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Cinema

Brasília 60 anos: existe um cinema brasiliense?

Leonardo Resende

21/04/2020 15h43

Há 60 anos, Cacá Diegues, apontou uma câmera 16mm ao deserto cinzento que estava ganhando linhas, formas e estruturas de concreto. Diegues, estava registrando – em tons documentais mesmo – a construção de Brasília, com o documentário Brasília (1960) 

Esses frames jornalísticos, seriam consolidados de um estilo próprio de cinema da capital? Ainda não. Apesar de o diretor ter sido um dos fundadores do Cinema Novo, seu curta-metragem tinha a intenção de registrar o contraste do cerrado com a fundação dos prédios. A película de Diegues é importante devido ao seu pioneirismo em retratar a capital em suas bases, mas não tinha quaisquer intenções de iniciar algum movimento de vanguarda, como fez com o Cinema Novo.

A partir dos anos 1960, o cinema da capital mostrava documentários. Por ser uma cidade nova, existia a curiosidade na demonstração de depoimentos de urbanistas como, por exemplo, o filme de Fernando Coni Campos, Brasília – Um Planejamento Urbano (1964).

Os cineastas estavam preocupados com a demanda de mercado. O que era Brasília? Como as pessoas viviam lá? Esses dois tipos de indagações que levavam diretores a rodar um roteiro. A intensidade em filmes institucionais para promover a capital era alta. Essa angústia não priorizou produções fictícias, deixando as realizações restritas aos documentários.

Além disso, um fator que ofuscou o nosso cinema foi o auge do Cinema Novo no Brasil, movimento que começou por influência do neorrealismo italiano e aparece no Rio de Janeiro. Diante dessa nova vanguarda, a mídia questionou: existe o planejamento de transportar o cinema hollywoodiano para o Brasil? Brasília ficou de fora ainda por demonstrar interesse em documentários.

“A preocupação era promover Brasília, era como se a capital tivesse a necessidade de ser lançada ao Brasil ou até mesmo ao mundo. O limbo cinematográfico era composto por documentários” enfatiza Fauston Silva, cineasta candango.

Mudança de foco

Alterando o parâmetro dos filmes em Brasília, Nelson Pereira Santos lança em 1966, o filme Fala Brasília. Mesmo sendo um documentário, mostra a cultura dos estudantes de cinema da Universidade de Brasília. O destaque do filme é o clima de manifestação dos estudantes. Cineastas de movimentos mais atuais como Cássio Oliveira e Faustón apontam diferentes opiniões sobre o cinema de Brasília. Cássio declara que o cinema brasiliense sofre de uma pasteurização de produção e não cria um estilo próprio e pelo contrário, não faz jus ao que Afonso Brazza fez ao satirizar uma capital. Já Faustón acredita que a produção brasiliense é diversificada e mostra uma população de classe média em ascensão.

Um cinema de ficção e acessibilidade cinematográfica com Afonso Brazza. Foto – Arquivo de Brasília.

“Existe, sim, uma parte das produções brasilienses que retratam a força do proletariado em crescimento, mas também existe uma parte de Brasília que quer ambientar os acontecimentos dos jovens. Infelizmente, ninguém está tentando criar algo pipoca como José Eduardo Belmonte”, acrescenta Faustón. Para os cineastas, o cinema brasiliense foca em estudantes de cinema que fazem um autorretrato social. A junção de casais de universitários, bebidas, algumas drogas e a ambientação da Super Quadra Sul está no imaginário dos cineastas brasilienses.

“É basicamente a mesma coisa, jovens brasilienses de classe média alta que procuram um significado para suas crises existenciais causadas pelos mimos paternos. É uma espécie de releitura de um cinema de arte. Diferente do cinema de periferia lançado para o exterior, o cinema brasiliense ainda está na sua fase de experimentação” diz Cássio.

Mais recente, Iberê Carvalho, diretor do O Último Cine Drive-In (2015), colocou a metalinguagem de narrativa utilizando Drive-In como local determinante da trama. O espaço que é o último de sua espécie e o maior da América Latina, sintetiza esses pontos citados pelos cineastas entrevistas.

O Último Cine Drive-In: um retrato que talvez molde um estilo brasiliense. Foto – Divulgação.

A visão distorcida do futuro

Adirley Queirós, realizador de Branco Saí, Preto Fica (2014), levou ao público brasiliense uma Brasília caótica e refém de uma sociedade repressiva, em que o diretor utiliza a viagem no tempo para mostrar o contraste entre um indivíduo da capital ‘velha’ e outro sujeito da cidade ‘nova’.

Brasília do Avesso: filme necessário para mudar o cenário cinematográfico de Brasília. Foto – Divulgação.

Em sua essência, Branco Saí, Preto Fica, não é um retrato e nem uma sátira da personalidade brasiliense, a película de Queirós se adentra no funcionamento do sistema democrático, não utilizando Brasília como agente causador, mas como ambiente de sobrevivência e interação dos personagens. Ao comparar com outras produções, Branco Saí, Preto Fica, é a ovelha negra (no bom sentido) de outras produções brasilienses.

O que é Brasília no cinema, então?

Em análise, Brasília é aquilo que a mídia abraçou: cidade de pessoas de classe média em ascensão e que vivem ou participam de corrupção, e por levar essa imagem à mídia – fator que Fernando Meirelles reforçou com Felizes Para Sempre (2014) – os estudantes de cinema abusam deste estereótipo pedante e continuam fazendo aquilo que Cacá Diegues fazia, construindo Brasília, mas não de maneira física, mas sim de maneira idealista. Uma construção de identidade que se apropria intensamente de cinema de gente grande, mas que ainda está engatinhando como um bebê.

Um impulso da televisão para o cinema brasiliense: Felizes Para Sempre. Foto – Divulgação.

Por Leonardo Resende

@leonard0resende

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