RICARDO BONALUME NETO
especial para JBr
OK, são dez livros que não têm nem dragão, nem anão, nem gigante. A série Crônicas Saxônicas do escritor britânico Bernard Cornwell é feita para adultos, não para os adolescentes imaturos (admito, todos são) ou adultos infantilizados (boa parte da população mundial) que assistem à série de TV Game of Thrones.
As Crônicas têm o mesmo pano de fundo básico: sexo e violência, especialmente esta última. Mas tem algo que aquela série pastiche não tem: história. Seriedade.
“Antes que ele pudesse se recuperar, bati em seu rosto com o pomo da empunhadura. Acertei a borda do elmo, mas com força suficiente para fazê-lo cambalear. O sujeito ainda estava tentando recuperar a postura para me enfrentar quando enfiei a espada de Renwald nas suas tripas. A lâmina estava cega, mas mesmo assim a ponta perfurou a cota de malha, rasgou o gibão de couro que ele usava por baixo e penetrou em sua bexiga.”
É assim que Cornwell descreve combates. Isso ele tem em comum com a série dos dragões, anões e gigantes.
Repare nos uniformes, repare nas armas, nas táticas. Game of Thrones é uma bobagem empilhada em cima de besteiras e de alguns poucos dados factuais. Dá ânsias em adultos. Os livros de Cornwell, sem dúvida o melhor romancista histórico em atividade, têm algo muito melhor: veracidade, uma boa fundação em dados históricos, incluindo raros e caros livros antigos. Para isso existem bibliotecas.
SHARPE
Ele já tinha conseguido isso antes com os livros sobre o soldado britânico Richard Sharpe, que lutou na conquista britânica da Índia e depois nas guerras contra Napoleão. Sharpe também virou série de televisão, infelizmente pouco conhecida fora do Reino Unido. Sharpe era muito bom, assim como o magnífico Uthred, o guerreiro saxão das Crônicas, criado por vikings no século 9 d.C. A saga teve duas temporadas (nos anos de 2015 e 2017) produzidas pela BBC e pela Netflix, com o nome The Last Kingdom.
Game of Thrones literalmente quer dizer Jogo de Tronos. Yes, isso aconteceu no país que ainda não tinha um nome e finalmente virou a Inglaterra. Havia vários reinos saxões, os vikings vieram e construíram os seus. Não faltavam reinos e tronos. O que faltava era unir o país sob um mesmo rei.
Isso começou com Alfredo, o Grande. Um rei carola, obcecado pela religião cristã, mas que era um brilhante estrategista. E, nos livros de Cornwell, ele e seus sucessores obtiveram o melhor guerreiro de todos. Sim, Uhtred de Bebbanburg.
SEM SPOILERS
Ela ainda existe, uma fortaleza no norte inglês, o castelo de Bamburgh (na Nortúmbria). Bebbanburg pertencia à família de Uhtred, mas foi usurpada por um tio traíra, depois sucedido por um primo do guerreiro. Durante nove livros Uhtred sonhou em reconquistar Bebbanburg. No décimo, O Portador do Fogo, ele tenta de novo (no spoilers, please).
O enredo é sensacional. Para tentar conseguir retomar seu lar, ele vai ter que lidar com vários inimigos ao mesmo tempo. Sem dúvida é um dos melhores livros da série. Curiosamente, como diz Cornwell nas notas históricas que acrescenta no final de cada livro, é o que teve menos base na realidade.
Tanto faz. É um livro de um escritor competente feito para leitores adultos. E a série vai continuar. A Inglaterra ainda não está unificada.
O mundo tem mais de sete bilhões de pessoas. Adultos de verdade são, infelizmente, uma minoria.