ISABELA PALHARES
FOLHAPRESS
A preocupação com a identidade racial logo nos primeiros anos da vida escolar melhora a alfabetização de crianças negras, segundo um estudo da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora).
O estudo analisou dados de 14 estados do país que fazem parte da Parc (Parceria pela Alfabetização em Regime de Colaboração), um programa de alfabetização realizado por Fundação Lemann, Instituto Natura e a Associação Bem Comum.
Um dos eixos de atuação do programa é o desenvolvimento e implementação de ações de equidade racial logo nos primeiros anos escolares. Em apenas um ano, a estratégia fez com que crianças negras avançassem mais na alfabetização do que as brancas.
Uma avaliação de fluência leitora com crianças do 2º ano do ensino fundamental, série considerada a adequada para alfabetização, mostrou que a taxa de estudantes pretos e pardos que conseguiam ler fluentemente passou de 58,9% para 66,7%, entre 2023 e 2024.
Entre os estudantes brancos, a taxa passou de 71,7% para 78%, no mesmo período.
São consideradas leitoras fluentes as crianças que conseguem ler corretamente no mínimo 65 palavras por minuto ou que leem um texto simples e conseguem compreender pelo menos 90% do conteúdo.
Daniela Caldeirinha, vice-presidente de Educação da Fundação Lemann, destaca que, apesar de os estudantes negros ainda não alcançarem a taxa dos brancos, a evolução é positiva.
“A maioria dos indicadores educacionais mostram uma tendência de estabilidade e até mesmo de ampliação da desigualdade racial no país nos últimos anos. Por isso, o avanço nas taxas de alfabetização é significativo.”
Ela lembra ainda que dificuldades na fase de alfabetização podem ter efeitos cumulativos e danosos para toda a trajetória escolar e, consequentemente, para a vida adulta. Por isso, a importância de cuidar dessa etapa.
“O racismo é capaz de corroer a autoestima e a capacidade dessas crianças de acreditarem em si mesmas logo no início da vida escolar. O ambiente escolar não é receptivo para essas crianças, ele priva, exclui”, explica Alessandra Benedito, da Fundação Lemann.
Por isso, ela defende que é preciso reconhecer o racismo dentro da escola para desenvolver ações para combatê-lo.
“A ideia é treinar toda a comunidade escolar para que todas entendam que são responsáveis. Fazer com que o aluno se sinta acolhido, representado e pertencente passa por uma série de ações, que vão desde o material didático trazer fotografias com as quais o aluno se identifica até preparar os professores para que entendam a amplitude de uma educação antirracista.”
Essa é uma das primeiras pesquisas do país a conseguir avaliar a desigualdade racial nas taxas de alfabetização das crianças, já que avaliações nacionais como o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e o Indicador Criança Alfabetizada (ICA) não divulgam resultados com recortes raciais.
Parte da dificuldade de avaliar essa desigualdade está em conseguir informações sobre a declaração racial dos estudantes da educação básica.
Dados do Censo Escolar indicam que o país desconhecia a declaração racial de 1 em cada 5 estudantes (19,1%) em 2024. Esse índice já foi muito superior, com a ausência dessa informação para mais de 60% dos alunos brasileiros, em 2007.
“Há uma preocupação muito grande em conseguirmos conscientizar as escolas e famílias sobre a importância desse dado. Sem sabermos quem são nossos estudantes e onde eles estão, fica muito mais difícil adotar ações efetivas”, diz Caldeirinha.