IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
A Corte Arbitral de Nova York decidiu que a Boeing terá de pagar US$ 150 milhões (R$ 833 milhões no câmbio de hoje) para a Embraer pelo rompimento do processo de aquisição da linha de aviação comercial da empresa brasileira.
A fabricante paulista publicou um fato relevante sobre o tema na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) nesta segunda (16). A decisão acaba com mais de quatro anos de disputa entre as empresas aeroespaciais, que deixou diversas mágoas de lado a lado.
Quando o negócio foi anunciado, no final de 2017, estava avaliado em US$ 4,2 bilhões, ou US$ 5,2 bilhões (R$ 29 bilhões) em valores atuais. Em um ano, as negociações estavam concluídas.
Com seu cancelamento unilateral pelos americanos, a Embraer buscou reparações devido ao investimento feito para destrinchar a empresa: 80% dela ficaria com a Boeing, e 20% seria mantido sob controle brasileiro, com as divisões de defesa e aviação executiva.
A mais recente estimativa da Embraer ao mercado colocava em R$ 980 milhões o prejuízo pelos valores empregados nesse processo. Como o processo arbitral em Nova York, fórum usual para esse tipo de disputa internacional, é sigiloso, não se sabe se os brasileiros pediram algum valor específico.
Não havia, na visão americana, nenhum rompimento de cláusula que implicasse multa. A única penalidade citada nesse caso era se o processo não recebesse todas as autorizações regulatórias de autoridades antitruste do mundo.
Nessa hipótese, a multa seria de US$ 100 milhões. Mas a fusão não chegou a esse ponto: faltava apenas a autorização do órgão regulador da União Europeia quando a Boeing desistiu da aquisição.
O caso gerou enorme animosidade entre as empresas. A Boeing acusou a Embraer à época de não cumprir com todos os requisitos da fusão, argumento que a decisão de Nova York desqualifica na prática, ainda que não se saiba os termos da sentença.
Já a fabricante brasileira dizia que os então parceiros cancelaram de forma intempestiva o negócio porque enfrentavam grandes dificuldades com a crise em torno de seu principal produto, o Boeing-737 MAX, que estava com a produção paralisada após acidentes decorrentes de erros de projeto.
A pandemia, que havia impactado duramente o setor aeroespacial devido à suspensão de viagens aéreas e pelo dano às cadeias de fornecimento de peças, também foi um fator central.
Na avaliação do governo brasileiro, que em 2018 autorizou o negócio porque ainda mantinha uma ação preferencial desde que a Embraer foi privatizada, em 1994, ao fim os americanos estavam mais interessados na capacidade da engenharia da empresa de São José dos Campos do que em seus aviões regionais.
Isso voltou à tona em em um outro processo processo envolvendo as empresas, agora de forma indireta.
Associações da indústria da defesa brasileira, com apoio do governo, questionam na Justiça a contratação de centenas de engenheiros da Embraer e de outras empresas, acusando abuso de poder econômico
A Boeing divulgou uma nota sobre o caso. “Estamos satisfeitos por ter concluído o processo de arbitragem com a Embraer. De forma mais ampla, temos orgulho de nossos mais de 90 anos de parceria com o Brasil e esperamos continuar contribuindo para a indústria aeroespacial brasileira”, disse a empresa.
Já a fabricante brasileira se manifestou por meio do fato relevante, que apenas descreve a decisão e os valores envolvidos.
Hoje, as empresas enfrentam realidade diferentes. A gigante americana enfrenta uma crise reputacional devido a uma série de problemas de qualidade envolvendo o 737 e outros modelos, viu sua primeira cápsula espacial ter de deixar os astronautas para trás na Estação Espacial Internacional por questões técnicas e agora lida com uma rara greve.
Ela segue sendo a maior empresa do setor do mundo ao lado da Airbus europeia. Entregou 528 aviões comerciais, ante 179 aeronaves da brasileira. Mas ficou atrás da rival do outro lado do Atlântico, que forneceu 735 aviões.
Em termos de resultado, teve um prejuízo reduzido pela metade ante 2022, R$ 12 bilhões, e fechou o ano com uma carteira de encomendas de R$ 2,9 trilhões. A Embraer teve lucro de R$ 164 milhões, e R$ 103 bilhões em encomendas.
No Brasil, um dos focos de investimento dos americanos é na área de combustíveis sustentáveis, conhecidos como SAF. A Boeing quer fazer do país, a partir de sua experiência com biodiesel e etanol, um centro mundial do produto.