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Brasília

Todo artista tem de ir aonde o povo está

Músicos de rua se reinventam no isolamento, animando serenatas nas janelas em aniversários ou declarações de amor de namorados separados pelo coronavírus

Vítor Mendonça

06/05/2020 6h35

Músicos encontram novos palcos

Artistas da cidade se reinventam e fazem de serenatas sob encomenda a shows para vizinhos

Quem vive de música nas ruas ou em estabelecimentos comerciais no Distrito Federal precisou dar um tempo nas apresentações para se reinventar durante a pandemia. De uma semana para a outra, transeuntes, que costumavam compor a plateia, deixaram de aparecer, palcos de teatros fecharam as cortinas e a clientela de restaurantes, onde muitos artistas independentes comumente expressavam arte por meio da música, passou a consumir de dentro de casa.

Como que inspirados por Milton Nascimento, uma das formas encontradas por músicos de rua para driblar a falta de público foi ir onde o público está nesta quarentena: em suas casas. Pensando nisso, serenatas, pequenos shows e apresentações passaram a ser feitas dentro de condomínios e à beira de prédios, com os olhos voltados para cima, expondo-se a quem aparece nas janelas de apartamentos para prestigiar o show

Aniversários e datas especiais se tornaram, portanto, oportunidades para colocar em prática o serviço. No próximo domingo, especificamente, o Dia das Mães será um dos focos para artistas independentes da cidade. É o caso do clarinetista Samuel Ricardo, 40, equatoriano que, para o próximo fim de semana, já está com a agenda lotada. “Estamos criando alguns esquemas novos para poder trabalhar. Agora, por exemplo, no dia das mães, estou agendando serenatas. Também faço vídeos dedicando à mãe da pessoa que está contratando o serviço e temos sobrevivido com criatividade”, explica.

Os cachês também precisaram ser adaptados. Em combinados com síndicos e administradores de quadras, uma caixa de colaboração com contribuições corre entre os moradores dos apartamentos. “Tocamos com todas as normas de segurança de saúde e a uma distância segura, uma vez que estamos do lado de fora dos prédios. O auxílio emergencial do governo federal também ajuda. É assim que estamos tentando sobreviver nesse momento”, diz Samuel.

Algumas das músicas tocadas por Samuel incluem temas religiosos e de alto astral. “Muitos estão desesperados nesses tempos, então temos de ter sensibilidade. Já vi várias pessoas colocarem as mãos para fora das janelas em sinal de oração, pessoas chorando e outras famílias inteiras batendo palmas. Os apartamentos ficam parecendo pequenos refúgios por onde as pessoas só colocam as cabeças pela janela, esperando um conforto da música. E ela conforta”, destaca o clarinetista.

O benefício terapêutico da música é confirmado por João Filho, 49, também músico de rua. Aos 36 anos, com depressão, a recomendação médica foi o mergulho nas partituras de um instrumento musical. Desde então, há 13 anos, o saxofone tenor tem sido o companheiro das tardes do bombeiro militar aposentado por invalidez. “Aquilo era benéfico para mim; passar horas praticando e estudando o instrumento. Como uma síndica do meu antigo apartamento não gostava e recebia reclamações das minhas práticas, comecei a tocar e estudar na rua. E as pessoas começaram a gostar do que eu estava fazendo”, conta.

Antes, os palcos eram estações de metrô e cafeterias da área central de Brasília. Até tocou com Stevie Wonder em uma oportunidade em dezembro de 2013 na entrequadra 205 Sul. Agora, o saxofonista se dedica a performar em frente aos apartamentos de um complexo residencial onde mora, na Asa Sul, e em outras localidades da mesma região.

“Na segunda-feira passada, toquei em um aniversário de 90 anos. Normalmente a família liga, compra bolo e, no dia e horário combinados, ficamos embaixo do prédio e tocamos o ‘parabéns para você’ e outras músicas também. O valor eu deixo aberto à colaboração”, explica. De acordo com João, nestes novos moldes, há maior reconhecimento e remuneração. “Estou recebendo cerca de 60% a mais do que conseguia nas ruas.”

De acordo com o músico, o momento da pandemia é propício para que as pessoas prestem mais atenção ao que está sendo tocado. “Agora não há mais aquela correria de um lado para o outro das ruas, e quem está dentro de casa também está mais sensível. Às vezes uma música que não tinha tanta importância passa a ter um significado diferente”, acredita.

O desafio agora é se apresentar em períodos menores e com um repertório mais flexível. “São apresentações curtas essas que fazemos nas serenatas – temos que levar em consideração alguns moradores que não estão a fim de ouvir. Precisamos tocar o suficiente para deixar a pessoa homenageada feliz, mas não ultrapassar um tempo a ponto de incomodar outras pessoas”, contou.

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