Milena Dias e Nathália Maciel
Jornal de Brasília/Agência de Notícias CEUB
Um menino corta as folhas do coqueiro. Está feliz com o movimento do feriado na praia de Ponta Negra, em Natal (RN). Com o material, vende peças de artesanato para os turistas. Gosta tanta da atividade, que ajuda em casa, como de surfar, o passatempo predileto. Interromper a diversão para ganhar algum dinheiro é uma obrigação para o garoto.
No Brasil, o trabalho infantil é proibido. Criança deve estar na escola ou brincando. Esta segunda (12) é dia de erradicação do trabalho infantil. Para especialistas, tirar crianças da sala de aula ou da diversão para trabalhar gera impactos de diferentes níveis na infância.
“A prioridade de uma criança deve ser brincar, explorar as sensações, o corpo e o movimento. Isso é importante principalmente para o neurodesenvolvimento. Então, para o cérebro ter um bom desenvolvimento e conexões saudáveis ele precisa ter essa prioridade da criatividade, do sensório motor, o que está na infância. E quando se coloca a criança para trabalhar isso não acontece”, diz a psicóloga Ana Paula Barbosa, professora do Centro Universitário de Brasília (Ceub)
E não são só os trabalhos aparentemente mais sacrificantes. Crianças aparecem também em capas de revista e em desfiles profissionalmente. Nas ruas ou nas publicidades, o trabalho infantil tem o mesmo impacto psicológico na vida das crianças. Isso é o que afirma o psicólogo escolar e educacional Herculano Ricardo Campos, que é um dos pesquisadores do artigo Trabalho infantil produtivo e desenvolvimento humano, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
“Identifica-se comprometimento no desenvolvimento psicológico, observa-se o desinteresse pela escolaridade, e também observa-se problemas decorrentes do uso do dinheiro sem maturidade para tal, como no caso da compra de produtos supérfluos, de drogas …”, afirma Herculano.
O trabalho infantil pode ser influenciado pelo meio em que a criança está inserida, seja por necessidade financeira ou “glamour”, como atores, cantores, modelos ou influenciadores mirins.
Portanto, como é constituído pela legislação, toda atividade econômica e de sobrevivência, com ou sem a finalidade de lucro, realizada por pessoas com idade inferior a 16 anos, é considerada trabalho infantil.
Segundo Herculano, a pobreza e a necessidade de uma renda é o que mais incentiva que crianças sejam inseridas em um local de trabalho. Além disso, existe a exploração visando a fama e o reconhecimento.
“Por um lado, a pobreza é a principal causa, e de outro lado, a exploração visando lucros fáceis é a segunda causa. A exploração é irmã siamesa da pobreza”.
Exposição à violência
A psicopedagoga Ana Paula Barbosa reafirma este mesmo pensamento e ainda acrescenta que quando o menor de idade está em situação de trabalho, ele pode ser submetido à violência e assédio sexual.
Assim, a educação também pode ser afetada, afinal, se a criança não está frequentando regularmente a escola, seu futuro profissional sofrerá consequências.
O que mais tem sido discutido na sociedade sobre a condição de crianças em trabalho é pelo olhar social e financeiro, porém, além desses problemas, a vida desse futuro adulto terá as marcas da exploração pelo resto da vida no psicológico e até mesmo no físico.
Para o pesquisador, já a curto prazo pode existir a perda de atenção, cefaléia e tonturas, além de sentimentos de angústia e exploração física e psicológica. A longo prazo, o desenvolvimento psicológico e ósseo também pode ser afetado.
Infância nas ruas
O dia a dia dos pequenos que trabalham nas ruas é bem diferente daqueles que brincam nela. Motivada pela necessidade, a vontade de ganhar um “trocado”, mesmo que seja pouco, é maior que a de brincar. Essa antecipação da vida adulta é fruto de parâmetros sociais para o pesquisador Herculano.
“Os contextos de pobreza não só demandam a inserção de crianças no trabalho produtivo, como atuam no sentido de reiterar essa perspectiva de inserção, na medida em que favorece sua naturalização”, afirma ele.
Nesse sentido, segundo uma pesquisa feita pelo Ipea, o Brasil registrou o maior aumento de pobreza em pontos percentuais de 2020 para 2021. Os números foram de 1,8 p.p para 4,7 p.p, dependendo da linha de corte. Consequentemente, cerca de 1,3 milhão de adolescentes trabalhavam nesse mesmo período, de acordo com dados da Fundação Abrinq. Pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua trimestral (Pnad), em 2020 o percentual foi de 84,8%, enquanto em 2021 aumentou para 86%.
O pesquisador alerta que não se deve confundir uma atividade geradora de renda, como no caso em que crianças tomam conta de casa ou de irmãos para que os pais possam trabalhar, com atividades de caráter pedagógico, como ajudar nas tarefas de casa.
Fama na infância
“Hoje com o Instagram, têm muitos pais que usam os filhos como um produto e então viram uma venda”, diz Ana Paula Barbosa.
No trabalho artístico as consequências psicológicas não ficam muito longe do trabalho nas ruas. O psicólogo explica que se a criança tiver obrigação de horário, em como se comportar em serviço e seguir regras as consequências têm o mesmo caráter.
“O glamour que muitas vezes envolve o trabalho artístico serve de fator encobridor da exploração que o caracteriza, ainda que o esgotamento físico e o comprometimento do desenvolvimento psicológico, a carente noção de ética nas relações sociais sejam aí observados”, relata Herculano Campos.
Com o avanço das redes sociais, as crianças têm sido cada vez mais submetidas à exposição. Em muitos casos, a infância é substituída por rotinas de gravação e compromissos, sendo que muitas vezes essa obrigação é imposta pela família e a criança sequer entende o que constitui um trabalho.
“Uma criança de 8 anos tem uma rotina de gravação, às vezes não só artista de novela, mas hoje tem uma nova geração. E isso vai repercutir psicologicamente”, complementa a psicopedagoga.
Família
As relações familiares, que são importantes para o desenvolvimento, também são prejudicadas. Como explica o especialista Herculano, a noção de família é perdida, ou seriamente prejudicada e as referências para as crianças passam a ser dos empregadores, patrões e até das experiências das ruas.
Segundo dados da Fiocruz, 75% dos transtornos mentais se iniciam na infância e adolescência e metade deles ocorrem até os 14 anos. Portanto, preservar a saúde mental da infância é importante para a construção do indivíduo na sociedade.
Para reverter esse quadro, Herculano Ricardo acredita que é necessária a união entre órgãos de fiscalização com punição e iniciativas da sociedade civil que visam a conscientização sobre os danos causados.