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Coluna D

Diálogo com um jovem Millenium

Arquivo Geral

13/03/2018 19h52

Atualizada 08/08/2018 12h09

Sentir angústia é condição de quem escreve. Passei meses acumulando informações, vivendo experiências e, principalmente, sentindo. Depois de longa gestação, chegou a hora de dar à luz a mais um texto. E é exatamente dessa forma que procuro tratar todos eles: como filhos. Nenhuma ideia consistente nasce da noite para o dia. É preciso respeitar seu tempo de maturação.

Hoje pretendo, a partir de uma experiência recente que vivi, falar sobre o mercado de trabalho, o futuro dos empregos, falsas narrativas e conflito de gerações. Tudo isso surgiu a partir de uma conversa com um jovem de 24 anos, no último fim de semana. Na idade dele, eu também era recém-formada, ganhava apenas R$ 1.200,00 e, para dar conta de pagar as contas – inclusive meu primeiro carro financiado em longas e não tão suaves prestações – acordava às 5h para estar às 6h na agência de comunicação na qual eu trabalhava, para fazer a clipagem de matérias jornalísticas.

Eram 12 horas de trabalho, aproximadamente. Quando eu tinha plantão no fim de semana, conseguia chegar até os R$ 2.200,00, no máximo. Isso era em 2004. Passados 13 anos, hoje estou com minha própria agência, atuo no gabinete de um parlamentar no Senado, escrevo para o Jornal de Brasília, onde também gravo programas para a JBr TV. Tenho mil outras atividades e consegui chegar longe (não ainda até onde eu gostaria), mas o suficiente para ter uma vida confortável.

Conflito de gerações

Não gosto de rótulos. Por isso mesmo não vou colocar aqui as características dessa geração. Mas há uma questão específica que parece ser um ponto de conflito: o imediatismo. Talvez o jovem tenha mais pressa mesmo. Mas não me lembro, aos 24 anos, de ter essa grande necessidade de ver minha vida mudar da noite para o dia.

Percorri uma longa estrada, com muito sacrifício. Cada conquista foi vivida, sentida e comemorada. E, para mim, o grande barato da vida é superar desafios. Porque se não temos estímulo para nos desafiarmos a nós mesmos, corremos o sério risco de não crescer ao optarmos pela zona de conforto. Não parece ser uma característica da geração Z, que tem ambições de vida, sim, mas também uma necessidade de se chegar até onde se almeja de forma muito rápida.

É preciso tempo para subir degraus. O fato de ganhar bem não está ligado apenas à capacidade técnica, mas à maturidade emocional, que só vem com o tempo mesmo. Pode parecer um detalhe, mas não é. Um bom profissional, além de uma bagagem de experiências robusta, precisa ter uma dose cavalar de inteligência emocional para lidar com situações adversas. Em outras palavras: sangue frio.

Esta é a questão crucial que, na minha opinião, gera conflito entre a geração Z e a minha. Claro que os mais jovens têm muito a nos ensinar, e reconheço isso. Assim como nós também temos a ensinar a eles. Essa entrevista do Rossandro Klinjey, que viralizou nas redes esta semana, diz muito sobre o comportamento dos jovens no mercado de trabalho. Vale a pena assistir.

O futuro dos empregos

Venho, há algum tempo, estudando sobre o futuro dos empregos. E algo é certo: haverá uma quantidade absurda de pessoas fora do mercado de trabalho. Primeiro, porque muitos não se adaptaram à revolução digital. Segundo pelo próprio modelo industrial de ensino a que fomos submetidos, em que todos são especializados em apenas uma área. Terceiro, pela ascensão dos robôs e algoritmos. Não é uma realidade para daqui a uma década, já estamos vivendo essa transição.

Sei que a geração Millenium nasceu num mundo bem diferente do que o meu. Mas a educação ainda é a mesma de décadas atrás. Cada pessoa realiza uma única tarefa, e se torna um especialista naquela função. Mesmo as gerações mais novas percebo que ainda estão inseridas nesse modelo, apesar de o mundo estar mudando.

Dizem os estudiosos que num futuro próximo, não haverá empresas. Pelo menos, não como elas são hoje. Seremos todos freelancers/ autônomos/profissionais liberais. Você poderá exercer a atividade que bem entender. Num dia será decorador, no outro músico, e, na semana seguinte, professor de jiu-jitsu.¹

Tudo vai depender do seu interesse, da sua capacidade (mas estamos sendo educados para isso?) e da boa e velha lei de mercado. Para isso, os reguladores de hoje (diplomas e titulações) serão ainda mais fluidos, permitindo que você literalmente exerça milhares de atividades profissionais ao longo da vida. Tendo a ser um pouco cética porque nosso pensamento ainda é muito linear.

De qualquer forma, já está claro que não dá mais para ficar dentro da sua caixinha. Por incrível que pareça, antes mesmo de eu ler qualquer texto a respeito disso, eu já vinha defendendo o conhecimento multidisciplinar como o caminho a seguir para quem deseja ir longe. Agora, está mais do que provado que o meu pensamento faz total sentido.

Eu pergunto como as novas gerações vão lidar com essa realidade, por mais que elas já tenham nascido dentro da era digital. Conhecimento não cai do céu e minha percepção, que pode estar equivocada, é a de que jovens leem cada vez menos. Não se inteiram sequer do contexto político, social e econômico no qual estão inseridos (felizmente, existem as exceções).

Falsas narrativas

Falando em falta de esclarecimento, agora vem a questão que mais me chamou atenção no meu curto diálogo com esse jovem. E a que me trouxe dois sentimentos bem latentes: perplexidade e tristeza. Talvez eu ainda tenha uma visão romântica da vida.

Todo mundo que mora em Brasília é corrupto? Não! Servidores ou funcionários públicos, especialmente do Congresso Nacional, estão envolvidos em esquema de corrupção? Não! A maior parte dos ladrões que vivem em Brasília é o resto do país que manda para cá, sabia?

O que vivenciei faz parte de uma falsa narrativa, essas que há tanto tempo corrompem nossa maneira de pensar. Mentiras repetidas vezes se tornam verdades e acabam por fazer parte do inconsciente coletivo. Talvez ele nem tenha parado para pensar a fundo de onde surgiu essa ideia equivocada, ao me perguntar se eu aceitaria propina, caso me oferecessem.

Para a minha sorte, trabalho com um dos poucos e raros políticos que eu, seguramente, colocaria minha mão no fogo sem medo de queimá-la. E, caso as circunstâncias da vida me levassem a atuar com um parlamentar de índole duvidosa, não me corromperia simplesmente por não reconhecer a corrupção, o ato de pensar individualmente ao invés de coletivamente, como um valor meu.

Ensinar as pessoas a questionarem as narrativas e distinguirem notícias verdadeiras de falsas foi considerado um dos principais desafios da atualidade. A minha esperança é que as verdades de hoje viram os absurdos do amanhã. Quanto ao desconforto que sinto dentro do meu peito (aquela tristeza mencionada acima), ah,  não tem jeito. Vou morrer com ela, que é quem me faz hoje escrever essas tantas linhas acima. Ela se faz ainda mais presente em alguns momentos em que nos deparamos com uma situação dessas. A escrita às vezes dá voz aos nossos gritos silenciosos, aqueles que só nós escutamos.

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