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Brasil

A implosão do que restou da antiga Lava Jato

A denúncia foi encaminhada por Appio ao Supremo Tribunal Federal (STF), com a menção expressa a possível crime de extorsão e ao foro de Moro e Dallagnol

Redação Jornal de Brasília

31/03/2023 22h23

Foto:Agência Brasil

Maior investigação contra a corrupção da história do País, com 79 fases deflagradas ao longo de sete anos, a Operação Lava Jato deu uma guinada contra antigos protagonistas desde que o juiz Eduardo Fernando Appio assumiu a 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba.

Escolhido a contragosto do núcleo duro da Lava Jato, o novo juiz ressuscitou a operação dada como morta e passou a movimentar os processos remanescentes. Em entrevista ao Estadão, logo após assumir o cargo, ele afirmou que não seria o ‘coveiro oficial’ da operação.

Ao antagonizar com nomes como o senador Sérgio Moro (União-PR) e o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), os rostos mais conhecidos da operação, Eduardo Appio iniciou uma espécie de implosão do que restou da antiga Lava Jato. Em contrapartida, virou alvo de pressão para deixar o cargo: vem sendo associado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e acusado de parcialidade.

As críticas mais contundentes têm partido de Deltan Dallagnol. O ex-procurador da República acusou o juiz de doar dinheiro para a campanha de Lula e de usar o login ‘LUL22’ para acessar o sistema da Justiça Federal. Também personalizou os ataques ao afirmar que o pai do magistrado, o ex-deputado Francisco Appio (PP-RS), morto em novembro do ano passado, foi envolvido na delação da Odebrecht. Appio nega alinhamento com o petista ou com a esquerda e rejeita a associação do pai com corrupção.

Sem ceder à pressão, o juiz segue despachando. Em meio ao litígio, afirmou sofrer com uma escalada de ameaças e pediu reforço na segurança pessoal. O esquema solicitado inclui carro blindado, pistola Beretta e apoio da Polícia Federal (PF) no prédio onde fica seu gabinete.

A decisão que mais gerou desconforto entre lavajatistas foi a que atendeu ao pedido de audiência feito pelo advogado Rodrigo Tacla Duran, antigo desafeto de Moro. Ele foi ouvido em juízo por autoridades brasileiras pela primeira vez na segunda-feira, 27, em sessão por videoconferência.

Com a justificativa de prestar esclarecimentos e fazer requerimentos, o advogado repetiu acusações feitas em 2017 sobre um suposto pedido de propina na Lava Jato em troca de facilidades para clientes em acordos de colaboração.

A denúncia foi encaminhada por Appio ao Supremo Tribunal Federal (STF), com a menção expressa a possível crime de extorsão e ao foro de Moro e Dallagnol. O juiz também pediu à Polícia Federal a abertura ‘urgente’ de um inquérito sobre o caso.

A guinada da Lava Jato em relação a Tacla Duran sintetiza a inversão de papéis que marca a evolução da operação. O advogado teve a prisão decretada por Moro no auge da investigação e chegou a ser incluído na lista de foragidos da Interpol. Agora pediu para ser colocado no Programa de Proteção a Testemunhas, o que foi atendido por Appio, e voltou a lançar suspeitas de corrupção sobre as delações da Lava Jato.

O mandado de prisão expedido por Moro contra Tacla Duran, em aberto desde 2016, também foi derrubado por Appio. O advogado mora na Espanha e poderia ser preso se voltasse ao Brasil. O juiz afirmou que, como Tacla Duran representa a si próprio nos processos, o advogado pode ser recebido no gabinete se estiver no País.

“Eu sou totalmente imparcial, para mim não tem partido, não tem time de futebol, não tem amizade e inimizade. Aqui a lei vai ser igual para todos”, disse o juiz a Tacla Duran ao conduzir a audiência na última quarta.

Dallagnol e Moro estão hoje no lugar dos políticos que um dia denunciaram e julgaram. Ambos afirmam que as acusações de Tacla Duran são falsas e estão sendo exploradas politicamente.

O senador recorre agora à mesma estratégia que no passado foi usada contra ele. Moro busca impedir o sucessor de despachar nos processos remanescentes da Lava Jato. O ex-juiz defende que Appio seja afastado de todas as ações relacionadas à operação até a análise de um pedido para declarar a suspeição do juiz.

A representação que acusa Eduardo Appio de parcialidade foi apresentada por uma procuradora de Ponta Grossa, no interior do Paraná. O magistrado disse ao Estadão, na ocasião, que a procuradora age como ‘longa manus’ de Dallagnol. Moro, por sua vez, afirma que seu objetivo é ‘prevenir’ atos processuais ordenados por juiz ‘suspeito’. Em 2021, ele próprio foi declarado parcial pelo Supremo Tribunal Federal para julgar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em ações penais na Lava Jato.

A quebra de braço entre Eduardo Appio e antigos expoentes da Lava Jato não se restringe a Moro e Dallagnol. Ele também comprou briga com a juíza Gabriela Hard, que substituiu Moro na 13.ª Vara de Curitiba em 2018, quando o então juiz deixou a magistratura rumo ao governo Jair Bolsonaro (PL).

Em decisão recente, Appio colocou a imparcialidade da juíza em dúvida e afirmou que ‘pode ter existido, de fato, uma associação’ dela com os membros do Ministério Público Federal. O despacho citou as mensagens obtidas a partir da Operação Spoofing, que prendeu os hackers responsáveis pela invasão de celulares de autoridades, incluindo Sérgio Moro e procuradores da Lava Jato.

A força-tarefa de Curitiba foi extinta em 2021 em uma reforma institucional do Ministério Público Federal (MPF) promovida pelo procurador-geral da República Augusto Aras.

Sem procuradores destacados em operação, o que resta hoje são ações e inquéritos que já estavam em curso. Há cerca de 240 procedimentos penais em tramitação.

O acervo em Curitiba também sofreu baixas. Parte das ações foi transferida para a Justiça Eleitoral depois que o STF decidiu que denúncias de corrupção envolvendo suspeitas de caixa dois de campanha devem ser processadas na esfera eleitoral. Outra parte dos processos foi encaminhada para diferentes Estados a partir do entendimento de que a 13.ª Vara Federal de Curitiba tentou assumir uma ‘super-competência’ para julgar todas as denúncias relacionadas ao esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e cartel de empreiteiras instalado em diretorias estratégicas da Petrobrás, entre 2003 e 2014.

Quando a operação chegou formalmente ao fim, Moro já havia abandado a magistratura. Ele comandava o Ministério da Justiça e Segurança Pública a convite do ex-presidente Jair Bolsonaro. Dallagnol também deixou a coordenação da força-tarefa antes do encerramento do grupo de trabalho, com a justificativa de cuidar da filha, que segundo ele vinha apresentando sinais de regressão no desenvolvimento. Ambos foram eleitos em 2022. A ‘bancada da Lava Jato’ no Congresso conta ainda com a advogada Rosângela Moro (União-SP), mulher do ex-juiz, eleita deputada federal.

Com os protagonistas da Lava Jato no Legislativo, e sem a força-tarefa que entre 2014 e 2021 trabalhou exclusivamente nos casos de corrupção envolvendo a Petrobrás, o que resta da operação está nas mãos de Eduardo Appio, um crítico dos métodos usados na investigação alçado a antagonista pelos lavajatistas.

Estadão Conteúdo

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