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Bom texto de Miguel Falabella não salva ‘O Coro’ da artificialidade

Longe de ser ‘Glee’ brasileiro, produção do Disney+ apresenta elenco fraco e parece subestimar senso crítico do público

FolhaPress

14/10/2022 13h29

Foto: Divulgação

BRUNO CAVALCANTI

Anunciada em 2020 como a primeira produção brasileira do Disney+, “O Coro: Sucesso Aqui Vou Eu” ganhou nas redes o injusto apelido de “‘Glee’ brasileiro”, em referência ao clássico adolescente de Ryan Murphy que levou para a TV a dinâmica das boas comédias musicais -e que inspiraria ainda uma versão adulta e melhorada, “Smash”.

Narrando a história de um grupo de jovens que busca o estrelato por meio do teatro musical, as obras têm similaridades leves, mas nada que justifique comparações. O humor ácido e cruel de Miguel Falabella vai por caminhos que o teor sardônico e nem sempre sedutor das obras de Murphy sequer sonharia atravessar.

Só esse texto afiado já seria motivo o suficiente para que “O Coro: Sucesso Aqui Vou Eu” fosse uma das séries mais interessantes do streaming neste ano. Entretanto, algo está fora da ordem na produção, que parece sofrer a interferência de uma Disney que busca cativar o mesmo público adolescente que angariou há 15 anos com o pueril “High School Musical”.

Mas o público é outro. De 2006 a 2022, os musicais ganharam espaço no Brasil, assumindo papel de força motora no mercado teatral e, de fato, sonho de consumo de um público jovem iniciando o caminho das artes. São eles o foco em “O Coro”.

Estão lá a cantora de cabaré que sonha ser uma estrela, a ambiciosa vilã que vive obcecada e se envolve com homens poderosos e, claro, casados, a jovem aspirante a cantora explorada pelo namorado e o rapaz que veio da igreja e vê um novo mundo à sua volta. Todos compõem o panorama dos que sonham com um lugar ao sol.

A obra abusa de tintas ficcionais ao criar uma realidade própria, em que, sim, cantar em meio a um diálogo é absolutamente natural. Mais do que isso, o teatro musical é uma máquina econômica com força similar à de seu berço, nos Estados Unidos. É preciso aceitar essas premissas para tentar mergulhar na proposta.

Contudo, nem compactuando com as licenças poéticas é possível se deixar cativar por “O Coro”. Isso porque o autor não conseguiu explorar com profundidade o argumento de uma história musical com base no vasto repertório popular brasileiro.

A série enfileira um conjunto de grandes canções, mas peca ao não fazer jus ao que um musical de fato se propõe, que é narrar sua história com base na música. São raras as sequências em que os temas musicais se relacionam com a cena.

Sob a direção de Cininha de Paula, “O Coro” parece querer aproveitar ao máximo as boas vozes do elenco com cenas construídas no formato de videoclipe -num efeito que chega mesmo a truncar o desenvolvimento do enredo e faz com que boas histórias se percam.

Há, claro, exceções. O dueto entre Lílian Valeska e Karin Hils em “Pedaço de Mim”, de Chico Buarque de Hollanda, não é só a cena mais bonita da série, como é a que realmente se relaciona com a história de duas mães preocupadas com o futuro de seus filhos -e, de certa forma, sofrem com a síndrome do ninho vazio. É onde dramaturgia e canção se irmanam.

Aliado a esse problema, “O Coro” tem outra grande pedra no sapato. Seu elenco é majoritariamente inexpressivo. Os vilões não convencem, os romances resultam desinteressantes e os alívios cômicos não têm graça.

Falta peso e experiência ao elenco majoritariamente jovem, mas, acima de tudo, a série se ressente da falta de um trabalho sólido de direção de atores.

Por outro lado, algumas performances se destacam. Karin Hills é o ponto mais alto da produção na pele da jocosa Marion, enquanto Letícia Soares, mesmo com pouco espaço, se destaca pela delicadeza de sua personagem, que merecia um desenvolvimento melhor. Sara Sarres, Bárbara Guerra, Ester Elias e Magno Bandarz também angariam bons momentos.

No elenco jovem, Carolina Amaral, Luci Salutes, Daniel Rangel, Micaela Díaz e Graciely Junqueira se alinham naturalmente ao universo proposto por Falabella, que surge como coadjuvante de luxo.

Com excessivos dez episódios e uma segunda temporada engatilhada, “O Coro” é obra que bebe da fonte de algumas das melhores criações de Falabella, como a subestimada “A Vida Alheia” e a poética “Pé na Cova”.

Mas falta à produção a coragem de mergulhar na crítica ferina que o autor propõe ao espectador -que, diferentemente do que pensa a Disney, é capaz de absorver mais do que histórias açucaradas de amor e dramas escolares, que não adicionam nada à formação crítica a respeito da sociedade que nos cerca.

O CORO: SUCESSO AQUI VOU EU
Avaliação Regular
Onde Disponível no Disney+
Classificação Livre
Autor Miguel Falabella
Elenco Miguel Falabella, Karin Hills, Sara Sarres, Magno Bandarz, Carolina Amaral, Letícia Soares e Daniel Rangel
Produção Brasil, 2022
Direção Cininha de Paula

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