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Marcha das Vadias, 10 anos depois: mulheres refletem sobre o legado que o movimento feminista deixou

Com gritos como “Vem pra rua contra o machismo”, cerca de 3 mil manifestantes tomaram as ruas, em junho de 2013

Redação Jornal de Brasília

19/06/2023 13h00

Foto: Agência Brasil

Henrique Guimarães, Lara Oliveira e Nathália Guimarães
Jornal de Brasília/Agência de Notícias CEUB

Nos últimos 10 anos, o Brasil ficou marcado por reviravoltas sociais e políticas, iniciadas pelos protestos de junho de 2013. Entre esses movimentos, um dos mais marcantes foi a “Marcha das Vadias”, motivado pelo projeto que havia sido aprovado por comissões da Câmara dos Deputados: a chamada “bolsa estupro” referia-se ao Estatuto do Nascituro, proposta que previa uma bolsa de auxílio para mães que optassem por não abortarem filhos frutos de estupro. Após o movimento de 2013, o Estatuto do Nascituro não entrou em vigor. Em 2022, a pauta sofreu algumas modificações e ainda tramita no Congresso, o que demonstra que ela ainda pode ser levada para votação.

Com gritos como “Vem pra rua contra o machismo”, cerca de 3 mil manifestantes tomaram as ruas, em junho de 2013, com o objetivo de combater as injustiças de gênero e exigir a igualdade de direitos para todas as pessoas.

A jornalista Tamires Rodrigues, 27 anos, relembra que na época havia começado a pensar e procurar sobre questões políticas ligadas à mulher e, quando entrou em contato com os movimentos, e soube do projeto da “bolsa estupro” pela primeira vez, quis saber mais a respeito. “Descobri no Facebook que iria acontecer a Marcha no Plano Piloto, então eu quis demonstrar meu apoio e lutar por algo que acredito. Foi a primeira vez que participei de uma manifestação e foi bastante importante na época”, reforça.

Para Tamires, participar do movimento trouxe coragem para as mulheres. “Percebo que tenho opiniões sobre algumas questões ligadas à mulher e nenhuma vergonha ou medo de expor. Isso começou na Marcha das Vadias e é algo que me marca”, aponta.

Nesse cenário, a Marcha das Vadias trouxe à tona o questionamento sobre a culpa da mulher em casos de abuso ou estupro. O movimento é associado ao “novo feminismo”, caracterizado por ‘atitudes radicais’ e por desafiar as estruturas sociais patriarcais. Além disso, as mulheres usam o corpo como uma forma de expressão, protesto e instrumento de resistência às opressões sofridas.

Atualmente, a marcha trouxe mais visibilidade para mulheres e abertura para que mais movimentos feministas surgissem. “A luta ainda não acabou. Só que assim como eu, muitas mulheres tiveram força de se manifestar contra isso, talvez por não estarem sozinhas, o que já é uma vitória”, afirma Tamires.

Em 2023, a legislação brasileira autoriza a realização de aborto apenas em três situações: estupro, risco de vida para a gestante e em casos de anencefalia. O Projeto de Lei (PL) do Estatuto do Nascituro em trâmite no Congresso prevê a revogação dessas autorizações e isso implicaria na criminalização do aborto em todos os casos, o que é criticado por especialistas de gênero e integrantes de movimentos sociais.

O avanço nas lutas

A antropóloga Ana Carolina Oliveira enxerga o movimento da Marcha das Vadias de junho de 2013 como um movimento que deu um pontapé para uma discussão maior sobre os direitos das mulheres e a desigualdade de gênero.

“O movimento da marcha foi e ainda é muito importante para as mulheres. Em 2006 já tínhamos a Lei Maria da Penha, mas a atenção para os casos de violência doméstica ainda eram baixos e movimentos como a Marcha das Vadias fez com que as mulheres pudessem ter mais voz frente a essa problemática”, pontua ela.

O movimento da época abordava os temas da problemática da violência doméstica, desigualdade de gênero e o aborto. Para Ana Carolina, apesar do avanço, essas leis na prática não funcionam tão bem para todos os grupos femininos. Ela chama a atenção para as mulheres que moram em zonas periféricas e não têm tantos recursos econômicos.

“Acredito que a importância dos movimentos feministas é de chamar atenção para as próprias mulheres, e não para um grupo específico, os direitos devem ser iguais entre todas, assim como esses movimentos devem dar voz a todas elas, sejam brancas, pretas, de baixa renda”, explica.

Para a antropóloga, ainda há um longo caminho a ser percorrido em relação aos movimentos feministas. Ela reforça que um desses percursos começa com a educação. “É difícil dizer se há de fato uma solução, mas há coisas simples que podem ser feitas como, dentro de casa, instruir nossos filhos a repudiar posições violentas e instruir as nossas filhas a dizer não.”

Ela ainda enfatiza que a implementação e o cumprimento de leis com mais vigor podem ser caminhos, mas que o principal é que essas leis garantam o direito às mulheres sem preconceitos. “Acredito que o foco agora precisa estar em todas as mulheres, principalmente as pretas, de baixa renda e também as trans. É necessário que as políticas públicas de proteção dos direitos da mulher de fato protejam a todas e que os movimentos feministas também possam incentivar a participação delas”, finaliza.

10 anos depois: novos movimentos feministas ganham força

A Marcha das Vadias marcou as manifestações de 2013 e deu voz a milhares de mulheres. Após isso, novos movimentos feministas surgiram ao longo de 10 anos e ganham cada vez mais força, como é o caso do projeto Marias da Penha.

A jornalista e fotógrafa Ísis Dantas é idealizadora do projeto Marias da Penha. Ele tem o intuito de resgatar a autoestima de mulheres que conseguiram romper um ciclo de violência doméstica ou sexual através da fotografia terapêutica. “O projeto é uma forma singela de ajudar essas mulheres a perceberem a força e a beleza que existe em cada uma delas”, explica.

Ela conta que começou a ter interesse nos movimentos feministas desde muito nova. Na época, via sua mãe aos 25 anos já divorciada, criando três filhos pequenos sozinha. Relembra que foi mãe jovem, aos 20 anos, e em meio a isso teve um relacionamento abusivo. Foi durante esse momento, onde percebeu que precisava se refazer, que Ísis encontrou a força para ajudar outras mulheres a não enfrentar o que ela passou.

A fotógrafa explica que a sociedade brasileira ainda é patriarcal e as mulheres precisam e devem lutar para ocupar espaço e ter representatividade e direitos. “Os movimentos feministas e a luta organizada são fundamentais para garantir a ocupação [das mulheres] em espaços de poder, a manutenção e a garantias de direitos; além do fim do sexismo, misoginia e a violência de gênero. Quando se mexe com uma, mexem, na verdade, com todas.”

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