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Morando Fora

As perdas e ganhos em tempos de globalização

Arquivo Geral

08/09/2018 7h45

Atualizada 04/02/2019 20h47

A possibilidade de morar fora do Brasil não deve ser vista somente como porta de saída de um país em crise. Embora 62% dos brasileiros queiram ir embora porque estão desapontados com o país, de acordo com sondagem do Datafolha deste ano, é preciso encarar a mudança como uma das maiores oportunidades de crescimento pessoal e profissional. Estudar, trabalhar ou simplesmente experimentar a vida no exterior é, antes de mais nada, um marco que divide o antes e o depois daquela vivência. Ganha-se em desenvolvimento pessoal, treina-se a capacidade de reinvenção, estimula-se a humildade e abrem-se horizontes. Esse aprendizado acompanha a todos, desde os que se aventuram ilegalmente por países desenvolvidos, até aqueles que vão para ocupar cargos de chefia em multinacional.

Esses ganhos, entretanto, não chegam sutilmente e aos poucos. Viver fora implica choque cultural. Em alguns chega forte, estapeia e dói. Em outras pessoas, vem mais sorrateiro. Mas ele chega. Saiba que deixar a nossa cidade ou país e se aventurar em mares diferentes tem o seu preço. O choque está lá, à espreita, só esperando para aquele momento de mais fragilidade. E como ser migrante significa integrar a população de vulneráveis, independentemente de classe social ou cor, se tem trabalho ou não, se fala o idioma mal ou bem, então prepare-se para esse momento.

Embora a experiência se mostre muitas vezes difícil, vale a pena tentar, nem que seja por alguns meses ou pelo menos até o término do prazo estipulado pela empresa. Claro que cada tipo de migração traz seu tipo de dificuldade e desafios. Tome o exemplo de um casal, cujo o homem recebe uma promoção e precisa se transferir para a sede da empresa na Europa por dois anos. No início, a fase da lua de mel, tudo é novidade. Cenário: a esposa deixou seu emprego no Brasil e acompanha o parceiro, os filhos ainda pequenos precisam ser matriculados em uma nova escola, estudar muitas vezes em um idioma desconhecido.

É claro que entre as perdas e ganhos, principalmente na situação em que o Brasil vive, parece até ingênuo questionar a decisão. Aliás, o objetivo não é desencorajar ninguém a tomar tal decisão, mas só conscientizar para problemas que possam vir e das vantagens que a vivência traz, mesmo que venha cheia de obstáculos.

A moça do interior tem sub emprego, ganha salário mínimo e recebe uma proposta de triplicar seus ganhos na casa de um parente como babá durante um ano. Para ela, somente esperança. O que mais poderia dar errado em sua vida?

Os dois casos ilustram duas migrações bem diferentes, mas nem por isso livres de problemas. De acordo com Janet Chew, 40% das transferências de expatriados não dão certo e as famílias vão embora antes do prazo estipulado. Isso em países desenvolvidos. Em países em desenvolvimento, a taxa de insucesso é de 70%. O estudo é sobre Coordenação de Expatriados e data de 2004.

Muita coisa pode dar errado. As crianças podem não se adaptar, a esposa não se satisfaz em desempenhar papel só de mãe, se já tinha uma profissão no Brasil, a saudade da família e dos amigos bate forte, o frio deprime e por aí vai. O próprio executivo, que brilhava na subsidiária no Brasil, pode não apresentar o mesmo desempenho em um ambiente cultural diferente. Comunicação efetiva não é só o domínio do idioma, mas estilo de comunicação, habilidade de ler o interlocutor, gestual. Essa inadequação acontece muito mais que imaginam as famílias sonhadoras e ingênuas que desembarcam todos os anos nos aeroportos do mundo.

A babá contratada para trabalhar na casa de uma família binacional também enfrenta problemas. Embora tenha criado três crianças e seja experiente em todo tipo de manha, pode parecer totalmente inexperiente aos olhos de um pai que não é brasileiro. Crianças europeias são criadas para serem mais independentes, ao contrário das brasileiras. Esse é só um pequeno exemplo dos vários desafios encontrados por diferentes públicos quando a questão é mudança cultural.

Vivência internacional demanda preparo prévio, treinamento, muita leitura e humildade. Mas isso é assunto para outra coluna. Por hoje, fica só a máxima: quem vai embora, mesmo que por uma promoção, enfrenta perdas e ganhos. Em geral, para o bem comum, mais vitórias que fracassos.


Liliana Tinoco Bäckert é jornalista e tem mestrado em Comunicação Intercultural pela Universidade da Suíça Italiana. Carioca, tem dois filhos, é casada com um alemão e vive naquele país desde 2005, onde também trabalha como treinadora intercultural independente. Decidiu transformar o próprio choque cultural em combustível para ajudar outros brasileiros que já vivem fora ou que pretendem se lançar nessa aventura globalizada.

 

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