Menu
Brasil

Mulheres pretas e pardas têm menos chance de se casar, mostra pesquisa

O estudo analisou dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE) anual de 2002 e 2015 e da Pnad Contínua de 2016 a 2024

Redação Jornal de Brasília

20/11/2025 8h24

31.10. consciência negra

Foto: Arquivo/Agência Brasília

ISABELLA MENON
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

No Brasil, relacionamentos são marcados pela cor da pele e funcionam como fonte de propagação de desigualdades, aponta a pesquisa “Quem se dá melhor no casamento? Diferenças raciais no mercado matrimonial brasileiro”, conduzida pelos pesquisadores do Insper Michael França —também colunista da Folha—, Daniel Duque e Milena Mendonça.

O estudo analisou dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE) anual de 2002 e 2015 e da Pnad Contínua de 2016 a 2024. Para avaliar o estado civil, os pesquisadores consideraram como “casada” a mulher que tinha cônjuge de sexo diferente registrado no mesmo domicílio, perfil com base de dados suficiente para a pesquisa.

Nas últimas décadas, há queda nas taxas de casamento: em 1980, mais de 60% das mulheres eram casadas; em 2010, esse número caiu para 50%.

A pesquisa concluiu que a cor da pele segue influenciando quem formaliza uma união. Em 2023, a probabilidade de uma mulher preta estar casada era de 44%; entre pardas, de 50%; e, entre brancas, de 51,3%. Mesmo com avanço educacional, mulheres pretas e pardas têm menor probabilidade de se casar do que brancas, mesmo quando comparadas a mulheres de mesma idade e escolaridade.

Segundo a pesquisadora Milena Mendonça, o casamento continua sendo uma das principais formas de acumulação de renda e mobilidade social.

Quem fica de fora desse “mercado” tende a ter renda domiciliar mais baixa e patrimônio menor. “Se mulheres pretas e pardas ficam mais fora dessas uniões ou entram em uniões com parceiros em pior situação, isso limita o patrimônio que elas próprias acumulam e as oportunidades educacionais e de mobilidade social dos filhos”, afirma.

O estudo mostra ainda que, quando casadas, mulheres pretas e pardas tendem a ter parceiros com menor escolaridade e renda prevista, reforçando o ciclo de desigualdade.

Entre 2022 e 2024, a renda prevista do marido de uma mulher preta foi, em média, aproximadamente 14,9% mais baixa que a do marido de uma mulher branca. No mesmo período, a escolaridade do marido de uma mulher preta foi, em média, cerca de 7 pontos percentuais mais baixo que a do marido de uma mulher branca.

“Quando a desvantagem persiste mesmo considerando escolaridade e idade, isso indica que não se trata apenas de escolhas individuais, mas de barreiras raciais que afetam quem é visto como ‘parceira desejável’”, diz Mendonça. A barreira racial atua inclusive entre mulheres negras de famílias ricas, sugere o estudo.

Entre as mulheres que enfrentam esse cenário está a assistente social Fabiana Lopes, 45, mãe de três filhos, uma deles com deficiência. Desde que recebeu o diagnóstico da filha caçula, ela se separou e se considera mãe solo. Aos dez anos, perdeu a mãe, diz que foi encaminhada para a Febem (atual Fundação Casa) e se lembra de dividir o espaço com crianças abandonadas.

Aos 13, conheceu o ex-marido e viu nele a possibilidade de formar uma família e sair da instituição. “Qualquer lugar no mundo era melhor do que estar dentro de uma Febem”, diz. O relacionamento durou quase 30 anos.

Fabiana relata que sempre concentrou a responsabilidade financeira e de cuidado com os filhos, especialmente com a caçula, que tem múltiplas deficiências.

Afirma que prefere a vida atual, sem o marido, mesmo com a sobrecarga nos cuidados e a rotina puxada entre trabalho e demandas domésticas. Separada há cinco anos, diz que ainda é difícil pensar em se relacionar. A rotina de chefe de família e cuidadora da filha faz com que o tempo e a energia para investir em um namoro fiquem em segundo plano.

Já economista Mayra Duarte Carvalho, 32, conta que passou por ascensão social. Cresceu no Jardim Miriam, na zona sul de São Paulo, e, depois de entrar no mercado financeiro, mudou-se para um bairro rico da capital. Ela relata que foi nesse momento que passou a se sentir mais preterida.

“Eu era uma das poucas mulheres negras do bairro. Não conseguia me conectar com as pessoas da minha região. Isso foi uma barreira muito grande que enfrentei”, diz. Segundo ela, as relações com homens brancos aconteciam principalmente por conexões de trabalho.
Mayra ficou três anos solteira e hoje namora um homem preto africano, que cresceu em família de classe média e teve oportunidades de estudo nos Estados Unidos e na França.

“Ele acaba se conectando comigo por estarmos em um momento social parecido. Se eu ainda fosse a Mayra da periferia do Jardim Miriam, não haveria essa conexão”, afirma. “Quando passa por uma ascensão, a gente se desconecta do lugar de origem, ao mesmo tempo que não se sente pertencente ao espaço em que convive. Precisamos criar novos ciclos e enfrentar o racismo, que está à frente de tudo e influencia a nossa afetividade.”

A psicóloga Isabel Antunes, 31, do Rio de Janeiro, relata ter vivido a dificuldade de ser vista como parceira “possível” na adolescência e juventude.

Com pai negro e mãe branca, criada pela família materna e estudando em colégio particular, ela se lembra de ser uma das poucas meninas negras na escola. “Mesmo sendo a menina divertida, legal, eu não era tratada da mesma forma que as minhas amigas brancas”, conta.

Diz que só na faculdade, aos 19 anos, começou a entender que não se tratava de algo individual, mas de racismo. Na adolescência, recorda episódios em festas e baladas em que amigos se aproximavam apenas das amigas brancas. “Eles passavam por mim como se eu fosse uma sombra.”

Isabel se declara como uma mulher parda. Hoje, adulta, avalia que, quanto mais mulheres negras se instruem e tomam consciência das dinâmicas raciais, “mais difícil fica aceitar qualquer relação.”

A psicóloga Julyelle Conceição, terapeuta sexual e de casais, afirma que a autoestima é moldada desde a infância pelas mensagens que a pessoa recebe sobre suas características físicas. Ela aponta que cabelo crespo e pele escura foram pouco valorizados socialmente. “Isso vai contribuindo para a construção, nesse caso, da nossa baixa autoestima”, diz.

No consultório, Conceição observa que muitas relações de mulheres negras são “permeadas por uma naturalização da violência”.

Segundo ela, não é raro que essas mulheres permaneçam em relacionamentos abusivos ou em vínculos que não atendem ao que realmente desejam, porque aprendem a não se sentir no direito de reclamar.

“Ela aprende que, ‘se eu não sou tanto assim, quem sou eu para me queixar desse comportamento do meu parceiro?’. É uma sensação de que eu não posso exigir muito, isso aqui já é o suficiente’”, afirma.

Em atendimentos, diz ouvir com frequência queixas de mulheres negras sobre parceiros que não as defendem diante de falas racistas de familiares. Para ela, as relações de poder e o comportamento antirracista dentro dos relacionamentos são centrais, e ser antirracista exige ações concretas, especialmente de quem ocupa posições de privilégio.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado