Menu
Entretenimento

‘Bach chega na favela’, diz maestro que viralizou com funk de MC Fioti

‘Música desse compositor falecido em 1750 influenciou gerações e chegou aos dias de hoje’, valoriza Carlos Prazeres, que fez versão exaltando ‘vacina do Butantã’, em entrevista ao ‘Estadão’

Redação Jornal de Brasília

13/01/2021 9h06

A Orquestra Sinfônica da Bahia viu o trecho de um concerto de 2017, em homenagem ao compositor alemão Johann Sebastian Bach, ser resgatado e viralizar nas redes sociais recentemente. Achou melhor atualizá-lo. O diretor artístico e maestro Carlos Prazeres compôs uma nova letra, “uma coisinha rápida, para grudar como chiclete”.

Ao lado de sete músicos, gravou uma versão para o funk de MC Fioti Bum bum tam tam, o hino da vacina coronavac: “É a Osba envolvente que é consciente/ E pra tá presente/ nos concertos da gente/ toma vacina e vem sorridente/ eu falei assim pra ela/ eu falei assim pra ela/ confia no Butantã/ e na vacinação/ confia no Butantã/ e na vacinação”.

Bum bum tam tam foi uma das músicas mais tocadas em 2017 no Brasil. Foram mais de 500 milhões de visualizações no YouTube, com direito a versão em inglês e espanhol. Entrou na peça Bach Eterno porque a ideia de Prazeres era mostrar como a música erudita do regente alemão ainda estava presente nos dias de hoje. A “flauta envolvente”, na introdução da música de Fioti, foi sampleada de um trecho da Partita em Lá menor, composta por Bach, em 1723.

O maestro da orquestra contou ao Estadão sobre essa aproximação com a música popular brasileira e também dos projetos que estão sendo realizados nesse período em que não pode se apresentar para o público. “Partimos para explorar o audiovisual e ter mais diálogo com outras atividades culturais.”

Como surgiu a ideia de fazer a versão do funk na orquestra?

Muita gente vê a Orquestra da Bahia tocando um funk e pode achar que viramos uma orquestra popular. A ideia começou por causa de um concerto feito em 2017 chamado Bach Eterno, que foi bastante conceitual. O objetivo era mostrar que a música desse compositor falecido em 1750 influenciou gerações e chegou aos dias de hoje, pasmem, até a comunidade. Ia de Arvo Pärt, compositor estoniano, passando pelas bachianas número 4 do Villa-Lobos entre outros compositores. Tudo isso desembocou na Partita em Lá menor para flauta solo, de Bach. É a prova de que Bach chega na favela.

Agora virou o hino de conscientização para todos tomarem a vacina.

A orquestra não pode ser um objeto de museu arcaico. Ela precisa ser um ente conectado à sociedade. E nesse momento entendemos que deveríamos, com a orquestra, conscientizar o povo a optar pela ciência, a fugir do obscurantismo. Pegamos esse material e fizemos essa versão para conseguir convencer de maneira bem humorada a população de que vacinar é o melhor remédio para sair do pesadelo. A letra é uma coisinha rápida, para grudar como chiclete.

A versão não deixa de ser um posicionamento da orquestra. Algum integrante se posicionou contra o vídeo?

Não. Tivemos poucos integrantes que fizeram parte. A gente precisa sempre se colocar acima da política no âmbito de esquerda e direita. Temos de nos colocar completamente ao lado disso. Até porque eu sou de esquerda, venho de uma família de esquerda, meu tio é o Perfeito Fortuna. Mas eu tenho músicos da orquestra com pensamento de direita e seria um desrespeito colocar a orquestra como bandeira do meu pensamento. Isso sou contra. Mas uma coisa é pensamento político. Outra coisa é lutar contra fake news, o obscurantismo, a ameaça a democracia. Aí sim a Osba estará presente.

Como está sendo a repercussão do vídeo?

A melhor possível. Imaginei que pudesse ter problema pela falta de reflexão sobre o nosso trabalho. Mas essa falta de reflexão vem do imediatismo das redes sociais. Por exemplo, a pessoa vê uma orquestra tocando funk e acha ruim. Mas sem ter uma ideia de que isso foi decorrente de um processo de que Bach chega a todos os lugares. Esse imediatismo das redes nos assusta. Mas quando vejo Djamila Ribeiro compartilhando e curtindo, vejo que temos de estar sem medo no lado certo.

Como vê a Osba na música brasileira?

Penso na música como uma grande festa que deva abarcar vários estilos. Uma orquestra sinfônica, no meu entender, tem que tocar 95% do seu repertório de música clássica, erudita, como queira chamar. Mas tem um espaço bom também para o diálogo com outras culturas. E o funk é uma das coisas que, por ser carioca, aprendi a admirar e ver como um grande milagre do ser humano. Uma comunidade que só vê do seu governo um Caveirão na porta da casa e ainda consegue se expressar pela arte… Uma orquestra não pode estar longe da luta que vem da arte.

Vocês tiveram cortes no orçamento durante a pandemia?

O governo do Estado da Bahia tem sido bem compreensivo conosco. A gente diminuiu a verba de temporada, entramos em acordos com os músicos em relação à carga de trabalho. Mas o salário continua igual, os direitos continuaram iguais. Conseguimos manter a orquestra com 75 integrantes sem demissão.

Como têm se mantido sem a arrecadação com shows?

Tivemos de nos reinventar. Por ser uma orquestra de vanguarda, não sofremos tanto. Até porque a Bahia considero um Estado de vanguarda. Não por acaso a Tropicália surgiu aqui. E temos ícones como Caetano, Gil, Tom Zé, Carlinhos Brown na vanguarda cultural. A Osba sempre tentou se reinventar dentro da música de concerto. Partimos para explorar o audiovisual e ter mais diálogo com outras atividades culturais.

Houve também uma busca por um conteúdo mais leve por causa do momento que estamos vivendo?

Acho que sim. Até porque as pessoas buscam leveza em meio a um cenário de mais de 200 mil mortos no País. Fizemos um documentário em parceria com o Balé do Teatro Castro Alves chamado Abraço no Tempo (com participação de Caetano Veloso) para tentar estimular que as pessoas ficassem em casa. No São João, em parceria com o Edu Kruger, que é o maior parodista do Brasil, fizemos uma versão de “Esperando na janela”. A versão do Kruger dizia: “mas eu não vou na casa dela, ai ai”. E o Gilberto Gil cantou junto da orquestra.

Acredita que esse tipo de produção vai continuar mesmo após a pandemia?

A gente buscou migrar para esse cenário virtual de uma maneira criativa. E acreditamos que nada mais vai ser como antes. O virtual forçadamente começou a ter outro papel. E vamos continuar forte nesse quesito.

Há também uma preocupação da Osba com a questão racial do país…

Vivemos na cidade que tem mais negros fora da África. Vamos fazer uma próxima série com compositores negros, com música e temática negra.

Como surgiu o Osbatalá?

As missas católicas e protestantes sempre fizeram parte da programação da orquestra sinfônica, independentemente da religião de seus músicos. A gente vê presente A Paixão de São Matheus, de Bach, A Missa Solene, de Beethoven, o Requiem, de Mozart. Tudo sempre foi parte de uma liturgia católica ou luterana e sempre entrou na orquestra sem objeção. Acho mágico hoje poder colocar o terreiro para dentro da orquestra. O Osbatalá foi isso. Em um momento em que as religiões de matriz africana estão sofrendo ataques, fizemos esse trabalho.

Tem uma expectativa de quando voltarão a tocar com público?

Espero a partir de abril contar com a presença de público nas salas de concerto, com distanciamento, com máscara, mais ou menos como está fazendo a Sala São Paulo, com todos os protocolos.

Quais projetos de audiovisual vocês estão produzindo atualmente?

Vamos lançar o documentário Solário, que mostra a música e a poesia baiana do século XVII aos dias de hoje. É muito interessante. Devemos lançar dia 21 de janeiro. Vamos explorar imagens de Salvador e mostrar compositores locais importantes e pouquíssimos conhecidos, como Damião Barbosa, nascido em Itaparica, e Mussurunga. Solário é uma poesia de Mirian Fraga que fala muito sobre a cura. É o que todos nós estamos precisando: da cura através da arte.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado