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Brasil

Tribunal dos Povos encerra julgamento de crimes de Bolsonaro e sentença sai em julho

Já Maurício Terana, da Apib, fez sua sustentação de cocar e terno e gravata e apontou para os problemas estruturais da questão indígena

FolhaPress

25/05/2022 18h43

Fernanda Mena
São Paulo, SP

Foram oito horas de julgamento e nove testemunhas ouvidas por 12 jurados de sete nacionalidades diferentes durante a 50ª Sessão do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) que avaliou denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) por crimes contra a humanidade.

A sessão aconteceu na terça (24) e nesta quarta-feira (25), simultaneamente em Roma, onde fica a sede da corte internacional, e em São Paulo, na Faculdade de Direito da USP. O salão nobre ficou cheio e puxou gritos de “Fora, Bolsonaro” em alguns momentos.

O TPP (Tribunal Permanente dos Povos) é considerado como um tribunal de opinião com impacto simbólico e reputacional: profere vereditos sem aplicar penalidades.

O júri agora vai se reunir reservadamente para definir e elaborar a sentença, que deve ser proferida no mês de julho.

O grupo é composto por Luigi Ferrajoli, ex-juiz italiano; Eugênio Raúl Zaffaroni, juiz argentino da Corte Interamericana de Direitos Humanos; Vivien Stern, baronesa britânica e membro independente da Câmara dos Lordes no Parlamento do Reino Unido; e Jean Ziegler, sociólogo suíço e ex-relator da ONU para o direito à alimentação, entre outros.

Os brasileiros Joziléia Kaingang, geógrafa e antropóloga da etnia Kaingang; Kenarik Boujakian, jurista e magistrada brasileira nascida na Síria; Rubens Ricupero, diplomata e ex-secretário de Assuntos Interamericanos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil; e Vercilene Kalunga, advogada popular e quilombola do Quilombo Kalunga, também fazem parte do júri desta sessão.

A denúncia acolhida pelo TPP foi elaborada há mais de seis meses por Comissão Arns (Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Coalizão Negra por Direitos e a Internacional de Serviços Públicos (ISP).

A peça acusatória foi intitulada “Pandemia e autoritarismo: As responsabilidades do governo Bolsonaro por violações sistemáticas aos direitos fundamentais dos povos brasileiros perpetradas através das políticas adotadas na pandemia de Covid-19”.

Ela aponta para uma disseminação intencional do coronavírus a partir de ações e omissões do governo brasileiro, o que teria afetado desproporcionalmente as populações indígena e negra bem como os profissionais de saúde, acentuando violações de direitos humanos, vulnerabilidades e desigualdades que promoveram mortes evitáveis.

A sustentação da acusação foi dividida entre os advogados Eloísa Machado, professora de direito constitucional da FGV Direito e integrante da Comissão Arns; Maurício Terena, assessor jurídico da Apib; e Sheila de Carvalho, articuladora da Coalizão Negra por Direitos.

As presenças de testemunhas envolvidas na CPI da Covid no Senado, como o senador Humberto Costa (PT-PE), a jurista Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, e a médica Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional, uma das organizações do grupo Alerta, representado por ela, resgataram parte das revelações feitas pela comissão parlamentar de inquérito.

Suas falas evidenciaram a omissão do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que recebeu o relatório da comissão, com o pedido de indiciamento de 80 pessoas, encabeçadas pelo presidente da República, mas ainda não se manifestou.

Convidado pelo secretariado do TPP a apresentar sua defesa, o governo federal recusou a oferta e indicou que não reconhece o tribunal internacional. No segundo dia de julgamento, uma cadeira foi deixada vazia no palco para representar essa ausência.

“Não há no Judiciário brasileiro ou em qualquer outra instância jurisdicional internacional, até o momento, um processo capaz de responsabilizar o presidente pela integralidade de suas ações que geraram risco, adoecimento e mortes evitáveis”, apontou Eloísa Machado. Para ela, Bolsonaro encontrou “na pandemia de Covid-19 mais do que uma aliada, uma oportunidade para ampliar sua política autoritária de morte e destruição”.

Ventura, que apresentou os resultados da pesquisa em que avaliou mais de 3.000 normas federais produzidas em 2020, afirmou que “os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência ou negligência do governo federal”.

“A pesquisa revela a sistematização do empenho e a eficiência da União em prol da ampla disseminação do vírus no país”, disse.

Testemunhas do campo da saúde pública lembraram eventos que marcaram a atuação desses profissionais na pandemia.

Valdirlei Castagna, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, falou sobre o impacto das fake news no setor. “Como resultado, um grupo de pessoas invadiu uma UTI no Rio de Janeiro para verificar se de fato o hospital estava lotado de pacientes contaminados, o que colocou em risco profissionais, pacientes. Não foi o único caso.”

Shirley Marshal, presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros, falou da demora na aquisição de vacinas e do chamado gabinete paralelo, que “institucionalizou a suspeição das vacinas e o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença”. “Trabalhadores que fizessem orientação contrária receberam ameaças diretas”, afirmou.

Sheila de Carvalho, advogada da Coalizão Negra por Direitos, falou sobre uma “negligência criminosa” na condução da pandemia a partir do desinvestimento no Sistema Único de Saúde, o apagamento de dados públicos sobre a pandemia com marcadores raciais. “Quando os dados ainda eram coletados, a cada pessoa branca morta, morreram cinco pessoas negras.”

Já Maurício Terana, da Apib, fez sua sustentação de cocar e terno e gravata e apontou para os problemas estruturais da questão indígena e para os desmontes promovidos pelo governo Bolsonaro antes mesmo da pandemia.

Segundo ele, a pandemia foi “usada como parte de uma política maior anti-indígena que está em curso no Brasil, que incentiva invasões de terras e garimpo e que permitiu a expansão da contaminação em terras indígenas”.

Ele convocou duas testemunhas, Lindomar Terena e Auricélia Fonseca, indígena Arapium, liderança da Amazônia brasileira.

Emocionada, Auricélia disse fazer consigo “todas as violações que meu povo vem sofrendo na Amazônia e na região do Tapajós, onde 70% da população indígena está contaminada por mercúrio”. Ela citou uma série de projetos de lei, que chamou de “projetos de morte” dos povos indígenas.

“A Covid levou anciãos dos nossos povos, que são as pessoas mais importantes das aldeias, onde está toda a sabedoria do nosso povo. São nossas bibliotecas vivas que a pandemia levou”, disse, entre lágrimas.

Terena concluiu: “O que está acontecendo aqui hoje, o Judiciário já deveria ter feito”.

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