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Separadas na fronteira dos EUA, mãe e filha não se veem há dois anos e meio

Maria, hoje com 31 anos de idade, foi deportada, sozinha, para a zona rural da Guatemala. Ela pediu ajuda para advogados, contrabandistas e padres para se juntar à sua filha

Redação Jornal de Brasília

19/02/2020 8h48

Ela procura evitar a palavra. O que diz é que sua mãe está na Guatemala. Ou que foi deportada e que vai retornar em breve.

Mas quando sua professora, o assistente social, ou sua melhor amiga Ashley perguntam, Adelaida responde – com uma das primeiras frases que aprendeu em inglês – “eles nos separaram”.

Adelaida Reynoso e sua mãe, María, foram uma das primeiras famílias de imigrantes separada pelo governo Trump em 31 de julho de 2017, muito depois de o governo admitir que estava separando pais e filhos na fronteira.

Mãe e filha não se veem desde então. Adelaida está agora com nove anos, no terceiro ano de uma escola no sudeste da Flórida, uma das melhores alunas da sua classe, carregando um grosso dicionário de inglês numa mochila roxa. Maria, hoje com 31 anos de idade, foi deportada, sozinha, para a zona rural da Guatemala. Ela pediu ajuda para advogados, contrabandistas e padres para se juntar à sua filha. Nada deu certo.

Apesar de um enorme esforço legal e de movimentos de protesto, muitas famílias de imigrantes que foram separadas na fronteira continuam desagregadas. As crianças agora já passaram tempo suficiente nos Estados Unidos para narrar suas histórias de separação num inglês fluente. Seus pais voltaram para a América Central, vendo seus filhos e filhas crescerem por meio de chamadas de vídeo com imagem granulosa.

Um telefonema foi feito no mês passado de Sacapulas, Guatemala, para Fort Myers, Flórida, e Adelaida saltou do ônibus escolar numa rua calma margeada de palmeiras.

“Quero lhe mostrar meu boletim da escola”, a menina disse para a mãe. “É um relatório de como eu me comporto”. Ela colocou seu celular na frente dela. Na tela, o rosto da mãe fora de foco, no fundo a imagem do campo da Guatemala.

“Tirei um 100 e um 92, e dois A’s”, disse a menina.

“Mas que inteligente você é”, respondeu a mãe do outro lado.

Adelaida usava uma camiseta polo vermelha e rabo de cavalo. Exibiu seus livros na tela do celular. Mostrou à mãe o ônibus da escola, um trecho da calçada em frente, o apartamento de dois quartos que divide com 11 pessoas, incluindo duas tias e um tio.

“Você tem lição de casa?” – Maria perguntou.

“Não, hoje eles não deram” – respondeu Adelaida.

“Quando chegar em casa precisa lavar seu cabelo”, disse a mãe.

As duas se olharam e não disseram mais nada. Adelaida passou o dedo sobre a imagem do rosto da mãe, acariciando a tela.

“Você está sempre no meu coração”, disse.

O mesmo acontece todas as tardes. Adelaida passa o dia na escola Manatee Elementary, seu vocabulário em inglês supera o seu espanhol. Ela então volta para casa e olha o rosto da mãe no celular.

Alguns dias a menina fica irritada. Quando outras crianças da sua classe falam sobre suas mães. Quando sua tia beija seu primo para dizer boa noite e ela não.

Maria vê os olhos da filha grandes e tristes, seu rosto vermelho.

“Preciso de você ao meu lado”, diz Adelaida.

“Estou tentando”, Maria responde. Ela desliga o telefone e chora.

O governo Trump anunciou em 2018 que três mil crianças foram separadas de seus pais na fronteira – os pais foram detidos ou deportados, e as crianças enviadas para membros da família nos Estados Unidos.

Um tribunal ordenou ao governo para reuni-las, nos Estados Unidos ou em seu país natal. A ACLU (American Civil Rights Union, ONG de defesa dos direitos e liberdades civis) e outros advogados partiram em busca e pais e crianças e reuniram muitos deles.

Mas o número real de famílias separadas era muito maior. O caso de María e Adelaida é um dos ocultados que não foram incluídos nos informes para o Congresso. E elas não tiveram a opção de se reunir nos Estados Unidos.

No ano passado, as autoridades forneceram aos advogados um bloco de planilhas em Excel identificando 1.556 casos de separação além dos três mil declarados. Muitas dessas famílias identificadas recentemente continuam separadas.

Advogados se deslocaram para a América Central com informações fragmentadas, nomes mal redigidos e números de telefones fora de uso.

Alguns pais desapareceram. Outros estavam escondidos para evitar ameaças das quais antes tentaram escapar. María foi encontrada pelos advogados em dezembro.

Depois de ser deportada, ela tentou por duas vezes cruzar a fronteira. Disse a agentes da imigração que queria encontrar sua filha. Mas todas as vezes foi deportada novamente.

María teve uma entrevista com um oficial encarregado de processar pedidos de asilo em 16 de agosto de 2017. Guardou com ela uma cópia do documento.

“Espero que o senhor ou o oficial possam me dar a oportunidade de ficar aqui com minha filha”, disse ela por meio de um intérprete. “Não quero voltar para o que ocorre na Guatemala”.

Outros pais separados dos filhos – os únicos reconhecidos inicialmente pelo governo -, foram incluídos em uma ação coletiva impetrada pela ACLU. Alguns pediram para se reunir com seus filhos nos Estados Unidos.

Um juiz federal deu sentença favorável a 11 deles. Nove chegaram a Los Angeles. Outros 29, ajudados por advogados americanos, cruzaram a fronteira no ano passado.

Mas María não entrou na ação coletiva, nem fez qualquer outra petição porque seu caso não tinha sido registrado.

“Este é um grupo que o governo manteve oculto de nós, do tribunal, do Congresso e do público”, disse Lee Gelernt, advogado da ACLU. “E essas crianças eram muito mais jovens do que o grupo original, centenas eram bebês e crianças de colo”.

Depois de cada deportação, María retornava ao seu casebre em Sacapulas e pelo telefone dizia à filha que tinha fracassado.

“Tentei o máximo que pude, mas não foi possível”, dizia.

Ela perguntou a Adelaida se a menina queria voltar para a Guatemala. Mas a garota havia surpreendido seus professores, com ótimas notas nas provas de matemática e grande aptidão para ler capítulos de livros enquanto outras crianças ainda estavam aprendendo.

“Ela é uma dessas crianças que faz tudo certo”, disse a diretora Scott LeMaster.

Adelaida disse a María que ela tem de vir para Fort Myers, “onde eles nos protegem. “Eu falo para minha mãe, ‘você tem de vir para cá porque lá é um pouco perigoso”.

Um terço da sua vida ela passou separada da sua mãe. Adelaida cresceu 15 centímetros. Perdeu os dentes de leite. Aprendeu a andar de bicicleta. Envia fotos da sua vida na Flórida para a mãe: nelas ela aparece na festa de Quatro de Julho assistindo aos fogos de artifício.

Num vestido branco, como uma dama de honra de um casamento. Carregando uma pilha de livros da biblioteca. Assoprando velas do seu bolo de aniversário quando completou sete anos. E quando fez oito, e nove anos.

“Ela é uma menina inteligente. Sei que está melhor lá. Mas ver essas fotos às vezes só torna as coisas mais difíceis”.

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