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Brasil

Saúde distribuiu 265 mil comprimidos de medicamentos sem eficácia comprovada para tratar Covid em indígenas

Parte dessas drogas foi comprada diretamente por DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas), vinculados ao ministério e com atuação de saúde na ponta, junto às comunidades

Redação Jornal de Brasília

24/05/2021 15h49

Foto: Narinder Nanu/AFP

Vinicius Sassine
Brasília, DF

O Ministério da Saúde distribuiu pelo menos 265 mil comprimidos de cloroquina, azitromicina e ivermectina a indígenas em cinco estados, com o propósito de tratar infecções pelo novo coronavírus. Os três medicamentos não têm eficácia para Covid-19.

Parte dessas drogas foi comprada diretamente por DSEIs (Distritos Sanitários Especiais Indígenas), vinculados ao ministério e com atuação de saúde na ponta, junto às comunidades.

Um informe técnico da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), de junho de 2020, orientou os DSEIs a “instruir seus respectivos processos de aquisição” de cloroquina e hidroxicloroquina, caso municípios e estados se negassem a fornecer o medicamento.

O envio maciço de medicamentos sem eficácia a indígenas entrou no foco da CPI da Covid no Senado. A estratégia da atual gestão do Ministério da Saúde e do general da ativa Eduardo Pazuello, que impulsionou a prática ao longo de sua administração na pasta, é sustentar que os comprimidos se destinaram aos tratamentos previstos na bula.

A cloroquina, por exemplo, é usada no tratamento de malária. A doença atinge cerca de 194 mil brasileiros por ano, dos quais 193 mil (99,5%) na região amazônica.

A azitromicina é um antibiótico usado principalmente no tratamento de doenças respiratórias. E a ivermectina se destina a infecções por parasitas.

Documentos e registros do próprio ministério contrariam a versão de que as compras e distribuição dos medicamentos se destinaram a essas doenças, e não para Covid-19.

Notas de empenho referentes a compras de azitromicina pelos DSEIs Alto Purus, no Acre, e Cuiabá registram que a aquisição do medicamento se destinou ao “enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Covid-19” ou a “medidas de controle de infecção humana pelo novo coronavírus (Covid-19)”. O empenho é a autorização para o gasto.

Para o tratamento de indígenas no Acre foram adquiridos 20 mil comprimidos de azitromicina com dosagem de 500 mg. É a mesma especificação recomendada em nota técnica do Ministério da Saúde, atualizada em maio, que embasa o combo de medicamentos sem eficácia para Covid-19: cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e Tamiflu, este último recomendado para gripe.

Cada comprimido saiu por R$ 1,82. O valor total foi de R$ 36,4 mil.

A azitromicina adquirida pelo DSEI Cuiabá também tinha dosagem de 500 mg. O valor unitário foi de R$ 1,25. Os 20 mil comprimidos custaram R$ 25 mil.

Também houve compras de antibióticos por DSEIs em Mato Grosso, para os indígenas do Xingu e para os xavantes, e em Rondônia, para etnias como suruí, cinta larga e terena.

As compras são informadas num portal alimentado pelo Ministério da Saúde, chamado Localiza SUS, criado para divulgar os gastos e ações de combate à pandemia.

O mesmo Localiza SUS faz um detalhamento do envio de 100,5 mil comprimidos de cloroquina, todos eles destinados a indígenas em Roraima. O objetivo foi o tratamento de Covid-19, segundo o portal.

Do total distribuído, 39,5 mil se destinaram aos yanomami em Roraima. O restante foi usado em comunidades da terra indígena Raposa Serra do Sol.

Há ainda distribuições feitas pela Aeronáutica e cujos destinos a Força Aérea Brasileira mantém ocultos, como a Folha mostrou em reportagem publicada no último dia 6.

Um desses transportes foi para a região chamada Cabeça do Cachorro, no Amazonas, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Pelo menos 1,5 mil comprimidos de cloroquina foram transportados para o local, onde estão 23 etnias.
Também houve uma compra direta de cloroquina pelo DSEI de Vilhena (RO). Segundo os registros do Localiza SUS, a aquisição está associada a ações contra a Covid-19.

É a mesma situação de aquisições de 24 mil comprimidos de ivermectina pelos DSEIs Alto Rio Negro, que atende a Cabeça do Cachorro, e Xingu, em Mato Grosso.

O Ministério da Saúde distribuiu ainda 370,2 mil cápsulas de Tamiflu a indígenas em 16 estados. A pasta registra que o medicamento se destinou ao combate à influenza, mas o Tamiflu integra o kit do chamado “tratamento precoce” de Covid-19, previsto em protocolo ainda em vigência.

A Folha questionou o ministério sobre cada compra e distribuição a indígenas de medicamentos sem eficácia para Covid-19. “O antimalárico é adquirido e enviado regularmente a 25 DSEIs que estão em área endêmica”, disse, em nota, em relação à cloroquina.

“Azitromicina e ivermectina são medicamentos que constam na Rename (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) e utilizados em diversos tratamentos de atenção primária do SUS. A aquisição de medicamentos da Rename é feita a partir das demandas de atendimento dos DSEIs”, afirmou.

Segundo o ministério, serviços básicos de saúde não foram suspensos durante o pico da pandemia. “Somente em 2020, foram realizados mais de 12,1 milhões de atendimentos nas aldeias, e contratados mais 700 profissionais para reforçar a assistência em saúde.”

Na CPI da Covid, no segundo dia de depoimento, Pazuello negou que sua gestão tivesse distribuído medicamentos do “tratamento precoce” aos DSEIs. A negativa ocorreu na quinta-feira (20), em resposta a questionamentos do senador Fabiano Contarato (Rede-ES).

O general da ativa contou outras mentiras em seus depoimentos na CPI, em relação a vacinas e à crise do oxigênio em Manaus em janeiro, o que despertou a reação de senadores não alinhados ao governo de Jair Bolsonaro.

As informações são da FolhaPress

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