Menu
Coluna D

Uma história, várias visões

Arquivo Geral

07/03/2018 17h14

Atualizada 08/08/2018 12h06

Perdão ao texto jornalístico, que não admite uma introdução tão longa, mas hoje vou me livrar do lead. Vá com Deus! A você, que está lendo meu texto, peço um pouco de paciência. Antes de chegar aonde quero, que é defender meu ponto de vista, não posso deixar de contextualizar meu leitor.

Minha relação com a Polônia começou em 2014, quando conheci Karoline Malaczek. Na época, ela trabalhava na Embaixada da Polônia em Brasília e estava à frente da organização da Semana da Europa. Foi uma das várias pessoas que conheci por meio do trabalho e que acabou virando minha amiga. Motivo, certamente, de muita satisfação para mim.

Neste mesmo ano ela se mudou para Varsóvia. E, em 2015, fui visitá-la nas minhas férias. Posso dizer que a experiência em terras polonesas foi um divisor de águas na minha vida. A gente nunca volta a mesma pessoa quando viaja e conhece culturas distintas, mas a Polônia foi diferente para mim pelo impacto que me causou.

Sendo apreciadora de história, tenho um interesse muito particular pela Europa, o Velho Continente. E é sempre com o olhar curioso e com sede de conhecimento que vou para lá. Portanto, visitas a museus, monumentos históricos, exposições e até cemitérios (quer lugar que concentre mais história do que esse?) estão no meu roteiro. Então, em Varsóvia, fui ao Museu do Levante – o tipo de lugar em que as emoções afloram e as lágrimas brotam com fluidez.

Museu do Levante em Varsóvia (Polônia).

Não sei dizer ao certo quanto tempo passei lá dentro. Aliás, a gente perde completamente a noção disso quanto está imerso na história desse povo que também sofreu muito com os horrores da Segunda Guerra Mundial (tenho que fazer este recorte para que este texto não vire um livro, mas a história da Polônia é marcada por muitos outros momentos difíceis, além deste). Durante a visita, você realmente tem a sensação de que a qualquer momento pode cair uma bomba ali. Os recursos multimídia são muito explorados e impressionantes.

Bom, o que mais me impactou: a população civil – em um ato de resistência – conseguiu recuperar quase toda a cidade de Varsóvia durante a ocupação nazista. Teria conseguido tirar o domínio das mãos do exército de Hitler se os russos não tivessem descumprido o acordo de fornecer armamento (uma população enfraquecida fica mais fácil de ser vencida e foi o que aconteceu depois. Entendeu a jogada?).

Museu do Levante em Varsóvia (Polônia).

A Polônia foi o país que mais sofreu com o holocausto e a Segunda Guerra. De todas as nações atingidas pelo conflito, foi a que somou mais mortes: 6 milhões de poloneses, 95% deles civis. Em 1945, Varsóvia estava totalmente destruída, uma cidade fantasma. Há um filme, no final da visita, que traz registros históricos dessa época sombria. A capital polonesa foi a mais bombardeada na história depois de Hiroshima e Nagasaki.

Varsóvia após os bombardeios. Imagem do Museu do Levante, em Varsóvia (Polônia).

É impossível que alguém que tenha o mínimo de empatia não seja impactado pelas informações desse lugar. O Museu do Levante de Varsóvia (Muzeum Powstania Warszawskiego), portanto, merece ser visitado e eu poderia escrever um texto apenas sobre ele. Mas preciso seguir em frente. Para quem quiser saber mais desse memorial, acesse [aqui].

E o que isso tudo tem a ver com a temática da minha coluna?

A essa altura, você já deve ter se perguntado o que tem a ver a história da Polônia com comunicação digital? Olha, eu também me fiz essa pergunta durante meu Carnaval inteiro. Caramba, foi angustiante!

A inquietação começou quando fui convidada pela Encarregada de Negócios da Embaixada da Polônia a tomar um café com ela, na véspera do feriado. Na ocasião, conversamos sobre a recente lei sancionada pelo presidente polonês que prevê penas de até três anos de prisão por mencionar o termo “campos de extermínio poloneses” e por sugerir “publicamente e contra os fatos” que a Polônia ou o Estado polonês tenham sido cúmplices dos crimes da Alemanha nazista.

A senhora Marta Olkowska demonstrou muita preocupação com a imagem negativa que estava sendo criada com relação aos poloneses, quando estes sofreram tanto quanto os judeus e muitos, inclusive, arriscaram suas vidas para salvá-los. Então, propus a ela que fosse ao meu programa falar sobre o assunto. E a ansiedade bateu à minha porta.

O famoso discurso do Papa João Paulo II. Museu do Levante em Varsóvia (Polônia).

Como é que eu ia falar desse tema sem gerar a polêmica toda que gerou? Quem eu convidaria para estar no estúdio junto com ela? Qual recorte eu daria? E como eu ia “linkar” esse tema com a comunicação digital? Tinha um desafio em minhas mãos. Tudo o que eu não queria é que o diálogo perdesse espaço para o confronto. E é o que mais temos presenciado nas redes sociais.

Então, conversei com meu marido, com minha amiga Juliana Oliveira (nessas horas eu digo, é melhor ter amigo do que dinheiro), recorri a duas amigas polonesas e a outros amigos: Pedro Eduardo Batista, formado em História na Universidade de Brasília (UnB), e Edson Andrade, analista de dados que me ajudou com a pesquisa do tema nas redes sociais. Eu precisava acompanhar a repercussão no ambiente digital.

Resultado? O buzz nas redes foi provocado pelo off-line. Só no Twitter, atingiu mais de 8 milhões de usuários na semana da sanção da lei. Os principais portais jornalísticos publicaram e replicaram matéria no Facebook. Entre eles El País, G1, DW, Correio Braziliense, O Globo e BBC Brasil. A repercussão caiu consideravelmente durante o Carnaval, o que era previsível.

Uma história, várias visões

Justamente por ter tido a experiência de conhecer a Polônia e sua história recente, quis dar o direito ao contraditório à senhora Marta Olkowska. Caminhando pelas ruas de Varsóvia, vi placas de acrílico (ou vidro) em alguns prédios que destacavam os buracos de bala feitos durante a Segunda Guerra. Me dava arrepios ver as coroas de flores e velas acesas em homenagem às vítimas da guerra, no pé de monumentos.

Muro onde muitos prisioneiros foram fuzilados. Auschwitz – Polônia.

Vi resquício de um palácio enorme que foi destruído, em Varsóvia, onde fiz visitas guiadas, assim como também fiz em Cracóvia. Passei pelos guetos de ambas cidades, estive em Auschwitz e Birkenau na véspera de completar 35 anos. Esta passagem de um ciclo para o outro foi muito significativa.

Auschwitz – Polônia

Sim, eu sei que o povo polonês sofreu muito. E meu olhar para essa questão, naturalmente, é outro. Por isso me empenhei em qualificar esse debate, agregar outras visões e o resultado é o que está neste vídeo de pouco mais de uma hora (eu sei que está bem longe do que o marketing digital recomenda, mas se a ideia é se aprofundar, não dá para tratar de um assunto complexo como este em 20 minutos). Na verdade, eu precisaria de muito mais tempo.

Além da senhora Marta Olkowska, participou dessa edição da Coluna D Álvaro Castelo Branco, advogado da União, mestre pela Washington University e pelo UniCeub e professor de Direito Internacional.

Juntou-se a eles José Otávio Nogueira Guimarães, professor adjunto no Departamento de História da UnB, mestre em História Social da Cultura pela PUC do Rio de Janeiro e doutor em História e Civilização pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Ele também coordenou a Secretaria-Executiva da Rede Latino-Americana de Justiça de Transição e as pesquisas da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB.

Por fim, eu digo, do fundo do meu coração, que trazer esse tema à tona foi também mexer em uma ferida minha. Ferida que mantenho desde que visitei lugares onde milhares de pessoas foram vítimas da barbárie do holocausto: judeus, ciganos, pessoas com deficiência, homossexuais.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado