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Brasil

84% dos crimes raciais em SP são registrados como injúria, mostra pesquisa

Os locais onde mais ocorrem os crimes são as residências, dificultando a coleta de provas. Mulheres brancas lideram entre os autores e mulheres negras são as vítimas

FolhaPress

17/01/2023 21h19

LUCAS LACERDA
SÃO PAULO, SP

A maioria das denúncias de crimes raciais no estado de São Paulo é registrada como injúria racial, e não racismo. De 2010 a 2018, foram 1.001 casos do primeiro e 192 registrados como o segundo, cuja pena era mais severa, sem a possibilidade de fiança.

Os locais onde mais ocorrem os crimes são as residências, dificultando a coleta de provas. Mulheres brancas lideram entre os autores e mulheres negras são as vítimas mais comuns.

Os dados são de um estudo do Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) que reúne informações disponibilizadas pelo DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa) e pela Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), da Polícia Civil.

De acordo com os boletins de ocorrência, casos de injúria racial sempre superaram os de racismo. Mesmo em 2016, ano da série com mais registros, o primeiro crime ainda teve quatro vezes o número de registros do segundo.

A legislação define como injúria racial quando a agressão é direcionada a um único indivíduo, enquanto o racismo ocorre quando a ofensa é dirigida a uma coletividade. A punição para a injúria era mais branda que a do racismo, com pena de um a três anos e multa.

“Ou seja, apesar de o crime de racismo abarcar diversas situações, na prática, ambos os crimes ganham materialidade a partir da ofensa proferida pelo autor e diferenciam-se apenas pela forma como as ofensas são proferidas”, diz o texto da pesquisa.

Na última quarta (11), um decreto o presidente Lula sancionou uma lei, aprovada pelo Congresso no ano passado, que equipara os dois crimes, aumentando a pena de injúria para de dois a cinco anos de prisão. O crime também passa a ser inafiançável e imprescritível, como já ocorria com o racismo.

Apesar do volume de registros, nem todos os casos resultam em investigação. Para os pesquisadores, o baixo número de inquéritos pode refletir a dificuldade da polícia e do Judiciário de considerar o racismo como motivador de uma demanda jurídica.

Segundo Luã Ferreira, pesquisador do núcleo da FGV Direito SP, a forma de enfrentamento desses crimes, com a predominância dos de injúria, pode ter relação com a história do racismo no Brasil.

“O maior obstáculo é justamente o que os dados apontam, temos um racismo que foi historicamente legitimado a nível de política governamental, que é essa crença da harmonia entre as raças, o mito da democracia racial”, afirma.

Entre os autores dos crimes, mulheres brancas lideram (316), seguidas por homens brancos (277), homens negros (112) e mulheres negras (93).

As mulheres negras lideram entre as vítimas (339), seguidas por homens negros (301), homens brancos (163) e mulheres brancas (88).

Ferreira explica que as delegacias também registram injúria racial contra pessoas brancas por motivos como a intolerância a religiões de matrizes africanas e ódio direcionado a um grupo, como judeus.

O estudo aponta ainda que crimes ocorrem com mais frequência em residências, com 358 ocorrências para injúria racial e 53 para racismo.

Os outros locais mais frequentes em injúria racial seguem com via pública (129), comércio e serviços (104), condomínio residencial (74), que é separado pela polícia das residências, e estabelecimentos de ensino (69).

Em relação ao racismo, além de residências, os outros locais com mais registros são comércio e serviços (30), estabelecimentos de ensino (23), condomínios residenciais (14) e vias públicas (14).

Para o pesquisador, a recente mudança na legislação, tornando a punição para a injúria mais rigorosa, é um avanço. “Não é mais um crime que prescreve, a pena é maior e é inafiançável também. É uma conquista importante e é uma mudança em termos formais”, diz Ferreira.

Mas ele aponta, por outro lado, o entendimento, no Judiciário, de que as provas testemunhais são frágeis e que é preciso lidar com o tema em outras instâncias.

“É uma instituição específica para tentar combater um problema que, na verdade, é estrutural”, afirma.

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