos de transporte”.

Os gasodutos de transporte são aqueles que ligam as áreas produtoras no mar ao continente, por exemplo.

O novo marco pôs fim ao regime de concessão –que previa leilões– no segmento e passou a exigir das empresas interessadas na construção de gasodutos apenas autorização da ANP.

Além disso, garantiu o livre acesso de todas as empresas aos gasodutos a preços justos. Por essa lógica, ganhará mercado quem tiver o melhor preço.

Estima-se que haverá uma queda de 30%, em média, no preço com a competição. A redução poderá chegar a 50% para os grandes consumidores.

Hoje, empresas privadas são donas de 25% do gás extraído no país –boa parte em campos em parceria com a Petrobras. Sem acesso a dutos, as sócias da estatal preferiam lhe vender sua parcela sem competir pelo mercado.

Por isso, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), liderado pelo então presidente Alexandre Barreto, conduziu um processo que levou a Petrobras a vender sua participação no setor.

Foi o que deu combustível para a tramitação da Nova Lei do Gás. Se a estatal não concordasse em se retirar desse mercado, seria processada e multada por abuso de poder econômico.

A Petrobras era dona também das unidades que tratam o gás antes que ele seja injetado na rede e dos terminais de importação do produto por navios. E ocupava a maior parte da capacidade dos grandes gasodutos que transportam o combustível pelo país.

Essa sistemática levou a indústria brasileira a pagar pelo gás ao menos US$ 13 (R$ 71,76, na cotação atual) pelo metro cúbico –mais de quatro vezes o gasto de concorrentes nos EUA, onde o produto custa pouco mais de US$ 3 (R$ 16,56).

Na comparação com a Europa, a indústria brasileira pagou 50% mais em 2018.

À época, segundo a análise produzida pela consultoria Ex Ante, entre 2000 e 2018, a inflação oficial do Brasil, medida pelo IPCA, teve alta de 209%.

Nesses 18 anos, o custo unitário da energia elétrica para a indústria cresceu 497,4% acima da inflação. O custo do gás unitário teve crescimento mais impressionante ainda: aumento real de 1.200%.

Após esse esforço de abertura do mercado nacional, os estados agora pretendem delegar às suas agências reguladoras a função de classificação (ou reclassificação) de dutos, algo que poderá barrar a chegada de novos competidores.

Segundo as entidades, grandes grupos de energia, como a Cosan, do empresário Rubens Ometto, avançam no mercado de gás e estão interessados na verticalização como forma de fortalecer seu modelo de negócio.

Também tentam impor volumes de consumo àqueles que desejam atuar neste mercado livre de compra e venda de gás.

“A definição, no nível estadual, de regras de classificação dos gasodutos de distribuição em desalinho com a regulação federal coloca em risco um dos grandes benefícios pretendido pelo novo mercado de gás, que é o da construção de um amplo mercado nacional integrado por meio do sistema de transporte, promovendo assim uma maior segurança de suprimento, maior disponibilidade e competitividade do insumo para todos os consumidores do país”, diz a carta.

Para as entidades, esse movimento coordenado dos estados levará à “verticalização da distribuição, induzindo a criação de ‘ilhas de mercado’ fomentadas por monopólios regionais, descaracterizando o sistema de redes e o ganho de escala que tenderia a beneficiar o consumidor”.

De acordo com o documento, Pernambuco e Paraíba determinaram, por exemplo, um limite mínimo de consumo de 50.000 m³/dia para aqueles que pretendem migrar do mercado regulado para o livre, algo que vai na contramão do que vem sendo implementado nos outros estados da federação (10.000 m³/dia, ou zero no caso de São Paulo). No Ceará é previsto até um encargo adicional, denominado “gestão do mercado livre”.

A expectativa dessas associações é que o governo entre pesado na defesa da legislação que ele próprio anunciou como grande marco do governo Bolsonaro.

Embora o CMGN (Comitê de Monitoramento da Abertura do Mercado de Gás Natural) esteja representando o governo e a ANP (Agência Nacional do Petróleo) em discussões judiciais envolvendo a competência da agência reguladora de São Paulo na definição de quais dutos são de transporte, as entidades avaliam que falta empenho contra esse movimento articulado de governadores em um momento pré-eleitoral.

OUTRO LADO

A reportagem consultou o governo dos sete estados mencionados pelo manifesto. Com exceção de representantes de São Paulo e Maranhão, os demais não responderam até a publicação desta reportagem.

A Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) informa que “São Paulo é o maior consumidor de gás do país e apoia a efetiva abertura do mercado”.

Por meio de sua assessoria, a agência diz que “não há qualquer interesse [do estado] em verticalizar quaisquer elos da cadeia [de gás].

“A Arsesp tem discutido tecnicamente com a ANP o projeto de Reforço Estrutural de Suprimento à Região Metropolitana e Baixada Santista. O caso está no âmbito administrativo e não há judicialização”, disse a Arsesp.

“Os investimentos aprovados em ativos [como os do grupo Cosan] visam promover a segurança do abastecimento, a competitividade e ampliar a oferta. No caso em questão trata-se de autorização para investimento em reforço da rede de distribuição da concessionária, que não será destinada ao transporte, mas voltado a garantir o fornecimento para o consumidor paulista com base na previsão da demanda dos próximos anos.”

Sebastião Madeira, presidente da Gasmar, a concessionária de gás do Maranhão, afirmou que a “única forma de viabilizar o mercado no estado será definindo cotas mínimas de consumo de gás”.

“A lei impunha 500 mil metros cúbicos por dia e o projeto de lei baixou para 100 mil metros cúbicos”, disse Madeira à reportagem. “É uma falácia acreditar que baixar para mil metros cúbicos ou menos vai viabilizar mercado. No município mais afastado do estado o custo para levar somente 5.000 metros cúbicos por dia é maior que a receita gerada.”

Madeira afirmou que convenceu o governador, Flávio Dino (PSB-MA) a levar adiante o projeto de lei como forma de reduzir o preço do gás para gerar empregos para taxistas e motoristas de Uber.
“Com R$ 60 um motorista enche um tanque com 14 metros cúbicos de gás e roda 250 km. Com gasolina, gasta R$ 250.

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