Menu
Morando Fora

De Brasília para o mundo

Arquivo Geral

01/09/2018 9h00

Atualizada 04/02/2019 20h48

O cheiro do feijão já dava água na boca do lado de fora do restaurante. Passava do meio-dia e as panelas borbulhavam naquela tarde de sexta-feira ensolarada da capital. Além de ansiosa por reencontrar um amigo das antigas, eu tinha acabado de chegar ao Brasil e estava louca para comer os quitutes nacionais. Assim começou o almoço-reencontro com Jorge Eduardo, editor chefe do Jornal de Brasília, a quem eu não via há quase duas décadas.

Como nos conhecemos do Rio – somos os dois cariocas – obviamente ele quis saber como eu fui parar na Suíça, país onde moro desde 2005. Da minha explicação, que deve ter durado uns dez minutos, surgiu o inesperado convite para escrever um blog semanal para o jornal e falar sobre os desafios de se morar fora e de se integrar em uma nova sociedade.

Eu contei a ele que fui para o outro lado do mundo por acaso. Conheci meu marido, que é alemão, em um pub em Ipanema, no Rio. Namoramos quase três anos, tempo em que ele ficou trabalhando no Brasil. Nos casamos e logo depois ele precisou voltar à Suíça, onde ficava a sede da empresa.

Foi nesse momento que minha vida deu uma reviravolta. Aterrissei em Zurique sem falar alemão, com meu diploma de jornalismo, duas malas e o marido. Achei que eu fosse tirar de letra, que bastava estudar para aprender e que o restante a gente iria ajeitar conforme a necessidade.

Mas foi percalço em cima de percalço, desafios duríssimos e, pior, disfarçados em ações do cotidiano, mas que eu fui descobrindo serem os mais íngremes obstáculos que eu deveria transpor. Normalmente, quem sai do Brasil não vai preparado para lidar com essas diferenças. Ao contrário da nossa cultura, por aqui as pessoas não puxam conversa no ônibus ou na rua. O sentimento de solidão bate. O inverno é rigoroso e longo. Os nossos valores, aqueles que mais nos orgulhamos, não são assim tão valorizados por aqui. E de repente o seu castelo, que era sólido, se desmorona.

São inúmeras novas regrinhas que a gente vai descobrindo depois de dar a primeira mancada. Não toque o interlocutor; não espere olhares e sorrisos espontâneos; seja humilde e fale a língua, mesmo que errado; baixe o tom de voz; seja pontual, as pessoas não toleram atrasos; não deixe o carro ligado se estiver esperando alguém, mesmo que faça -10°C lá fora. É motivo para levar uma bronca de um suíço mais ecológico que esteja passando. E por aí vai a lista de foras. Foram tantos que o resultado foi um profundo sentimento de inadequação. Eu era o peixe fora d’água, a estrangeira, não sabia mais o que fazer em cada situação.

A isso dá-se o nome de choque cultural. Quis ir embora, desistir de tudo, até que comecei a estudar o assunto. Gostei tanto que fui fazer o mestrado, escrevi dissertação, fiz outros cursos complementares.

Aprendi sobre diferenças culturais, o porquê de as pessoas se comportarem de forma diferente em outras partes do mundo e como podemos driblar essas dificuldades. Quis entender profundamente os aspectos migratórios. Assim, me compreendi inserida em um novo sistema cultural, muito diferente do que eu conhecia.

Hoje escrevo uma coluna no site suíço Swissinfo.ch, feita para a população estrangeira no país. Falo sobre adaptação e integração de migrantes de língua portuguesa na Suíça e busco informar sobre as mais variadas vertentes desse complexo movimento, que é o de ir embora do seu país ou de simplesmente morar em outro lugar do Globo Terrestre.

Foi assim eu contei minha trajetória ao Jorge Eduardo, que prontamente me fez o convite. Fiquei tão honrada que me veio à cabeça imediatamente o nome “Morando Fora”. Agora sou eu que convido: passe por aqui toda semana para se inteirar de tudo que tenha a ver com a vida no exterior. Criação de filhos longe da pátria, saudade, estudar fora, profissão, qualidade de vida e outros temas. Vou abordar os desafios, as delícias e os tombos de quem foi embora, trazer pesquisas, estudos e entrevistas com os mais diversos especialistas.

Um abraço e até a próxima semana!


Liliana Tinoco Bäckert é jornalista e tem mestrado em Comunicação Intercultural pela Universidade da Suíça Italiana. Carioca, tem dois filhos, é casada com um alemão e vive naquele país desde 2005, onde também trabalha como treinadora intercultural independente. Decidiu transformar o próprio choque cultural em combustível para ajudar outros brasileiros que já vivem fora ou que pretendem se lançar nessa aventura globalizada.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado