PAULO EDUARDO DIAS E LUCAS LACERDA
FOLHAPRESS
A corrida pelos medicamentos à base de princípios ativos como semaglutida e tirzepatida, usados para tratamento de diabetes e de obesidade, também acelerou o passo de criminosos que atacam na cidade de São Paulo.
Delegados e outros policiais ouvidos pela reportagem relatam aumento significativo nas invasões de bandidos a drogarias espalhadas pela cidade. A percepção deles é corroborada pelos números de registros nas delegacias.
Dados da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) indicam alta de 20% na quantidade registros de roubos a farmácias entre janeiro a setembro. Foram 206 casos neste ano ante 171 ocorrências em 2024.
Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública do estado), disse que “as forças de segurança de São Paulo monitoram continuamente os índices criminais e ampliaram as ações contra roubos e furtos a farmácias, com foco na identificação e prisão de criminosos, na desarticulação do mercado ilegal de medicamentos e na responsabilização de receptadores”.
Ainda segundo a pasta, de janeiro a setembro de 2025, houve cerca de 60 prisões de adultos, apreensão de oito adolescentes e recuperação de mais de R$ 1 milhão em produtos e medicamentos, especialmente canetas emagrecedoras.
Medicamentos de alto custo como Ozempic, Wegovy e Mounjaro são os mais visados. Tais produtos não ficam expostos em prateleiras, mas armazenados na parte interna das drogarias, uma vez que precisam de refrigeração específica.
As investigações da Polícia Civil apontam que os ladrões que atacam as farmácias fazem parte do mesmo grupo que também rouba alianças e celulares pela cidade. Eles são jovens e usam de motocicletas para atacar e fugir rapidamente. Em sua maioria, estão armados e violentos.
Em nota, a Abrafarma (Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias) afirma ter criado um grupo temático de segurança em razão das ocorrências de furtos e roubos. O comitê reúne representantes das 29 redes associadas, que respondem por mais da metade da venda de medicamentos no país.
Segundo a instituição, o objetivo é dar mais amplitude ao acompanhamento de casos, promover o compartilhamento de inteligência interna e sugerir atitudes preventivas.
“Nunca na história da entidade cogitou-se qualquer abordagem nessa área, mas essa mudança de olhar demonstra a gravidade e insegurança dos tempos atuais”, disse Sergio Mena Barreto, CEO da Abrafarma, em trecho da nota encaminhada.
Um dos casos que chamaram atenção foi o roubo a uma unidade da Drogaria São Paulo na avenida Morumbi na noite de 28 de outubro. Durante o assalto, um criminoso baleou o taxista Marcelo Silveira, 57, na cabeça. Silveira morreu no hospital do Campo Limpo. O caso foi registrado como latrocínio (roubo seguido de morte).
Para a polícia, quatro bandidos participaram do crime. Três deles entraram na drogaria e pegaram vários produtos. Eles usavam capacetes de motociclistas na cabeça. Imagens de câmeras de segurança do estabelecimento registraram o assalto e a ação contra o taxista.
A investigação apontou que os ladrões eram da favela Paraisópolis, na zona sul. Na casa de um suspeito foragido foram encontrados diversos medicamentos.
O delegado Fernando Cesar de Souza, do 37º DP (Campo Limpo), foi um dos envolvidos na apuração contra a quadrilha. Segundo ele, os homens são suspeitos de ao menos outros seis roubos contra farmácias.
Segundo a apuração, após o crime os produtos são levados para Paraisópolis. A maior parte dos itens é vendida pela internet, em grupos de WhatsApp, Instagram e Telegram. A comercialização é feita pela metade do valor cobrado no mercado formal.
“Não deixam refrigerado. Sem garantias, sem origem. O barato pode sair caro”, disse Souza.
Um dos suspeitos de envolvimento na ação que terminou no assassinato do taxista foi morto por PMs durante um roubo na avenida Giovanni Gronchi no dia 2 deste mês. Outro está preso. Dois suspeitos foram identificados e tiveram a prisão decretada, mas seguem foragidos.
Se os criminosos aproveitam da fragilidade na segurança das farmácias para atacar, golpistas também encontraram um nicho para ganhar dinheiro.
No final de outubro, policiais militares apreenderam embalagens, rótulos e ampolas no interior de um Ford Fiesta que passava pela avenida Ragueb Chohfi, em São Mateus, zona leste da capital. Aos policiais o motorista do carro disse que realizava o transporte das substâncias utilizadas na fabricação de canetas emagrecedoras Mounjaro.
Um outro homem também detido na ação contou para os PMs que produzia e comercializava os remédios com produtos adquiridos no mercado paralelo.
Segundo a versão dele, a venda era por um valor mais acessível do que o comercializado em farmácias, que ultrapassa R$ 1.000.
A detenção dos dois levou à abertura de uma investigação pelo 49º DP (São Mateus). Em interrogatório, um dos homens contou que o material falso, com a embalagem de fabricantes famosos e adesivos, foi adquirido na praça da Sé por R$ 6.000. Conforme apurou a polícia, foram apreendidos cerca de 5.000 itens no dia da abordagem da PM.
O homem não soube precisar a substância do produto que ele vendia. As ampolas não traziam dados de fabricantes, e tudo parecia feito de maneira artesanal.
“Compram um produto sem sequer saber a procedência. Pode ser um produto nocivo à saúde ou inócuo”, afira o delegado Victor Moreira.
Os dois homens já tinham passagem na polícia pelo crime de falsificação. O delegado pediu a prisão preventiva (sem prazo) deles, que foi aceita pela Justiça.
Procurado, o Sindicato dos Farmacêuticos no Estado de São Paulo declarou ter conhecimento da onda de crimes. O órgão orienta aos associados o registro de boletins de ocorrência dos casos de violência e o fornecimento de informações ao Conselho Regional de Farmácia e ao sindicato.
Também que, em caso de omissão pelos empregadores da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), os trabalhadores farmacêuticos procurem o sindicato.
“Infelizmente, o Sindicato dos Farmacêuticos no Estado de São Paulo desconhece medidas protetivas que garantam a integridade física dos farmacêuticos, por iniciativa dos donos de farmácias e drogarias”, afirma a entidade.
O Sincofarma (Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo) disse não ter informação para disponibilizar.