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Economia

Governo Lula avalia injetar R$ 3,5 bi na estatal Finep para alavancar novos empréstimos

Medida busca evitar que a financiadora atinja o limite legal de alavancagem e pare de conceder crédito, mas é vista por críticos como possível manobra para contornar regras fiscais

Redação Jornal de Brasília

03/12/2025 13h07

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

FÁBIO PUPO E IDIANA TOMAZELLI
FOLHAPRESS

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia fazer um aporte de R$ 3,5 bilhões na Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) em uma manobra para permitir que a estatal, dedicada ao fomento à inovação, libere novos empréstimos após triplicar a concessão de crédito de 2022 a 2024.

A injeção de recursos pelo Tesouro Nacional, ligado ao Ministério da Fazenda, deve ser feita por meio de ações de outras empresas estatais, para evitar impacto nas regras fiscais, segundo relatos de interlocutores do governo colhidos pela Folha de S.Paulo. A estratégia é controversa e já foi vista como manobra para escapar das regras fiscais por economistas e pelo mercado em outras ocasiões.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Fazenda não comentou.

A Finep é vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, comandado pela ministra Luciana Santos, que também é presidente do PCdoB, sigla hoje unida ao PT por meio de uma federação partidária.

Sob a gestão de Lula, a estatal expandiu a concessão de empréstimos de forma acelerada. Em 2024, foram R$ 11,2 bilhões, mais que o triplo dos R$ 3,5 bilhões concedidos em 2022, último ano de governo de Jair Bolsonaro (PL). A agência de fomento opera recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que nos últimos anos passou a ter mais dinheiro disponível após mudanças na legislação.

A projeção atual é que a empresa termine o ano com um saldo de operações de crédito equivalente a pelo menos 8,2 vezes seu patrimônio líquido -próximo ao teto legal de 9 vezes. Esse limite de alavancagem é determinado por uma lei de 2007.

Bater no teto faria a estatal ser obrigada a parar de conceder novos empréstimos.

Em outubro, o presidente da Finep, Luiz Antonio Rodrigues Elias, enviou à Fazenda um pedido de aporte de recursos federais para continuar emprestando sem descumprir a lei.

Ele pleiteia que a injeção seja feita com ações do Banco da Amazônia e do Banco do Nordeste, já que a União detém participações acima do mínimo necessário para manter o controle dessas instituições financeiras.

Segundo duas pessoas a par do tema, o governo está disposto a dar sinal verde para o aporte com ações, mas pretende atrelar a operação a uma revisão dos critérios de concessão de novos empréstimos. Há no Executivo uma insatisfação com o que consideram ser um “desalinhamento da estratégia” de financiamentos da Finep com as políticas do governo federal.

A Finep afirma que houve forte expansão das operações após a criação da política industrial Nova Indústria Brasil, capitaneada pelo vice-presidente e ministro da Indústria Geraldo Alckmin. Segundo os gestores da estatal, a Finep é a maior financiadora do projeto. Nos últimos dois anos, a empresa recebeu mais de R$ 40 bilhões em solicitações de financiamentos distribuídos por quase 3.000 projetos.

Entre os principais recebedores de recursos nos últimos anos estão farmacêuticas como EMS e União Química, empresas industriais como Bosch e Ioschpe Maxion e cooperativas como Cocamar e Agrária. A estatal também apoia o desenvolvimento de satélites e outros equipamentos da indústria aeroespacial, por meio de companhias como Embraer.

Outra preocupação é com o volume de subsídio embutido nessas operações de crédito, uma vez que muitos empréstimos são concedidos a TR (Taxa Referencial) mais spread de 2,5% a 7,5% ao ano -bem abaixo da taxa Selic, hoje em 15% ao ano, que remunera o governo federal.

Técnicos do Executivo avaliam que, dada a existência do subsídio, é preciso calibrar melhor o foco desses financiamentos, sobretudo num momento em que o próprio TCU (Tribunal de Contas da União) analisa com lupa essas operações.

Márcio Steffani, diretor financeiro da Finep, afirma à Folha de S.Paulo que a estatal segue as diretrizes da política industrial do governo no fomento à inovação. Segundo ele, os projetos passam por avaliação de uma equipe qualificada, e a inadimplência é menor do que a de bancos tradicionais.

“Estamos sempre sujeitos a melhorar, ao controle social e ao controle dos órgãos externos. Mas não há notícia de que haja baixa qualidade”, diz.

De acordo com gestores da Finep, a estatal tem situação financeira confortável e um caixa de R$ 5 bilhões -ou seja, o problema da empresa não é liquidez. O obstáculo neste momento é o limite de alavancagem, que se aproxima do esgotamento na esteira da expansão dos empréstimos nos últimos anos.


Além disso, a agência tem a intenção de usufruir de uma lei recentemente sancionada que libera à estatal mais recursos oriundos do FNDCT. Na visão da empresa, o dinheiro é necessário para fomentar o ambiente de inovação do país.

Como o problema não é de caixa, a solução via transferência de ações atende ao que a estatal precisa, pois essas participações entrarão no ativo da Finep, contribuindo para o aumento do seu capital e a redução da alavancagem.

É diferente dos casos de Correios e Eletronuclear, que enfrentam dificuldades financeiras, veem risco de furo no caixa e precisam de dinheiro para pagar despesas do dia a dia. No primeiro caso, a solução aventada é um empréstimo de R$ 20 bilhões, ainda em negociação. No segundo, houve pedido de aporte de R$ 1,4 bilhão, negado pelo Executivo.

Um aporte via transferência de ações não seria inédito na história da Finep. Em 2010, na reta final do segundo mandato de Lula, o Executivo editou uma medida provisória para permitir repassar à estatal ações da Telebras e do Banco do Nordeste.

O formato da nova operação ainda é analisado por técnicos da Finep e do Tesouro, mas o entendimento é que o aporte via ações não tem impacto nas regras fiscais. Como o ativo só vai mudar de mãos, mas continuará no balanço da União por meio da agência de fomento, não há variação da dívida líquida, indicador avaliado pelo Banco Central para medir o resultado das contas públicas.

A alternativa, porém, é controversa e enfrentou críticas de especialistas em outras ocasiões. No fim de 2023, o governo desistiu de usar ações de estatais para abastecer o fundo do Pé-de-Meia (bolsa de incentivo à permanência de alunos no ensino médio) após repercussão negativa no mercado, que viu na medida uma manobra para contornar as regras orçamentárias.

Nas discussões internas, os técnicos ainda avaliam se o aporte de ações de estatais na Finep será registrado ou não no Orçamento, dada a existência de precedentes nos dois sentidos no TCU. Em qualquer cenário, no entanto, a percepção é de que não haverá impacto na meta fiscal do governo.

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