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Brasília

“Para proteção do policial”, diz Rafael Prudente (MDB) sobre lei que libera venda de armas a ex-agentes

Oposição na CLDF contesta decisão, enquanto o autor da norma alega ser para proteção de antigos militares

Marcus Eduardo Pereira

27/07/2020 21h42

Pedro Marra e Olavo David
[email protected]

Autorizada por meio de decreto do Governo do Distrito Federal (GDF), a lei que libera a venda de armas de fogo a policiais civis, militares e bombeiros aposentados ou na reserva, de autoria do presidente da Câmara Legislativa, Rafael Prudente (MDB), gerou preocupação da oposição parlamentar na CLDF e de especialista na área.

“Os órgãos de segurança pública do DF poderão fazer a venda direta a seus integrantes as armas de fogo de porte por eles utilizadas quando em serviço ativo, por ocasião de sua aposentadoria ou transferência para a inatividade”, diz o texto da nova lei.

A quantia das vendas vai para um fundo que irá fazer o reaparelhamento das forças de segurança pública. Essas armas comercializadas terão de ter pelo menos cinco anos de uso. Uma tabela de avaliação e depreciação de bens será usada como base pelos órgãos envolvidos, tendo de atualizá-la ano a ano. Em caso de falecimento do policial, os herdeiros são obrigados a devolver a arma à corporação responsável.

Na justificação do Projeto de Lei (PL) 2.087/2018, o deputado Rafael Prudente (MDB), presidente da CLDF, argumentou que agentes de segurança, mesmo depois de reformados ou afastados, permanecem sob risco de retaliações do crime organizado. Prudente atribuiu ao Estatuto do Desarmamento os “problemas burocráticos na hora de adquirir uma arma de fogo”, graças às “longas exigências” da Lei 10.826/2003, que trata do registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição.

Um dos que manteve o voto contrário durante toda a tramitação do projeto foi o deputado Chico Vigilante (PT). Para o sindicalista, a lógica de quanto maior o poder de fogo, mais seguro se está, já caiu por terra. “Está provado que com mais armas aumenta a criminalidade. Armas não salvam vidas”, disse o parlamentar. “Essas armas estarão nas ruas e não temos um controle rigoroso. Há possibilidade de serem roubadas ou perdidas”, critica.

O caminho percorrido pelo PL 2.087/2018 também foi alvo de críticas. “Na comissão que eu presido [de Comércio], há sorteio de quem vai relatar o projeto. Se fizessem dessa maneira, talvez não tivesse a impressão que foi tudo direcionado”, afirma o petista.

Ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Leonardo Sant’Anna discorda. “Esse mito já foi desconstruído no DF desde os anos 2000, quando armas e munições foram entregues a policiais para que pudessem portá-las 24 horas por dia. Os desvios foram ínfimos”, garante o consultor de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). “Essas condutas criminosas não fazem parte do cotidiano das polícias da capital”, completa.

Sant’Anna ainda classificou a legislação como “um sinal de modernidade institucional”. Sem a norma completada ontem, para ele, a legislação vigente apenas retardaria o contato do agente inativo com materiais bélicos. “Os policiais, em geral, compram armas ao se aposentar”, diz, acrescentando também que a utilização das armas é melhor que o destino dado atualmente. “As que ficam nas corporações, depois de obsoletas, são doadas para outra instituição que se interesse ou entregues ao Exército para destruição. Isso não faz qualquer sentido se parte do investimento feito pelo Estado pode retornar aos cofres públicos”, finaliza.

Além de Vigilante, foram contrários ao projeto os deputados Fábio Felix (Psol), Leandro Grass (Rede), Reginaldo Veras (PDT) e as deputadas Arlete Sampaio (PT) e Júlia Lucy (Novo).

No trajeto das comissões da Câmara Legislativa, o texto teve ex-agentes como relatores. O parecer da Comissão de Segurança Pública (Cseg) ficou com o deputado Roosevelt Vilela (PSB), com currículo no Corpo de Bombeiros (CBM-DF); e na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), quem pegou o PL foi Reginaldo Sardinha (Avante), policial civil com atuação no Sistema Penitenciário.

“Policial que aposenta não deixa de ser policial”, declara Rafael Prudente

Perguntado sobre o motivo de ter criado a lei, o deputado distrital Rafael Prudente, explicou que é para proteger os agentes aposentados. “Um policial que aposenta não deixa de ser policial. No momento da aposentadoria, sai do quartel desarmado. Ele passou a profissão lidando com os marginais, que podem saber dessa condição dele. Então ele precisa continuar com o seu instrumento, que combateu a criminalidade por mais de 20 ou 30 anos, para a proteção do policial”, declara o presidente da CLDF.

Prudente explica ainda que cabe à corporação avaliar o estado psicológico do ex-agente para liberar o porte de arma. “O policial que aposentar vai ter que tirar o porte de arma com o órgão legal, que irá conceder as suas avaliações. O que ele não pode é ficar desguarnecido no armamento que o acompanhou durante toda a sua trajetória policial. Em um assalto a algum tipo de comércio, por exemplo, está lá um policial aposentado reagindo combatendo o crime”, exemplifica o deputado.

Disparos acidentais

Em 2019, findou-se um Processo Administrativo movido pela Polícia Militar do DF contra a Taurus, uma das maiores fabricantes de armamento do mundo. Isto porque, entre 2006 e 2011, cerca de 12.500 pistolas da empresa foram adquiridas pela corporação. As pistolas PT 24/7 PRO, 24/7 PRO-DS e 24/7 PRO Tactical apresentaram defeitos e até disparos acidentais nas mãos dos PMs da capital. Segundo informou a PM em julho do ano passado, seis mil armas foram recolhidas das ruas, e uma nova aquisição de armas estava “em fase final” de elaboração.

Segundo o parágrafo sexto do primeiro artigo primeiro do Decreto nº41.027, estão aptas à venda as armas usadas a cinco anos ou mais na corporação. Ou seja, antes da reclamação movida pela PM contra a Taurus, e quatro anos antes da recolha dos armamentos.

Questionada sobre a legislação e acerca do material bélico usado no policiamento ostensivo atual, a Polícia Militar do DF (PMDF) afirmou que “nem todas as armas foram recolhidas”, e que uma nova compra de armas “está em andamento” para realizar a “troca de todo o material bélico.

Em contato do ano passado, quando da finalização do processo entre PMDF e Taurus, a corporação garantiu que novas armas seriam adquiridas “até janeiro de 2020”. O documento de 2016 criou uma comissão responsável por atestar as falhas nos equipamentos. Para isso, 172 armas da marca foram submetidas a provas, e reprovaram: todas apresentaram “falhas no carregamento, disparos em rajada, disparo acidental em caso de queda, disparo sem acionamento do gatilho, disparo ao acionar o decocking e disparo ao acionar a trava externa”.

“Segurança pública se exerce com combate às desigualdades”, diz professor

Na visão do professor em Direito Penal, Tedney Moreira, o investimento das vendas em um fundo para o reaparelhamento das forças de segurança pública é ineficaz. “Por que já não se investe nesse aparelhamento antes da adoção desta medida? O grande erro das políticas de segurança pública no Brasil é que, salvo exceções, elas não são pensadas com rigor. Segurança pública não se exerce apenas pelo patrulhamento ou por repressão, mas com o combate às desigualdades no nível social, à criação de oportunidades de inserção das camadas marginalizadas e com resposta judicial célere, garantista e contundente da lei criminal. Infelizmente, medidas como esta apenas simbolizam uma preocupação com a segurança, mas não se voltam para sua concretização. É, sem sombra de dúvidas, urgente pensar a segurança de órgãos policiais (ativos e inativos), como é urgente pensar a adoção de medidas de ampliação de direitos sociais e fortalecimento das instâncias judiciais e políticas brasileiras”, analisa.

Moreira aponta que a segurança pública não deveria receber uma outra atenção além da venda de armamento para ex-agentes. “Penso que a preocupação maior deveria recair sobre o trânsito destas armas. Embora a lei preveja limitações à alienação e transferência dessas armas apenas a outros agentes inativos, no Brasil há uma deficiência enorme quanto ao rastreio de armas de fogo que, por circunstâncias inúmeras, podem entrar no mercado ilegal e, assim, aumentar o armamento da criminalidade organizada e o número de crimes violentos na sociedade. Não penso que a lei tenha se detido, como deveria, a tais desdobramentos”, critica o professor em Direito Penal.

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