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Hélio Doyle

Propaganda e retórica não resolvem polêmica

Arquivo Geral

15/11/2016 7h00

Atualizada 14/11/2016 22h07

O bate-boca entre o governo e os sindicatos de servidores e políticos, sobre se existe ou não dinheiro para pagar reajustes salariais, não vai levar a nada. A polêmica fica apenas na retórica das partes e o cidadão brasiliense não tem elementos para avaliar qual é a real situação, a não ser pelo que dizem as propagandas dos dois lados.
O governo ofereceu aos sindicatos acesso aos números de sua contabilidade, mas até agora não houve interesse das entidades em conhecê-los a fundo. Talvez porque haja a desconfiança de que possa haver manipulação dos dados, ou que não sejam fornecidos todos os números, já que acompanhar as contas é extremamente complicado.
Enquanto isso, permanecem as críticas simplistas e não fundamentadas – como o governo mente – e as respostas mal alinhavadas e superficiais para explicar a falta de dinheiro.

Transparência e debate das saídas são fundamentais

Em vez de simplesmente reivindicarem aumentos salariais, em um discurso totalmente inadequado ao momento em que vivemos, os sindicatos de servidores e os partidos políticos que os apoiam poderiam concentrar seus esforços em dois pontos: exigir a transparência dos números e discutir as saídas para a crise sob a perspectiva dos trabalhadores e dos que nada tiveram a ver com sua gestação – a não ser, talvez, por terem votado nas pessoas erradas.
É preciso cobrar do governo a transparência ampla e total de suas contas, nos mínimos detalhes, e questionar gastos que não condizem com a situação de crise. Com pleno conhecimento da realidade financeira e orçamentária, os sindicatos e os partidos podem ter voz ativa na definição de saídas que onerem menos os trabalhadores e as camadas mais pobres da população.

População tem de participar das definições

Quando os recursos são poucos e insuficientes, é preciso definir e graduar as prioridades. Os servidores parecem priorizar seus salários e benefícios, mas não é isso que deve querer a maioria da população, em especial os que usam os serviços prestados pelo Estado. A questão, assim, é a quem cabe definir essas prioridades.
Pelo sistema atual, quem decide como deve ser gasto o dinheiro público são o governo e os deputados distritais, que se consideram legítimos representantes do povo – o que é verdade sob o ponto de vista formal e totalmente falso na vida real.
Essa é uma luta política fundamental: a população participar ativamente das decisões sobre receitas e despesas, sobre como arrecadar e gastar e onde investir. Um governo realmente democrático tem de ter a preocupação de criar mecanismos para que essa participação seja efetiva.

Menos para a Câmara, mais para a Cultura

Matéria do Correio Braziliense sobre o Teatro Nacional fornece um bom exemplo de como a participação popular pode ajudar a gastar melhor o dinheiro público. Segundo a reportagem, o orçamento da Secretaria de Cultura é de R$ 207 milhões. A reforma do Teatro Nacional está orçada em R$ 260 milhões, o que representa 0,8% do orçamento geral do DF. Já o orçamento da Câmara Legislativa é de R$ 487 milhões.
Caberia à população, devidamente esclarecida, decidir, por exemplo, se se deve aumentar o orçamento da cultura ou priorizar as obras do Teatro (e se são mesmo necessários R$ 260 milhões) e de onde virá o dinheiro para isso. Poderia ser, quem sabe, pela redução do orçamento da Câmara Legislativa.
Afinal, por mais caro que possa ser o preço da democracia, não tem sentido a Câmara esbanjar quase R$ 500 milhões enquanto o Teatro Nacional e os equipamentos culturais da cidade estão abandonados. A Câmara tem muitos gastos supérfluos que poderiam ser cortados, e funcionaria adequadamente com metade do orçamento atual.

Não falta só gestão na saúde, falta vergonha

O fato é corriqueiro: a paciente chegou na manhã de domingo ao Hospital de Santa Maria em uma ambulância do Corpo de Bombeiros, com pressão alta, e a atendente foi logo dizendo que não havia médico para atendê-la. O bombeiro socorrista insistiu e a atendente continuava dizendo que não havia médico. Como ele não desistiu e falou grosso, a atendente resolveu chamar o doutor, mas antes cochichou: “Ele só vai atender a ela, mais ninguém”.
Não é só por má gestão dos recursos financeiros e humanos, falta de equipamentos e medicamentos e pelas instalações físicas deficientes que a saúde de Brasília vai muito mal. Muitos profissionais da área, com estabilidade e bem remunerados, não prezam valores éticos e não têm nenhum compromisso com a população e com o serviço público.
A contribuição desses “profissionais” para a degradação da saúde pública tem sido grande.

Corporativismo acima da ética

Todos os que trabalham em unidades de atendimento da Secretaria de Saúde conhecem inúmeras histórias de colegas que fraudam o ponto, levam medicamentos e outros produtos para casa, pagam médicos mais novos para dar seus plantões, atendem mal aos pacientes, trabalham em clínicas particulares no horário em que deveriam estar no hospital público.
Muitos fazem isso com a cumplicidade de seus chefes. Contam também com o comodismo dos que não querem se indispor com colegas e, embora não concordem com as práticas, assistem calados. Os dirigentes de sindicatos de servidores da saúde, especialmente os dos médicos, também sabem que tudo isso acontece na rede hospitalar, mas o espírito corporativista predomina sobre a ética profissional.
É mais fácil fazer discursos demagógicos e hipócritas do que defender a punição de colegas picaretas.

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