JÚLIA MOURA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O clima de confraternização passou longe do tradicional almoço de fim de ano da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), que reúne os maiores banqueiros do país.
Em conversas reservadas, os banqueiros se diziam indignados com o tamanho que o Banco Master, liquidado na semana passada, ganhou, a partir de bilhões de reais captados com pessoas físicas e fundos de pensão.
Os dirigentes também clamavam por mudanças regulatórias capazes de prevenir episódios semelhantes no futuro. Ao mesmo tempo, se diziam aliviados que o banco de Daniel Vorcaro saiu de cena e ele foi preso.
Sem mencionar diretamente o caso, o presidente da Febraban, Isaac Sidney, pediu rigor e ética no sistema financeiro. “O novo nome da competição saudável se chama solidez e integridade”, completou.
Parte da revolta dos banqueiros, que diziam ver o problema do Master a quilômetros de distância, é o rombo de mais de R$ 40 bilhões que o Master deixará no FGC (Fundo Garantidor de Créditos), do qual os grandes bancos são os maiores contribuintes.
Criado nos anos 1990, o fundo vai ressarcir todos os depositantes do Master até o limite de R$ 250 mil por investidor.
Todos os bancos são obrigados a contribuir com o FGC com 2,5% do valor de títulos cobertos emitidos.
Por serem os maiores depositantes do país, os principais bancos também são os maiores contribuintes e, caso o fundo precise chamar novas contribuições para se reequilibrar, são eles que pagarão a maior parte da conta.
O resgate deve reduzir em um terço a liquidez do fundo com o ressarcimento de investidores, mas muitos dirigentes de bancos diziam não ver a necessidade de aportes adicionais neste momento. A palavra final caberá ao Banco Central.
O que as grandes instituições, assim como o FGC, querem mudar são as regras do fundo, para evitar que bancos altamente alavancados se apoiem na venda de CDBs. O banco de Vorcaro cresceu vertiginosamente com a venda desses produtos em meio à propaganda de que era um investimento seguro dada a proteção do fundo.
À reportagem o presidente do fundo, Daniel Lima, disse que a indústria, juntamente com os reguladores, irá analisar como recompor a liquidez do fundo e apoiou alterações nas regras para impedir que instituições vendam CDBs de alta remuneração usando como propaganda a garantia de R$ 250 mil, mas alertou que é preciso aprofundar os estudos antes de qualquer mudança. Alguns banqueiros dizem que as mudanças podem encarecer o crédito.
Dentre os outros temas nas conversas, estava o BRB (Banco de Brasília), que adquiriu diversos ativos do Master. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, o banco privado teria vendido ao BRB carteiras de consignado forjadas no valor de R$ 12,2 bilhões, o equivalente a mais de 20% das operações de crédito da instituição do Distrito Federal, apontam as investigações. À imprensa, o banco do DF “reafirma a solidez da instituição”.
O setor analisa se o BRB pode sofrer algum tipo de contaminação por ter comprado carteiras de crédito do Master. O banco estatal, no entanto, afirma que as carteiras atuais de crédito “seguem padrão adequado”
Ainda de acordo com os dirigentes, a falta de regras atualizadas e uma maior diligência dos órgãos reguladores permitiram que o banco, até então desconhecido, virasse um grande problema.
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, e o ministro interino da Fazenda, Dario Durigan, estavam à mesa no almoço com os CEOs dos principais bancos do país, como Bradesco, Itaú e BTG. Em outras, diretores do BC e dos bancos também participaram da refeição em três etapas -burrata com caponata, seguida de costela com mandioca e mil folhas de frutas vermelhas com musse de chocolate, além de bebidas, incluindo vinho e champanhe, à vontade.
O regulador trouxe notícias de dias mais calmos pela frente.
“O Banco Central seguiu o gabarito e cumpriu exatamente a norma. Chegando no final do ano, os riscos de cauda [eventos raros, mas de grande impacto] para esses desafios emagreceram significativamente. Podemos dizer que ainda temos bastante trabalho pela frente em muitos e, alguns deles, talvez todos, não têm um ponto de chegada, são contínuos”, disse Galípolo em sua fala durante o evento, quando falou sobre desafios enfrentados pelo BC na área de estabilidade.
O economista também reforçou a necessidade de que o BC tenha mais financiamento e um arcabouço legal institucional bem definido.
Em seguida, o presidente da Febraban elogiou o trabalho de Galípolo, mencionando que vê como marca de seu mandato a elevação da “régua da dignidade institucional do Banco Central.”
“O setor bancário forte depende também de um regulador forte, e nós temos no Brasil um regulador que está à altura da necessidade”, completou.
Sidney também fez um clamor por mais diálogo, transparência e cooperação entre as instituições financeiras. “Setor bancário forte também é aquele que se mantém firme em ao menos três pilares: solidez, inovação e integridade. O novo nome da competição saudável se chama solidez e integridade”, afirmou o líder da Febraban, sem citar nenhuma instituição ou operação.
Nos bastidores, o papel de corretoras nas vendas de papéis de alto risco, como os do Master, também é alvo de debate. Isso porque eles oferecem um comissionamento acima da média a assessores de investimento, incentivando a larga distribuição. Porém, apesar de serem um ator importante na cadeia, atualmente, a responsabilidade atribuída aos distribuidores é limitada.