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No Brasil, o futuro da tarifa aérea está em questão

O STF deu uma vitória às críticas da sobrecarga aérea, ao validar, no fim de maio, uma lei aprovada no Ceará que proíbe seu uso desde 2019

Redação Jornal de Brasília

06/10/2023 12h22

Foto: Evaristo SA / AFP

O Brasil é o primeiro consumidor mundial de pesticidas, mas as críticas crescentes à sobrecarga aérea apresentadas por seus riscos à saúde humana colocam em questão o futuro desta prática indissociável do poderoso agronegócio, locomotiva da economia nacional.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu uma vitória às críticas da sobrecarga aérea, ao validar, no fim de maio, uma lei aprovada no Ceará que proíbe seu uso desde 2019. Outros estados discutem medidas semelhantes.

A decisão agitou o agronegócio em um país que é uma potência agrícola global e consumiu 719.507 toneladas de pesticidas em 2021, ou seja, 20% do total comercializado no mundo, segundo a FAO, a organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura.

Locomotiva da economia nacional, o agronegócio faz uso intensivo, inclusive por via aérea, de pesticidas, que seus incentivadores sabem chamar de “produtos fitossanitários” ou “defensivos agrícolas”.

Desde 2009, a Europa proíbe a fumigação aérea, acusada de “causar efeitos negativos negativos à saúde humana e ao meio ambiente”.

Mas, no Brasil, com a segunda maior frota aeroagrícola do mundo depois dos Estados Unidos, a poluição aérea abrange entre 25% e 30% do uso de pesticidas no país, segundo cálculos do sindicato brasileiro de empresas de aviação agrícola.

“Risco de Deriva”

Em São Paulo, segundo estado que mais consome pesticidas no país e onde a cana-de-açúcar ocupa cerca de 30% das terras agrícolas, o promotor do Ministério Público Gabriel Lino de Paula Pires investiga seu uso na região do Pontal do Paranapanema, oeste do estado.

“De 20 anos para cá, a monocultura se expandiu na região de maneira muito significativa e fez fronteira com assentamentos” rurais, explica à AFP.

Pequenos produtores rurais denunciam os efeitos da fumigação aérea de pesticidas nos canaviais ao seu redor. “Quando os aviões sobrevoam nossas casas, sentimos os efeitos na nossa saúde física, o olho arde, temos alergia na pele, tosse…”, descreveu Diógenes Rabello, líder local do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST).

A lei proíbe as pulverizações aéreas a menos de 500 metros de cidades e povoados, e a menos de 250 metros de moradias isoladas e mananciais de água. Mas, “esse método sempre traz risco de deriva, atingindo outros alvos não planejados”, diz o promotor Pires.

Devido às condições provocadas pela região, “não é possível aplicar agrotóxicos com segurança”, explica.

Por sua vez, Fabio Kagi, do sindicato que representa a indústria brasileira de produtos de “defesa vegetal” (Sindiveg), afirma que “das modalidades de aplicação, a aérea é a mais regulamentada”.

Este método, mais rápido do que a preocupação sobre o terreno, se justifica, segundo o setor, no caso de superfícies frequentemente mais amplas, cultivos de difícil acesso por via terrestre ou que o maquinário poderia estragar.

Entre os requisitos, os pilotos precisam de licenças específicas e um engenheiro agrônomo deve estar presente, ressalta Kagi. As autoridades “falham” na “fiscalização”, réplica do promotor Pires.

Proibidos na UE

O tipo de pesticida utilizado também preocupa. Trinta por cento dos produtos aplicados por avião em 2019 nos cultivos de cana-de-açúcar em regiões de São Paulo continham cinco princípios ativos ambientais cancerígenos, segundo estudo da Universidade Federal de Santa Catarina, que aponta para uma possível exposição com a incidência de câncer nestas regiões, superior à média nacional.

Segundo o mesmo estudo, 40% dos pesticidas aplicados por avião continham princípios ativos proibidos ou não homologados pela União Europeia.

Relatórios apurados pelas autoridades da Defensoria Pública de São Paulo indicam que a Tereos Açúcar & Energia Brasil, filial brasileira do grupo de açucareiro francês Tereos, usou em 2020 o Actara 750 SG, um inseticida com tiametoxam, comercializado pela multinacional Syngenta.

Este princípio ativo é proibido desde 2019 na UE, que o classifica como “muito tóxico para os organismos aquáticos”, e possivelmente prejudicial à fertilidade e ao feto.

As empresas sucroalcooleiras brasileiras São Martinho e Usina Pitangueiras receberam, por sua vez, o fungicida Opera, do grupo alemão BASF, segundo outros relatórios revistos pelo defensor público. Considerado um “disruptivo endócrino” e “suposto cancerígeno” pela agência francesa de segurança sanitária, seu princípio ativo, o epoxiconazol, deixou de ser autorizado pela UE.

Contactada pela AFP, a Tereos disse que utiliza produtos “autorizados pelas autoridades brasileiras” e respeita “cuidadosamente todas as recomendações de aplicação que elas definem”.

A São Martinho também garante que segue as “regulamentações e orientações das autoridades competentes”. A Usina Pitangueiras não respondeu à AFP.

Enquanto isso, em Brasília, um projeto de lei para facilitar a aprovação de novos pesticidas é examinado no Congresso.

O tema nunca foi tão delicado comercialmente: o uso maciço de pesticidas pelos agricultores brasileiros é um dos argumentos apresentados por aqueles contrários na Europa a um acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul, bloco em que o Brasil é o ator principal.

© Agência France-Presse

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