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Literatura

‘A morte como passagem em um romance de amor à vida’

Escritora Cléo Agbeni Martins lança livro sobre a complexidade do viver em que aborda questões raciais, religiosas, afetivas e de gênero

Redação Jornal de Brasília

24/10/2023 17h47

Foto: Divulgação

“A Travessia” é o livro que a escritora Cléo Agbeni Martins lança no dia 9 de novembro, às 19 horas, na Livraria da Vila da rua Fradique Coutinho, em Pinheiros. A décima sexta obra da autora aborda a morte como pano de fundo para tratar de questões muito presentes na cultura brasileira: o preconceito contra o negro, as religiões de origem africana, a mulher, a homossexualidade masculina ou feminina, os casamentos interraciais.

Julieta é a personagem principal. A idosa fluminense nascida em 1922 foi casada com Leninha há 55 anos. Dessa união, surgiu uma formação familiar complexa: interracial e homoafetiva; um filho adotivo negro, psiquiatra, casado com Marieta e pai de Madalena, iniciada para Iansã no Axé Opó Afonjá de Coelho da Rocha. A obra mescla personagens de ficção e outros que fazem parte da história de importantes terreiros de candomblé cariocas. Iyá Omindarewa, Iya Regina Lúcia, Pai Bira de Sàngó.

Somam-se à história o Carnaval carioca de 2020, Ariel, o gato diferente, a pandemia, mas também a superação das dificuldades enfrentadas pelos personagens, entre elas o preconceito e o bullying. Cada um ganha recortes marcantes de suas vidas e enriquecem sobremaneira a narrativa. Elza Soares, sua luta, resistência e arte e a saga do povo negro africano são introduzidos no contexto do livro. Além disso, os temidos e venerados Loas (divindades) da Morte do vodu haitiano: o Baron Samedi e a sua esposa e igual, Maman Brigitte, ajudam a compor um caleidoscópio cultural, de raças e povos que formam a nação brasileira, de espaços por eles demarcados em várias regiões do país, suas culturas, religiosidades e hábitos.

“A morte é o fio condutor, mas há várias travessias que são feitas. Uma delas é a luta contra o racismo no Brasil, a maneira como a comunidade negra é tratada no nosso país e todo o desrespeito que ela vem sofrendo ao longo de séculos”, afirma a escritora. “O Haiti é um exemplo disso. Foi a primeira república negra e é um dos países mais importantes na luta pela liberdade. No entanto, foi o que mais sofreu com o racismo político, cultural e religioso”, conclui Cleo, que acaba de receber a medalha Zumbi dos Palmares pela Câmara dos Vereadores da Bahia, em reconhecimento à sua luta contra o racismo religioso e à defesa da Religião dos Orixás. A iniciativa foi proposta pela vereadora Aladilce Souza, em 2019.

Ao inserir os deuses do vodu haitiano na trajetória de uma família de classe média do Rio de Janeiro, “A Travessia” propõe ainda um profundo mergulho em valores culturais e históricos que unem os dois países. Também busca acabar com o preconceito sobre o vodu, que nada tem a ver com magia negra. “Os filmes de Hollywood fizeram acreditar durante um longo tempo que é isso, mas vodu é uma religião afro-caribenha com muitos seguidores na Luisiana, nos Estados Unidos”, esclarece a autora.

Para Luiz Carlos Austregésilo Barbosa, Iperilodé do Ilê Axé Opô Afonjá, psiquiatra e mestre em medicina, “A Travessia” se mostra como um conteúdo instigante para a reflexão sobre a existência possível do transcendental, sem perder o contato com as rotinas do dia a dia dos mortais na sociedade brasileira contemporânea, sob o pano de fundo das relações homoafetivas, dos conflitos capital/trabalho, das mesquinharias familiares, do machismo, das disputas políticas, das ditaduras e dos comunistas libertários, além, naturalmente, do Carnaval.

“Vale a pena cumprir essa “Travessia” com Cléo Agbeni Martins: pela orquestração das personagens, as estórias encaixadas, os artifícios didáticos de suporte ao leitor (tipo de letra, marcas tipográficas, notas de rodapé esclarecedoras ou de cunho historicista), os temas atuais e passíveis de crítica social que vão sendo discutidos, a abordagem das diferentes religiosidades e variantes da espiritualidade desprovida de falsos mitos e preconceitos”, recomenda Simone Caputo Gomes, professora sênior da Universidade de São Paulo (USP).

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