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Literatura

Livro revela corrupção e tragédias da primeira indústria nuclear do Brasil

Escrita pela jornalista Tania Malheiros, a obra reconstitui a trajetória nefasta da empresa fundada oficialmente em 1942

Redação Jornal de Brasília

23/06/2023 11h41

Foto: Reprodução

Antes mesmo do drama da contaminação por césio-137 ganhar notoriedade em Goiânia, em 1987, centenas de trabalhadores foram expostos por décadas a uma radioatividade letal, sem receber a devida atenção de seus empregadores, que lucraram imensamente com a primeira indústria nuclear do país.

Essa é a história da Orquima, uma verdadeira tragédia brasileira, detalhadamente exposta no livro “Cobaias da Radiação”. Escrita pela jornalista Tania Malheiros, a obra reconstitui a trajetória nefasta da empresa fundada oficialmente em 1942 pelo empresário e poeta Augusto Frederico Schmidt e seu discreto sócio, o químico austríaco Kurt Weill.

A usina foi criada para processar areias monazíticas, de onde eram extraídos diversos produtos de interesse da nascente indústria nuclear, como urânio e tório. Em 1953, Schmidt apresentou a usina ao então presidente Getúlio Vargas como uma grande conquista da indústria nacional.

O poeta-empresário tinha acesso privilegiado às maiores autoridades da República e obteve amplo apoio governamental para sua empreitada, contando com o respaldo do CNP (Conselho Nacional de Pesquisas), atualmente CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Os proprietários da empresa lucraram muito, inicialmente exportando ilegalmente as areias monazíticas extraídas das praias da Bahia e do Rio de Janeiro para os Estados Unidos. Posteriormente, nos anos 1950, eles beneficiaram esse material e venderam o produto por meio de acordos formais entre o Brasil e os EUA, a preços insignificantes.

Por fim, eles repassaram a empresa ao governo federal, quando os americanos, já abastecidos, perderam o interesse no fornecimento, deixando para trás estoques de resíduos radioativos e centenas de funcionários gravemente doentes, quando não mortos.

A estatização ocorreu no início dos anos 1960, e a empresa mudou de nome várias vezes (para Usina de Santo Amaro, posteriormente ligada à estatal Nuclemon e, mais tarde, Indústrias Nucleares do Brasil), operando em Santo Amaro, São Paulo, sem que os vizinhos ou funcionários soubessem dos perigos aos quais estavam expostos.

Muitos dos resíduos produzidos foram armazenados na capital paulista ou enviados para Poços de Caldas, em Minas Gerais. O encerramento das operações e o fechamento da empresa só ocorreram em 1992, dois anos após Malheiros, então repórter da Agência Estado, descobrir o “perigo radioativo em Santo Amaro”, como estampado na manchete do Jornal da Tarde, um dos veículos de imprensa que divulgaram a denúncia em 10 de janeiro de 1990.

A partir desse momento, a jornalista embarcou em uma saga para desvendar todas

as irregularidades e crimes cometidos durante as operações da antiga Orquima, que são apresentados no livro de forma abrangente e completa, com base em documentação remanescente, incluindo reproduções dos materiais mais importantes.

Malheiros mergulhou na pesquisa para desvendar a história oculta da empresa, desde seus fundadores, que desfrutavam de enormes privilégios, até os trabalhadores que, ao longo de décadas, adoeceram com câncer sem saber que suas precárias condições de trabalho eram a causa de seu infortúnio.

Essa é uma história que ainda não teve um desfecho definitivo, pois, mais de três décadas após o encerramento das atividades, o destino dos resíduos não foi devidamente resolvido, e muitos antigos funcionários continuam lutando por seus direitos, enfrentando dificuldades até mesmo para manter o plano de saúde que o governo foi obrigado pela Justiça a fornecer para seu tratamento.

Fiel à sua profissão de jornalista investigativa, Malheiros aborda de forma competente e envolvente todos os aspectos dessa história, dedicando especial atenção ao drama das vítimas e à luta daqueles que buscam recuperar sua dignidade. “Cobaias da Radiação” é uma leitura indispensável para quem deseja conhecer a maior e mais desumana tragédia nuclear brasileira, que, apesar de receber menos publicidade, é igualmente impactante.

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