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Brasília

É oficial: morte no trânsito vai dar cadeia

Arquivo Geral

19/04/2018 7h00

Atualizada 18/04/2018 20h44

Foto: Myke Sena

João Paulo Mariano
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Um ato imprudente mudou a família Antonelli para sempre há quase um ano. Uma jovem de 20 anos atropelou o aposentado Edson Antonelli, 61, quando ele começava a pedalar – a 400 m de casa. Os mesmos agentes que confirmaram a embriaguez da mulher constataram a morte do ciclista. A pena imposta à condenada foi de dois anos e meio em regime aberto, com prestação de serviços. Considerada branda por policias, especialistas e familiares de vítimas, a punição prevista no Código de Trânsito Brasileiro muda a partir desta quinta (19), dia em que a norma 13.546, publicada em 20 de dezembro de 2017, entra em vigor.

A partir de agora, crimes como o de Mônica Karina Rocha devem ser cumpridos em regime de reclusão, que já começa com privação de liberdade, e não mais de detenção – quando há a possibilidade de pagar fiança. O tempo passa de dois a quatro anos para cinco a dez anos. Para a viúva de Edson, Rose Antonelli, 58, a modificação é uma esperança de que outras famílias não passem pelo mesmo.

Porém, isso não será o suficiente para levar embora o silêncio causado pela ausência do esposo. Foram 37 anos de convivência. “Eu ainda acordo pensando muito nele. Uso remédio para dormir”, afirma.

Vitimas de Transito – Rose Antonelli, perdeu o marido em acidente no Lago Norte em 2017. / Foto: Kléber Lima

“Tchau. Vou pedalar” foram as últimas palavras do marido para Rose naquele domingo, 23 de abril de 2017. Em casa, no Lago Norte, ela até ouviu as ambulâncias e pensou ter sido uma batida simples. Mas era Edson, que foi atropelado, arrastado por alguns metros e arremessado para o canto da pista. Os pertences ficaram jogados pela via.

“Meu filho foi o primeiro a ir ao local. A gente ensina tanta coisa aos filhos, mas nunca a reconhecer o corpo de um pai. Na hora em que soube que era ele, eu perdi o ar. Não conseguia respirar direito. Era uma pressão interna que parecia que eu ia ficar louca. Meu umbigo parece que parou nas costas”, lembra a paisagista Rose, que ainda perdeu a sogra. Ao saber da morte de Edson, a mãe dele sofreu um ataque fulminante e faleceu.

Confira a entrevista de Rose Antonelli ao Jornal de Brasília:

Embriaguez

Segundo o DER, que apurou as informações iniciais do acidente, o bafômetro registrou 0,85 mg/l, limite três vezes acima do permitido, que é 0,3 mg/l. A jovem, que havia deixado uma festa horas antes, foi conduzida à 6ª DP e liberada após pagar fiança no dia seguinte.

Ela foi indiciada por homicídio culposo – quando não há intenção de matar – e embriaguez ao volante. A sentença saiu em 13 de dezembro passado. Além da pena em regime aberto, ela teve a habilitação suspensa por quatro meses.

A esposa de Edson avalia que a justiça não foi feita neste caso, mas acata o que foi decidido. “Para mim, houve uma perda grave. Para ela, não houve nem serviço em um local onde pudesse perceber o erro que cometeu. Fica a mensagem de que houve impunidade”, complementa. Até hoje, não houve pedido de desculpas. A exceção foi uma mensagem, por Facebook, de um familiar de Mônica.

A reportagem procurou a condenada Mônica Karina, porém, sua defesa afirmou que ela não tem interesse em falar sobre o assunto. “O episódio não a fez bem, ela ficou muito abalada”, afirma o advogado de defesa Raphael Castro Hosken.

Para ele, é comum que a família espere uma pena mais grave, mas defende que foi adequada. “Não tem agravantes que justificassem a majoração da pena”, destaca.

Legislação não será suficiente se o condutor não mudar comportamento

Na avaliação de quem lida com a legislação, a mudança é bem-vinda, mas ainda é preciso avançar tanto nas normas quanto no comportamento, pois há muitos motoristas que dirigem embriagados. Segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), 40% dos acidentes têm algum envolvido sob efeito de álcool.

Para o especialista em trânsito Márcio de Andrade, o fator educativo da lei é primordial: “A pessoa já começa a pagar a pena em regime fechado. Se eu beber, dirigir e matar, sei que irei para a cadeia. As pessoas vão pensar duas vezes”, diz.

De todo modo, para ele, a lei veio com atraso de décadas, o que poderia ter evitado mortes. Ademais, existem lacunas em relação ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que precisam ser modificadas, como a alta velocidade e a embriaguez ao volante sem homicídio.

O diretor de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Detran-DF, Glauber Peixoto, também concorda que a norma seja benéfica e aguarda que, em um curto período, o número de acidentes diminua e as pessoas fiquem mais atentas. “A sensação de impunidade também vai diminuir, pois hoje a premissa é de que, mesmo que uma pessoa beba, atropele e mate, não vai ocorrer nada com ela. A prisão era rara”, observa.

Já o delegado João Ataliba Neto, da 1ª DP (Asa Sul), entende que a nova lei não resolve a situação quando o caso chega à delegacia, mas torna interessante devido à penalidade maior.

Ataliba cuidou do caso do racha da L4 Sul, no dia 30 de abril de 2017, que vitimou mãe e filho. Os acusados esperam o julgamento da sentença em regime aberto. Para o delegado, é importante que haja modificação na norma para entender quando há o dolo (intenção) eventual, pois a pena para esse tipo de crime poderia crescer.

SAIBA MAIS

Além da pena de reclusão, a partir de agora haverá a suspensão ou proibição do direito de dirigir por tempo a ser determinado pela Justiça.

A lei teve origem em projeto de lei proposto pela deputada Keiko Ota (PSB-SP). Porém, ao publicá-la, o presidente Michel Temer (MDB) vetou o artigo que previa a substituição de pena de prisão por pena restritiva de direitos, quando há rachas.

À época, o Palácio do Planalto informou que o veto foi para dar segurança jurídica ao projeto.

Em relação ao caso da L4 Sul, o processo ainda está sendo julgado. Neste mês, houve uma audiência de instrução onde os réus foram ouvidos e deram a sua posição sobre os fatos.

Para o delegado responsável pelo indiciamento, não há dúvida sobre o consumo de álcool e a existência de racha.

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