VITOR MORENO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Ela já foi Beyoncé, Maya Angelou e Kamala Harris. Mas se fazer imitações de personalidades famosas é um dom já testado e aprovado nos esquetes do Saturday Night Live, Maya Rudolph, 51, não fica atrás criando uma personagem do zero.
Não que Molly Wells, a protagonista da série “Fortuna”, pareça tirada do nada. Pelo contrário, é cheia de referências não explícitas a socialites excêntricas casadas com bilionários que fizeram fortuna no ramo da tecnologia -e que, ao se divorciarem, percebem que viveram em função de outra pessoa e começam a procurar o próprio caminho.
Na primeira temporada, Molly tentou tomar as rédeas da fundação que leva seu nome e terminou prometendo publicamente doar para a caridade toda a sua fortuna, avaliada US$ 120 bilhões (mais de R$ 600 bilhões no câmbio atual). Nos novos episódios, que chegam à Apple TV+ na quarta-feira (3), descobrimos que, para ficar pobre, quem é tão rico precisa fazer até um certo esforço.
“Ela não está pobre”, adianta Rudolph à reportagem. “Acho que descobrimos que é mais difícil do que parece dar todo o seu dinheiro quando você tem tanto assim. Parece loucura, mas não é mesmo fácil fazer isso de forma responsável como ela quer. Fora que dinheiro faz dinheiro, então já tem mais do que ela anunciou que doaria e agora está procurando maneiras de recalcular a rota.”
Mais à vontade como líder de sua entidade filantrópica, ela decide investir em um projeto de habitação social. “Acho que ela encontra prazer nesses desafios, assim como nas relações que desenvolveu com as pessoas que ela emprega e que se tornaram uma família para ela”, explica a atriz sobre por que Molly faz tanta questão de trabalhar, mesmo não precisando. “Mas também é importante pensar no que você faria com todo esse dinheiro, e essa é uma ideia ótima e executável para colocar na mesa.”
Com 28 anos de carreira e casada com o cineasta Paul Thomas Anderson, 53, Rudolph diz que todo bilionário pode fazer algo para ajudar o mundo, e isso pode começar na própria cidade, como a personagem faz na série. “Se pelo menos um bilionário assistisse aos episódios em cada cidade, já ajudaria bastante”, comenta.
Rudolph também dá a entender que gostaria de ver mais pessoas abastadas defendendo a taxação de grandes fortunas. “Pelo menos aqui nos EUA, não vejo que elas façam um grande esforço no sentido de serem taxadas em um índice que seja razoável”, lamenta.
“Não acho que qualquer bilionário esteja desavisado do tanto de poder que tem nas mãos, mas talvez isso vá se revelando aos poucos para cada pessoa até podermos começar a demandar mais delas”, diz. “No caso da personagem, ela decide não esperar mais.”
AMÁVEL BILIONÁRIA
Criadores da série, Alan Yang e Matt Hubbard já haviam trabalhado com Maya Rudolph na série “Forever”, que teve uma única temporada em 2018 no Amazon Prime Video. Eles dizem que ficaram felizes de que a atriz quisesse trabalhar novamente com eles, já que nunca pensaram em mais ninguém para o papel de Molly Wells.
“É um grande mostruário de emoções atravessar essa jornada pessoal que começa em um ponto muito determinado [o divórcio] e que gera tanto aprendizado como pessoa e uma transformação tão profunda, particularmente depois dos 40 anos”, comenta Yang, que também dirige alguns episódios. “Maya arrasa na comédia, mas também traz uma humanidade que é bem difícil de alcançar. É difícil você amar um bilionário (risos).”
Também produtores executivos da série, os parceiros dizem que todos os personagens que cercam Molly vão mostrar facetas inexploradas nos novos episódios. “Essa é a beleza de fazer algo para a televisão, você passa tanto tempo com os personagens que aprende quem eles são e a fazer o que funcionou ficar ainda mais engraçado”, avalia Hubbard.
Uma das que ganham contornos inéditos é Sofia, a diretora certinha da Wells Foundation. Workaholic, a personagem da atriz Michaela Jaé Rodriguez, 33, vai relaxar um pouco e encontrar um interesse amoroso na nova fase. “Ela vai garantir que as coisas continuem funcionando bem no trabalho, mas vamos conhecer seu lado mais suave -algo que ela não fica exatamente confortável de mostrar.”
Rodriguez avalia que Sofia deve ter passado por situações que a machucaram no passado, o que a fez se fechar para novos relacionamentos. “São os colegas que a ajudam a se abrir um pouco, especialmente a Molly, com quem ela aprende que dá para ser excelente no trabalho sem se apagar”, afirma. “Há vida lá fora para ser vivida e, para ela, a Molly é um exemplo nisso.”
Primeira mulher trans a vencer o Globo de Ouro de atriz em série dramática pelo papel de Blanca Evangelista em “Pose” -pelo qual também foi indicada ao Emmy-, ela diz ficar feliz que Sofia não seja definido por sua identidade de gênero. “É muito bom não ser definida como mulher trans ou biológica, até porque essa história diz respeito a qualquer mulher”, avalia.
Ela também afirma que é maravilhoso poder servir de exemplo para as futuras gerações ao dar vida a uma profissional acima da média como é Sofia. “As meninas precisam saber que dá para ter uma posição de destaque em uma organização, que há mulheres em cargos de chefia que podem te guiar, e que vocês podem se ajudar, desde que ambas queiram”, comenta. “Isso não tem a ver apenas com a experiência trans. Eu sou trans, mas não estou falando apenas para as meninas trans; falo para todas as meninas.”
Quem também exalta esse aspecto da série é Joel Kim Booster, 36, que vive Nicholas, o assistente pessoal e melhor amigo de Molly. “Eu sou chamado para interpretar assistentes gays com frequência e faço muitos testes para interpretar gays, então vejo como muitos deles são escritos”, diz. “E é muito animador poder interpretar um personagem que é de fato tridimensional.”
Para ele, a segunda temporada vai se aprofundar em vários aspectos da personalidade extravagante do rapaz. O público vai conhecer sua família adotiva e vê-lo avançar na carreira de ator. Porém, o grande mote continuará sendo sua relação com Molly. “Eles já passaram por muita coisa juntos”, descreve.
“Definitivamente, há uma espécie de codependência entre os dois, que pode descambar para o tóxico em alguns episódios, mas acho que agora os veremos mais se desafiando mutuamente”, afirma o ator. “A Molly empurra o Nicholas para que ele cresça, e ele faz o mesmo por ela.”
Já Nat Faxon, 48, adianta que seu personagem, o metódico contador Arthur, estará tentando se refazer após terminar a primeira temporada tentando expressar seu verdadeiro sentimento por Molly -momentos antes de o público descobrir que ela passou a noite com o ex-marido. “Como alguém que já vivenciou isso várias vezes na vida, eu o entendo”, brinca o ator.
“Arthur está tentando superar da melhor forma, e também tentando descobrir quem ele é como indivíduo no universo dos encontros amorosos, passo a passo, após compreender que o que ele queria com a Molly fatalmente não vai acontecer”, diz. “Ele está engalfinhado nessa jornada, mas pelo menos está tentando.”
Nesse meio tempo, ele resolve ajudar Howard (Ron Funches), o primo pobre e distante de Molly, a se reerguer financeiramente, o que acaba o levando a criar uma competição de wrestling. “Eu não conhecia nada desse universo, mas o Ron tem amor real pelo esporte”, entrega. “Vieram vários lutadores da vida real para fazer participações e foi incrível vê-los performando tão de perto, é quase um balé.”