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Literatura

Quem é Luiza Romão, atriz e poeta consagrada no Jabuti que lê Homero à luz do Brasil

O livro de Romão constrói poemas que dialogam de forma direta com a obra seminal de Homero, com poemas dedicados

FolhaPress

15/12/2022 13h53

Foto: Reprodução

Walter Porto
São paulo – SP

“Não conheci Troia/ ruínas a mais ruínas a menos/ também guardamos pedras aqui/ do outro lado do oceano”, cantam os versos do último poema incluído no livro com que Luiza Romão ganhou o prêmio Jabuti.

É também dele que sai o título da obra, “Também Guardamos Pedras Aqui”, e a elaboração mais clara de sua proposta poética. “A filosofia o direito o Ocidente/ nascem da devastação de Troia/
agora você entende por que voltei?”

A escritora lembra seu choque ao ler a “Ilíada” pela primeira vez, há pouco mais de cinco anos. “É a obra mais violenta com que tive contato. É só morte e sangue, tecnologias de tortura, violação, devastação. Lembro esse espanto. É nesse massacre que está sendo fundada a literatura ocidental?”

O livro de Romão constrói poemas que dialogam de forma direta com a obra seminal de Homero, com poemas dedicados, cada um, a um personagem da história, sempre à luz do Brasil de hoje.

“Porém/ no último canto de Ilíada/ Aquiles devolve a Príamo/ o corpo de seu filho Heitor// hoje nesse momento aqui/ no sul do sul do mundo/ ainda não se tem notícia/ dos mais de duzentos desaparecidos/ na ditadura militar.”

Os nomes próprios, na obra, são todos grafados com minúsculas, e há uma atenção especial às mulheres silenciadas pela história cheia de testosterona da batalha entre gregos e troianos. E à discussão tão atual sobre a violência da masculinidade, como se vê no poema intitulado “Paris”, aqui reproduzido quase na íntegra.

“Um homem que escolhe o amor/ não pode ser redimido/ que ele esfole com acetona/ os dentes de sua irmã/ que ele incendeie quarenta e três/ araucárias em extinção/ que ele pregue na sala de visitas/ a carcaça do último búfalo d’água// tudo isso voilà/ tudo isso é compreensível/ mas um homem que escolhe o amor/ isso é imperdoável.”

A rotina bárbara da América Latina, segundo a poeta, continua “muito trespassada pela experiência da colonização”. “Eu penso qual seria a narrativa dessas personagens hoje e o que remexer nessas histórias tão antigas revela sobre o Brasil contemporâneo.”
Proposta e execução agradaram aos jurados do Jabuti, que escolheram “Também Guardamos Pedras Aqui” como o livro do ano, a mais alta distinção concedida pelo prêmio.

A escolha foi na linha do que tem se mostrado como tendência nos últimos anos -o júri tem selecionado obras de editoras menores, que se beneficiam bem mais da projeção do Jabuti para ganhar leitores e holofotes.

Se a coletânea de Romão saiu pela Nós -uma editora paulista de pequeno porte, mas com trabalho editorial cuidadoso comandado por Simone Paulino-, os últimos anos viram as vitórias de um livro infantil da ÔZé Editora, “Sagatrissuinorana”, e um longo poema publicado pela Cepe, “Solo para Vialejo”, cuja autora, a pernambucana Cida Pedrosa, já entrou para o catálogo da gigante Companhia das Letras.

Romão brinca que a Nós é a maior editora com que já trabalhou. Seu livro seguinte, “Nadine”, já saiu neste ano pela Quelônio, casa que produz obras em tiragens limitadas, quase artesanais.

A jovem autora de 30 anos nasceu em Ribeirão Preto, no interior paulista -“pode colocar também que sou leonina e palmeirense”-, e tem outra carreira precedente, que alimenta sua literatura e se alimenta dela. É atriz.

“Às vezes eu só entendo meus poemas quando performo”, diz ela, nesta entrevista feita por telefone de Madri, onde está morando por seis meses para um curso de interpretação. “Esse trânsito entre linguagens é indissociável. É a gente que tenta categorizar as coisas.”

Seu livro “Nadine”, exemplifica, era originalmente um filme que Romão queria fazer como atriz. E ela acaba de encenar no teatro “Garotas Mortas”, baseado no livro da argentina Selva Almada sobre violência de gênero.

Curioso que quase todos os autores indicados com Romão na categoria de poesia, que ela também venceu, se equilibrem num trânsito entre a escrita e a performance, como é o caso de Ricardo Aleixo, Tatiana Nascimento e Arnaldo Antunes.

É uma habilidade cada vez mais valorizada numa cena cultural que aprende, por exemplo, a enxergar o mérito literário muito vivo nos slams –mas não exatamente algo nascido hoje.

Afinal, como a própria escritora lembra, já na Antiguidade muitos gregos cantavam seus poemas a quem quisesse ouvir. Um deles, aliás, se chamava Homero.

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