Nas primeiras horas do dia 6 de junho de 1944, paraquedistas das forças aliadas pousaram na França ocupada pelos nazistas e deram início à primeira etapa da Operação Overlord, chamada posteriormente de Dia D. Mesmo com mau tempo, por volta das 6h30, aviões e navios de guerra dos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra começaram a bombardear a região da Normandia, no Norte da França.
Cerca de 150 mil homens desembarcaram em um trecho da costa de 80km de extensão organizado em cinco praias: Omaha, Sword, Gold, Juno e Utah. Entre eles, estava Pierre Henri Clostermann, o único brasileiro a participar do combate naquele fatídico dia. Nascido em Curitiba, ele era filho de franceses e foi considerado um ás da aviação durante a Segunda Guerra Mundial.
O Dia D, que completa 80 anos nesta quinta-feira (6/6), marcou o início da liberação da França do domínio dos alemães e foi muito importante ao criar uma frente ocidental de guerra que acelerou a derrota das tropas de Hitler que já lutavam em dois outros fronts: na Itália e contra a União Soviética. É considerada a maior operação de guerra da história e iniciou o processo de resgate da democracia para tornar o mundo livre novamente. A Segunda Guerra Mundial terminaria 11 meses depois, no dia 8 de maio, com a rendição da Alemanha Nazista.
“O Dia D foi muito marcante na história. Por essa razão, é importante lembrar o contexto daquela época em que era aguardada uma ofensiva ocidental para esmagar os alemães no flanco leste, já que o próprio Josef Stalin, ditador da União Soviética, estava repelindo os nazistas pelo lado oeste”, conta João Barone, autor de três livros e produtor de três documentários sobre a Segunda Guerra Mundial.

Mais conhecido como o baterista da banda Os Paralamas do Sucesso, o músico é filho de um dos 25 mil soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que lutaram na guerra e a quem dedicou o seu último livro lançado no ano passado, o Soldado Silva – A jornada de um brasileiro na Segunda Guerra Mundial, pelo selo Livro de Guerras, da Panda Books.
João de Lavor Reis e Silva, nasceu em 4 de março de 1918, e foi um dos pracinhas que embarcaram para a Itália no 2 escalão em setembro de 1944. Ele morreu, aos 82 anos, em 11 de abril de 2000.
Planejamento meticuloso
A preparação para a Operação Overlord foi uma das mais complexas e detalhadas da história militar. Liderada pelo general Dwight D. Eisenhower, comandante supremo das forças aliadas, a ofensiva envolveu muito tempo de planejamento estratégico, treinamento rigoroso e a mobilização de recursos logísticos sem precedentes. Os aliados enfrentaram muitos desafios para manter a operação em segredo e enganar os alemães sobre o local exato do desembarque.
De acordo com historiadores, o ataque anfíbio dos aliados contra os nazistas, envolveu cerca de 150 mil soldados, 5.300 embarcações, além de 1.200 tanques e por volta de 12 mil aeronaves das quais saltaram milhares de paraquedistas para confundir os alemães e conquistar pontes e estradas importantes para garantir o avanço dos aliados dentro das linhas inimigas.
As primeiras horas da invasão foram as mais brutaise sangrentas, especialmente em Omaha Beach, onde as forças americanas enfrentaram um fogo intenso de metralhadoras e artilharia alemã. No entanto, a coragem e a determinação das tropas aliadas prevaleceram, permitindo que romperam as defesas alemãs.
Os nazistas, liderados pelo marechal de campo, Erwin Rommel, haviam fortificado a costa francesa como parte do Muro do Atlântico, mas foram surpreendidos pela magnitude e precisão da invasão aliada. A resposta alemã foi inicialmente confusa e prejudicada pela indecisão nos altos de escalões de comando.
Heroísmo e sacrifício
O Dia D foi marcado por atos de heroísmo e sacrifício inimagináveis. Soldados que nunca haviam participado de qualquer combate, avançaram de maneira corajosa sob bombardeio feroz, enfrentando a morte a cada passo. Estima-se que pouco mais de 4 mil soldados aliados perderam a vida naquele dia e outros tantos milhares ficaram feridos.
O sucesso da operação foi um golpe devastador para as forças de Hitler e marcou a derrocada da ocupação nazista na Europa ocidental até a libertação de Paris, em agosto de 1944. Os aliados continuam em marcha até a Alemanha, que se renderia em maio do ano seguinte.
As praias da Normandia tornaram-se um local de peregrinação e memória, onde veteranos, suas famílias e visitantes de todo o mundo prestam homenagem aos que lutaram e morreram para resgatar a liberdade dos povos. Oitenta anos depois do Dia D, o mundo continua a reverenciar o sacrifício dos ex-combatentes da Operação Overlord que mudou o curso da Segunda Guerra Mundial e moldou a geopolítica atual.
A coragem e a determinação dos soldados aliados prova a importância da união das nações em face da adversidade e da ameaça à democracia. “O Dia D foi muito marcante para a história e, por isso, é muito importante celebrar esse momento, principalmente pela diminuição do número de ex-combatentes que estiveram naquela operação”, destaca Barone.
Nesta quinta-feira (6/6), veteranos, dignitários e chefes de Estado de vários países estarão, juntos, na Normandia, para homenagear os soldados aliados que, há oitenta anos, realizaram a maior invasão marítima da história. O presidente francês Emmanuel Macron receberá os presidentes dos EUA, Joe Biden, o rei Charles III do Reino Unido, o primeiro-ministro britânico Rishi Sunak, o chanceler alemão Olaf Scholz, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau.
Único brasileiro no Dia D

João Barone esteve com o único brasileiro a participar do Dia D. O músico se encontrou com o franco-brasileiro Pierre Henri Clostermann em 1 de junho de 2004 na cidade francesa de Perpignan. Os soldados da Força Expedicionária Brasileira, a FEB, só chegariam à Europa 40 dias depois, no dia 16 de julho.
Único filho do vice-cônsul da França no Brasil, Jacques Clostermann (1895-1983), Pierre nasceu em Curitiba, em fevereiro de 1921. Aos 23 anos, ele se tornou piloto e participou de 432 missões na Segunda Guerra Mundial. Foram mais de 2 mil horas de voo, das quais 600 foram em combate.
“Tive a sorte de entrevistá-lo em 2004, quando participei das comemorações dos 60 anos do Dia D. Ele era muito encantado com o Brasil, onde nasceu. Ele aprendeu a pilotar quando residia no Rio de Janeiro no antigo aeroclube de Manguinhos. Depois ele seguiu para os Estados Unidos onde terminou os estudos aeronáuticos. Até seguir para Inglaterra para pilotar pela Força Aérea Inglesa, a Royal Air Force (RAF)”, recorda Barone.

Ainda segundo o músico, o piloto brasileiro somou cerca de 33 vitórias nos céus da Europa, foi abatido duas vezes e adorava o Brasil. “Ele se considerava um brasileiro de coração e um francês de sangue”. Barone acrescenta que Pierre era um homem genial que é considerado um ás da aviação. Depois de pedir baixa, ele se tornou um proeminente político francês. O ex-soldado escreveu o livro O Grande Circo sobre sua experiência na guerra e que virou um best seller da literatura francesa e foi traduzido para 30 idiomas, inclusive para o português.
Sobre o período em que voava em caças de combate, disse o seguinte sobre o significado da guerra na entrevista para João Barone: “os brasileiros entenderam o que estava em jogo. Não era os mocinhos contra os bandidos. O que estava em jogo era a coexistência entre os homens e que não era aceitável o que estava sendo feito pelos nazistas, pelos fascistas. Ele elogiava muito o esforço que o Brasil empenhou para participar da Segunda Guerra Mundial”, revela.
Pierre Henri Clostermann morreu em 22 de março de 2006, aos 85 anos.
Enquanto as tropas aliadas desembarcaram nas praias da Normandia, em 6 de junho de 1944, os pracinhas já haviam concluído o treinamento de dois anos e estavam prontos para embarcar rumo à Europa onde tiveram muito êxito, apesar de saírem do Brasil desacreditados.
Leia nesta sexta-feira (7/6), a entrevista do pracinha da FEB, capitão Elmo Diniz, de 103 anos, que esteve na conquista do Monte Castelo, na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial.