NATHALIA GARCIA
FOLHAPRESS
O Banco Central anunciou nesta segunda-feira (10) novas regras para orientar as negociações com criptoativos no país e a criação de prestadoras de serviços de ativos virtuais. O objetivo é reduzir brechas para golpes, fraudes e lavagem de dinheiro. As normas entram em vigor a partir de 2 de fevereiro de 2026.
As novidades foram apresentadas pelo diretor Gilneu Vivan (Regulação) e pelos chefes de departamentos Mardilson Queiroz (Regulação do Sistema Financeiro) e Ricardo Moura (Regulação Prudencial e Cambial).
Segundo Vivan, as mudanças trazem mais segurança para quem investe em criptoativos no Brasil. “Essas empresas passam a estar sob autorização do Banco Central, sujeitas a todo nosso processo de supervisão e acompanhamento. O objetivo é trazer muito mais confiança e proteção ao usuário do sistema financeiro”, afirma.
As instituições que quiserem atuar como prestadoras de serviços de ativos virtuais no Brasil precisarão pedir autorização formal antes de iniciar suas atividades. O capital mínimo exigido pelo Banco Central vai variar de R$ 10,8 milhões a R$ 37 milhões, a depender do conjunto de atividades oferecidas.
As empresas que já atuam no mercado de criptoativos terão um prazo de nove meses para comprovar que atendem as regras previstas pelo BC ou se adaptar às exigências. Caso não cumpram os requisitos até novembro de 2026, na prática, deverão encerrar as operações em até 30 dias e comunicar seus clientes de que seus ativos devem ser transferidos para alguma instituição autorizada.
Além das prestadoras de serviços, também podem atuar nesse mercado bancos múltiplos, comerciais, de investimento e de câmbio, além de distribuidoras de títulos e valores mobiliários e corretoras de câmbio.
Empresas estrangeiras que queiram operar no país deverão constituir entidade no Brasil, transferir seus clientes para essas subsidiárias e, como as demais, pedir autorização de funcionamento ao BC.
As prestadoras de serviços de ativos virtuais serão classificadas em três modalidades: intermediárias, custodiantes e corretoras. As intermediárias, como o nome sugere, serão responsáveis por intermediar a negociação e distribuição de ativos virtuais. As custodiantes guardarão esses ativos sob sua responsabilidade. As corretoras, por sua vez, vão exercer as duas atividades de forma simultânea.
Algumas atividades das prestadoras passarão a ser tratadas como operações do mercado de câmbio. É o caso, por exemplo, de compra, venda ou troca de ativos virtuais referenciados em moeda fiduciária (conhecidos como stablecoins).
Stablecoins são criptomoedas que acompanham o valor de um ativo de referência, em geral o dólar, e cujas transações não estão sujeitas à cobrança de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).
“Quando esse ativo virtual for uma stablecoin, a gente vai ter regras ainda mais restritas, por exemplo, não vamos aceitar esses ativos virtuais que tenham algoritmos como controle do lastro deles”, disse Vivan.
De acordo com o diretor do BC, a definição sobre tributação dos ativos virtuais é competência da Receita Federal. “Quem vai definir qual transação e em que situação tem cobrança de tributo é a Receita”, disse.
Também passarão a ser tratados como operações do mercado de câmbio pagamento ou transferência internacional usando criptoativos; transferência de ativos virtuais para cumprir obrigações decorrente do uso internacional de cartão; e transferência de ativos virtuais de ou para carteira autocustodiada (que dá ao usuário controle total sobre suas chaves).
Desde que autorizadas a operar no mercado de câmbio, as novas sociedades podem prestar serviços de ativos virtuais nesse mercado. Mas o BC limitou o pagamento ou transferência internacional com ativos virtuais a US$ 100 mil quando a contraparte não for autorizada a operar no mercado de câmbio.
A partir de 4 de maio de 2026, passa a ser obrigatória a prestação de informações para o Banco Central sobre as operações no mercado de câmbio e operações de capitais estrangeiros no Brasil.
Ao inserir os criptoativos dentro do mercado regulado, o BC prevê um arcabouço de segurança maior.
“As operações passam a ser rastreáveis, ou seja, você vai conseguir até onde esse ativo virtual transitou e perde opacidade com relação a quem são as partes envolvidas”, afirma Vivan.
As prestadoras deverão ter mecanismos para identificar e evitar práticas como manipulação de preços e uso de informações privilegiadas. Além disso, precisarão seguir padrões de proteção de dados, realizar testes de estresse e responder integralmente por falhas ou perdas causadas por negligência.
De acordo com as regras, as prestadoras de serviços de ativos virtuais não podem misturar os seus recursos com os dos clientes, o que é conhecido como segregação patrimonial.
“A norma já está dando a garantia jurídica para a segregação patrimonial desses recursos em reais uma vez que obriga que a prestadora utilize uma conta pré-paga, que pela lei é protegida com relação a situações de liquidação de uma instituição”, afirma Queiroz.
No caso especificamente de ativos virtuais, contudo, isso ainda depende de um projeto de lei em tramitação no Senado Federal, já aprovado pela Câmara dos Deputados.
O “marco regulatório dos criptoativos” foi sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2022. A lei que definiu regras gerais para o setor, como a definição de ativos virtuais e de penas para autores de fraudes, passou a valer em junho de 2023.
O Banco Central foi designado como órgão regulador do mercado de criptoativos e vem trabalhando nesse processo nos últimos anos. O tema, que já constava na lista de prioridades da área de regulação para 2024, ganhou mais urgência nos últimos meses.
No ataque cibernético que causou prejuízo de mais de R$ 800 milhões a instituições financeiras, os criminosos tentaram converter parte do dinheiro desviado em criptomoedas. A estratégia é comum em casos de fraudes financeiras por dificultar o rastreamento dos recursos e impedir o retorno do dinheiro desviado às instituições de origem.
Nos últimos dois meses, o BC anunciou uma série de medidas para endurecer as regras aplicadas às instituições reguladas e reforçar a segurança do sistema financeiro em resposta à infiltração do crime organizado na economia.