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Brasil

Luta contra homofobia: período da pandemia elevou ataques e temores de população LGBT

A cada uma hora uma pessoa é agredida por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero

Redação Jornal de Brasília

17/05/2021 17h54

Foto: Mario Santa Rosa

Louise Velloso, Luiz Eduardo Certain e Mario Santa Rosa / Agência UniCEUB

“Nós estávamos no bar e o homem não parava de nos encarar” Helena Andrade, de 23 anos, conta. Em 2019, nas férias da faculdade, ela e sua namorada decidiram viajar para Pirenópolis (GO), aproveitando um tempo só para elas. Após vários dias na cidade, resolveram ir comemorar juntas o fim das férias e criar mais lembranças num bar da cidade, enquanto bebiam e conversavam entre elas e com outras pessoas ao redor da mesa, um homem mais velho começou a se aproximar delas. O dia 17 de maio é de conscientização na luta contra homofobia.


“Ele se sentou na mesa e quando percebeu que éramos um casal homossexual começou a falar coisas horríveis para mim”, recorda-se Helena, que conta que logo saíram assustadas do local. “Estava com medo dele ter seguido a gente, a minha namorada trancou a casa inteira e ficou conferindo para ver se estava tudo fechado”. Naquela noite não conseguiram dormir por conta da ansiedade e do medo, só conseguiram se acalmar quando voltaram para Brasília no dia seguinte.

Casos como esse são muito comuns em relação a casais homoafetivos, segundos dados divulgados em 2020 pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a cada uma hora uma pessoa é agredida por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Assim num país estruturalmente homofóbico como o Brasil acaba por surgir um medo de se apresentar como LGBT+. Isso incentiva as pessoas LGBT+ a criarem locais e procurar comunidades onde são aceitas, porém com a pandemia isso mudou.

O vírus afeta ainda mais as pessoas em vulnerabilidade. São essas pessoas que mais sofrem com a realidade atual de aumento de desemprego, aumento de feminicídios e o aumento da LGBTfobia. De acordo com dados pesquisados pela Associação Nacional de Travestis e Transsexuais, a ANTRA, nos quatro primeiros meses do ano houve 56 assassinatos noticiados, sendo 54 mulheres trans/travestis e 2 homens trans/trans masculinos. No país que mais consome pornografia trans no mundo isso não é de surpreender, de acordo com um relatório feito em 2018 pelo Pornhub.

A chegada do vírus obrigou a população a ficar em casa, em alguns casos, essa medida obrigou as pessoas a conviverem com seus agressores ou esconderem suas sexualidades de seus familiares por medo. Um relatório produzido em junho de 2020, pela #voteLGBT em parceria com a Box 1824, apresentou que o maior impacto para a população LGBT+ de acordo com 42,72% dos 9521 entrevistados foi na saúde mental. E 11,74% destacaram o sentimento de solidão – o que aponta a dificuldade de lidar com o cenário atual de afastamento das redes de apoio e as consequências disso.

Desproteção

A professora Maria Cândida Paredes, 24 anos, relata que com o ensino remoto o papel da escola de identificar violências fica fragilizado. Assim, “pessoas mais jovens estão se sentindo mais isoladas, mais vítimas do controle excessivo e do abuso de pais homofóbicos e transfóbicos”. A professora, que se identifica como bissexual, observa que nas aulas online ocorre um controle muito mais intensificado e uma censura de conteúdos relacionados a temáticas de sexualidade, por conta de pais e diretores que olham as aulas gravadas.

“A pessoa fica com um certo receio e um certo medo, ela é muito mais censurada de comentar sobre questões de sexualidade em sala de aula ou de estabelecer estratégias de combate a homofobia e a transfobia em sala de aula”, diz a professora

A quarentena também apaga a identidade de diversas pessoas, trabalhando como professora presencial, Helena Andrade, bissexual, só irá poder ver sua namorada após a vacina “de alguma maneira a pandemia reduziu minha sexualidade, no sentido que não estou beijando minha namorada em público, não estou andando de mãos dadas em público, ela reduziu certos preconceitos sociais assim como certos olhares sociais.”

Confira especial “Somos”

A professora Maria Cândida também relata um caso parecido, onde seus pais com a pandemia acabam tendo um controle maior sobre os locais que ela vai e frequenta. Assim, consequentemente tem muito mais controle se eu posso ou não sair com alguma parceria feminina já com essa intenção de tentar regular minha sexualidade mesmo” comenta a jovem. A jovem Elisa*, designer de interiores e bissexual, reflete que a quarentena tambem afetou sua identidade “por morar com meus pais, eu só podia ser eu mesma fora de casa, por isso passava 90% do meu tempo na rua, na casa da minha ex-namorada ou na casa de amigos” conta a designer. Segundo a Maria Candida, muito da construção das comunidades lgbts foi feito em ambientes físicos, locais onde essas possam se identificar e ser quem são sem serem julgadas, como, festas, debates, saraus entre outros.

“Vejo muitas pessoas que estão tendo dificuldades em transpor isso para ambientes virtuais, sofrendo violências em casa e expulsões em plena pandemia”.

Esse desgaste de pessoas lgbts com a suas famílias não é algo incomum, a designer de interiores Elisa* conta que a maior parte da sua família não aceita sua orientação, preferindo fingir que não sabem, mas a pesar de todos os males ela acaba por ter um grande apoio nesse ambiente hostil “o que me ajuda muito é o fato de minha irmã também ser LGBT, então temos um porto seguro uma na outra, podendo nos abrir e criando uma bolha de segurança no meio de pais conservadores” relata a designer. Após muito tempo de terapia e uma rede de apoio isso não afeta tanto a auto aceitação dela, mas ela conclui que a única possível forma de mudança é “ correr atrás do meu próprio sustento para assim não ter que viver em um ambiente hostil, ter uma vida saudável.”

Agressões

Mesmo assim para pessoas como Trystan Castellar, 25 anos, pansexual e não binarie, a quarentena não piorou a situação, mas sim houve uma melhora. “Ter que passar muito tempo em casa com a minha família não me coloca em uma posição complicada porque os familiares que moram comigo não são fortemente lgbtofóbicos”, conta o jovem.

Antes da pandemia, Trystan relata que sofria microagressões mas agora brinca que a parte difícil é não poder abraçar os amigos. Oz Portella, 22 anos, transmasculino e bissexual, relata que a pandemia não trouxe mudanças sendo que agora na quarentena em casa ele acaba por nem pensar muito nisso mas também brinca que sente falta dos amigos.

Para o neuropsicólogo Fabrício Almeida, o convívio da quarentena está diretamente relacionado com o aumento de casos de violência contra LGBTs. “Nós temos uma tendência natural a valorizar o que a gente acredita e a refutar o que a gente considera que é inadequado, ou que não vai de acordo com o que a gente acredita, a gente chama de viés de confirmação. Então, a partir do momento que você tem um viés de confirmação onde você rechaça a forma de vida da outra pessoa que no caso tem orientação ou identidade de gênero diferente e você vê isso repetido na sociedade, ou seja, o seu pensamento é confirmado como correto a tendência é você punir a outra pessoa por ela não concordar com a sua forma de ver.” ele comenta.

Marcos Venisson Tavares / presidente do projeto Casa Rosa LGBT Foto: Mario Santa Rosa

“Então, pense como deve ser para você ter uma experiência em que você está inserido no ambiente onde sua forma de ser, de viver, de se relacionar com o mundo é vista como algo negativo, como algo pecaminoso se for o caso de algum contexto religioso, ou inadequado. A gente tem observado um aumento brutal nos índices de violência doméstica principalmente relacionados às mulheres, mas também direcionados a contextos de orientação sexual”.

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O especialista explica que a violência relaciona-se ainda com o confinamento. “Você tem um espaço físico pequeno e um espaço onde você não tem a possibilidade de vivenciar outra experiência de vida se não aquela e aí com o tempo aquilo acaba gerando na pessoa uma irritabilidade a ponto de ela executar um ato, por exemplo, de violência. A priori as experiências negativas estão muito relacionadas a isso”, complementa o neuropsicólogo.

Traumas

Esse tipo de convívio familiar pode gerar traumas irreversíveis que podem prejudicar o convívio e a formação de relacionamentos na vida dessas pessoas conforme esclarece o psicólogo. “ A gente fala que a família é o primeiro ambiente de formação social, né? De socialização, de formação, de limites e de experiência de individualização. Então a partir do momento que você tem uma pessoa que sofre uma exclusão desse ambiente familiar a pessoa pode evoluir com uma série de questões na primeira o sofrimento psíquico intenso. Segundo, uma dificuldade de flexibilização para inserção em novos ambientes locais, como por exemplo, locais de trabalho, grupos de amigos e até novas famílias, no caso de uma relação com exceção de novos atores familiares, né?”.

“Então isso impacta muito no contexto de desenvolvimento das pessoas. A exclusão familiar tem um impacto emocional muito grande porque pode gerar nas pessoas uma interpretação de inadequação e o fato da sexualidade, orientação sexual e identidade de gênero serem passíveis de uma desqualificação de quem a pessoa é ou do valor que ela tem. Além disso, existe esses contextos de adaptação em que a pessoa pode desenvolver uma inflexibilidade, onde como um processo de autodefesa acaba sendo uma pessoa dura, inflexível, uma pessoa que reage antes mesmo de ser atacada quando ela reconhece alguns indicadores ambientais de que ela pode vir a ser desqualificada”, argumenta Fabrício.

Auxílio em dias de crise

Mas nem tudo é ruim nesses tempos de pandemia. Marcos Venisson Tavares, fundador da Casa Rosa DF, espaço cultural e assistencial voltado para o público LGBTQ+ desde 2018 é uma das pessoas que luta contra a homofobia e busca auxiliar nesses tempos de crise. “Muitos se encontram desempregados, a convivência no espaço familiar tornou-se mais complicada e acentuou muito os conflitos familiares, muitos não têm suportado tantas agressões, insultos, ataques familiares , cobranças, etc. Muitos perderam empregos, os que ainda vivem com rendas alternativas perderam os lucros dificultando a quitação de seus compromissos como aluguel e alimentação, enfim a própria manutenção domiciliar se tornou uma problemática para muitos.” .

Apesar de possuir espaço para acolher 8 pessoas diretamente, por falta de recursos a casa só está mantendo 4 pessoas. “Atendemos indiretamente uma faixa de 76 pessoas já cadastradas e assistidas aqui pelo projeto, seja com psicólogos, advogados ou assistência como doações de cestas, gás, remédios e no que pudermos, pois justamente fazemos nossos trabalhos dentro das possibilidades, pois nos faltam recursos, tanto financeiro como humano. Nossos voluntários não conseguem atender a demanda e como são todos voluntários temos que também ver a disponibilidade de tempo de cada um. Algumas vezes ocorrem falhas pela carência de voluntários atuando ativamente e grandes falhas por falta do recurso financeiro e que tirar do próprio bolso para manter a Casa Rosa LGBT. Se conseguirmos ampliar nosso recurso financeiro e espaço físico, nossa capacidade será de atender 20 pessoas diretamente.” Marcos finaliza triste.

Os responsáveis pela Casa Rosa LGBT têm feito campanhas para angariar recursos, tanto pelo Pix 39.726.775/0001-84 ou pelo Whatsapp: 61 9220-3745. Marcos frisa que qualquer tipo de ajuda é bem-vinda, tanto financeira quanto voluntária.

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