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Brasil

Planos de saúde: Pacientes vivem indefinição sobre tratamentos após decisão do STJ

No entanto, juízes terão liberdade de julgar caso a caso, conforme a convicção pessoal, independentemente da súmula do STJ

Redação Jornal de Brasília

10/06/2022 6h13

A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que desobriga os planos de saúde a cobrirem procedimentos fora da lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), como exames, terapias, cirurgias e medicamentos, trouxe uma nova preocupação para o coordenador administrativo Aguinaldo Vicente Junior, morador de São Paulo. Ele já viveu momentos de angústia quando seu plano de saúde negou por duas vezes o tratamento com canabidiol para seu filho, diagnosticado com epilepsia nos primeiros dias de vida. O plano alegava justamente que o tratamento com a medicação não constava no rol de cobertura obrigatória da ANS. Ele recorreu ao Judiciário e, após uma primeira negativa, conseguiu decisão judicial determinando ao plano de saúde o fornecimento do canabidiol.

Desde então ele vem recebendo regularmente a medicação do convênio, com a condição de, a cada seis meses, apresentar relatório médico dizendo da necessidade de ser mantido o tratamento. “Recebi com surpresa a decisão, pois acreditava que o STJ iria julgar favorável a quem mais precisa. Com essa decisão de quarta-feira, não sei se ela começa a valer a partir de já ou vai ter um período para que entre em vigor. Até o momento não recebi nenhuma informação do convênio, mas espero que os casos já julgados não sofram nenhuma mudança”, disse.

O filho de Aguinaldo, atualmente com 22 meses, dias após o nascimento apresentou sangramento digestivo, sendo transferido para UTI neonatal, onde evoluiu para hemorragia intensa que atingiu áreas do cérebro. Durante o período em que esteve na unidade, a criança apresentou crises epiléticas resistentes aos tratamentos convencionais. Ao longo dos meses de acompanhamento o bebê evoluiu para a síndrome de Lennox Gastaut, um tipo de epilepsia de controle difícil mesmo com medicação.

A equipe médica decidiu introduzir o canabidiol para controlar as crises epiléticas, até então refratárias aos medicamentos. A nova medicação, segundo o relatório, reduziu as crises e melhorou a qualidade do sono da criança. Devido ao alto custo do medicamento, Aguinaldo recorreu ao plano de saúde e por duas vezes o fornecimento foi negado por não constar da lista da ANS. Inconformado, o pai entrou com ação na justiça para obrigar a empresa de saúde a fornecer a medicação. Três meses depois, o juiz Carlos Eduardo Prataviera, da 5a. Vara Cível da Capital, julgou o caso dando razão a Aguinaldo.

“É irrelevante o fato do procedimento não ter cobertura contratual obrigatória determinada pela ANS, já que se enquadra na cobertura contratual fornecida pela ré (plano de saúde) e possui expressa indicação médica”, escreveu o juiz.

O magistrado condenou também o plano de saúde a reembolsar os gastos de Aguinaldo com a compra do canabidiol no período anterior à decisão. Conforme o coordenador administrativo, mesmo com decisão taxativa do STJ, sua expectativa é de que ela não alcance as decisões que já foram dadas. “O que foi decidido lá atrás precisa continuar valendo. Eu tenho uns 10% de receio de que algo aconteça e a decisão que beneficia meu filho seja revertida, mas 90% da minha convicção é de que vai continuar como estava antes dessa nova decisão. Acho que eles não vão ser desumanos ao ponto de que os casos já decididos voltem atrás. Acredito que a nova situação vale daqui para a frente. É o que espero, para o bem do meu filho.”

O corretor de imóveis Washington Miranda, residente em Belém (PA), foi acometido de problemas de saúde que levaram os médicos a atestarem a necessidade de um transplante de fígado, no final de abril deste ano. Devido à complexidade, a equipe médica o encaminhou para realizar o procedimento em um hospital privado de São Paulo. Quando ele recorreu ao plano de saúde, foi informado de que a cirurgia não estava no rol de procedimentos cobertos pelo plano. Miranda recorreu à justiça e obteve decisão favorável. “O juiz mandou o plano de saúde arcar com as despesas. O transplante correu bem, mas quando estava para receber alta, após um mês de internação, tive um problema de retenção de líquidos que me obrigaram a novos procedimentos”, contou.

Miranda ficou mais um período hospitalizado, totalizando 48 dias de internação, e teve as despesas cobertas pelo plano, em cumprimento à decisão judicial. “Hoje estou me recuperando bem, graças a Deus e à sentença do juiz. Se não fosse pela via judicial, não sei como iria conseguir o tratamento, nem como seria minha vida hoje. Por isso, acho essa decisão do tribunal (STJ) muito preocupante. Espero que o meu caso esteja resolvido, mas imagino a dificuldade que as pessoas vão ter a partir de agora para tratar da saúde”, disse.

O advogado Rafael Robba, especialista em direito à saúde do escritório Vilhena Silva Advogados, disse que casos como o do filho de Aguinaldo, podem ser revistos à luz do novo entendimento do STJ. “O canabidiol é usado para várias doenças. Caso a doença específica do paciente tenha um tratamento no rol, pode ser que ele tenha uma decisão desfavorável, caso o plano de saúde peça a revisão da sentença. Se o rol não tiver outro tratamento ou se os tratamentos disponíveis não surtiram efeito, nesse caso o paciente terá direito ao canabidiol”, disse.

Segundo o advogado, ficou mais complicado para os usuários de planos de saúde conseguirem um tratamento não listado no rol, mas os juízes terão liberdade de julgar caso a caso, conforme a convicção pessoal, independentemente da súmula do STJ. “O argumento da taxatividade pode criar a equivocada ideia de que os planos de saúde estão autorizados a recusar a cobertura de tratamentos. Com base no rol, hoje os planos de saúde interferem na decisão do médico que acompanha o paciente e limitam, por exemplo, o número de sessões de terapia, como as recomendadas para pessoas com autismo, cardiopatias e assistência em home care. Além disso, os planos de saúde também negam cobertura para algumas quimioterapias orais, cirurgias de alta complexidade que exigem novas tecnologias como a cirurgia robótica. Por tudo isso, mesmo com o entendimento do STJ, a judicialização ainda deve continuar”, afirmou.

Estadão Conteúdo

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