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Brasília

Especial idosos: conheça dona Glória, moradora do Lar dos Velhinhos há 20 anos

Arquivo Geral

01/10/2018 7h00

Dona Glória. Foto: Kleber Lima/Jornal de Brasília

Manuela Rolim
Especial para o Jornal de Brasília

Foi na manhã de uma quinta-feira ensolarada, dia 13 de setembro, que dona Glória recebeu o Jornal de Brasília para uma conversa descontraída, no jardim do Lar dos Velhinhos Maria Madalena, no Park Way, onde mora há pouco mais de 20 anos.

Muito vaidosa, ela se arrumou toda para esse encontro. Parecia estar pronta para uma festa. Colares, pulseiras, brincos e até um batom vermelho compunham o visual.

Da cadeira de balanço, ela revelou, nos primeiros cinco minutos de uma longa entrevista, experiências, no mínimo, curiosas e até intrigantes, supostamente vividas no decorrer de 80 anos. Dona Glória disse, com convicção e um olhar marcante, ter tido nove filhos, dezenas de netos, tataraneto e 16 casamentos.

As informações não estão, por completo, equivocadas. A senhora, que encanta qualquer um pelo sorriso largo e sincero, de fato, se casou algumas vezes, talvez oito no total, sendo três no abrigo. Mas a verdade é que ela foi parar ali porque não tinha moradia, nem sequer um vínculo familiar. Isso é o que mostra a ficha cadastral dela na instituição. Com o passar dos anos, dona Glória teria criado em sua mente uma prole para amenizar a dura realidade de muitos idosos: a solidão na terceira idade.

A partir dessa segunda-feira (1º), em comemoração ao Dia do Idoso, o Jornal de Brasília vai publicar uma série de reportagens especiais sobre o tema, sempre tão esquecido assim como a carioca Glória Neres da Cruz. No DF, por exemplo, até o momento, não existe nenhuma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) pública. Resta à terceira idade, portanto, contar com os abrigos privados ou conveniados com o governo.

Abrigos

Segundo a Vigilância Sanitária, no total, já são 25 unidades particulares e mais duas em vias de instalação, porém, ainda sem previsão de abertura. Dessas, cinco recebem recursos do GDF e totalizam 242 vagas. São elas: Lar Casa do Candango, Casa do Ceará, Instituto Integridade/Lar dos Velhinhos Maria Madalena, Associação São Vicente de Paulo e Obras Assistenciais Irmão Jorge.

Fora isso, o GDF oferece uma Unidade de Acolhimento para Idosos (UNAI), na modalidade provisória, com 20 vagas, e outras 44 vagas na Unidade de Acolhimento para Adultos e Famílias (UNAF), localizada no Areal. Mesmo assim, o número é insuficiente diante da demanda, garante a auditora de Vigilância Sanitária, Maria das Graças Britto. “Existe, hoje, um progressivo envelhecimento da população. É inacreditável que não tenhamos uma única instituição de longa permanência pública no DF”, afirma.

O cenário é ainda mais crítico, destaca a auditora. De acordo com ela, muitos empresários esbarram na burocracia durante a instauração de abrigos privados. “Não temos em Brasília nenhum setor específico para a abertura de instituições desse tipo. Não por acaso, muitas se instalam em áreas não regularizadas, a grande maioria em Vicente Pires, mas funcionam com  a licença emitida pela administração regional. Vale lembrar que essas instituições não são irregulares. A administração pode, sim, conceder o documento, já que não existe nada que proíba o funcionamento naquela região”, explica.

Maria das Graças destaca que o problema está nas áreas regulamentadas, como Plano Piloto, Lago Norte, Lago Sul, entre outras. “O empresário tem muita dificuldade para instalar uma ILPI nesses pontos, já que a legislação não prevê a abertura de estabelecimentos desse tipo nessas localidades.Temos casos de unidades em perfeitas condições no Lago Norte, por exemplo, mas que correm o risco de serem fechadas por causa disso. É uma pena porque muitas tem todos os requisitos obrigatórios do ponto de vista sanitário e não conseguem a licença de funcionamento”, lamenta. Ela explica ainda que, do ponto de vista estrutural, a maioria das 25 instituições apresentou o projeto de arquitetura para aprovação.

Kléber Lima/Jornal de brasilia

Fiscalização de instituições

A fiscalização dessas instituições é outro agravante na visão da Vigilância Sanitária. A auditora esclarece que todas as secretarias podem ajudar nessa questão e que o Ministério Público oferece a Central Judicial do Idoso para àqueles que tiverem seus direitos ameaçados ou violados e que necessitem de orientação ou atendimento na esfera da Justiça. No caso da Vigilância Sanitária, porém, Maria das Graças destaca que o número de agentes de fiscalização é insuficiente. “Somos apenas três para fazer todas as inspeções. O último concurso foi em 1993. Fazemos um cronograma anual para que todas as instituições recebam a nossa visita uma vez ou mais”, afirma.

O problema piora quando alguma irregularidade é encontrada. “Se chegarmos em uma instituição e percebermos que existe a necessidade de interdição do local, nós lacramos a unidade, mas a questão é para onde vamos levar os idosos? Nesse caso, o MP é acionado, mas fica evidente a falta de abrigos no DF”, ressalta.

A Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh) também ajuda na fiscalização. Segundo a pasta, cada unidade conveniada possui um gestor de termo de parceria que visita as entidades mensalmente. Eles são servidores da Assistência Social do órgão. As instituições também são fiscalizadas pelos conselhos de Assistência Social e de Direitos do Idoso do DF.

Ainda que o cenário para os idosos da capital, principalmente àqueles que não tem família, não seja o ideal, são nessas instituições que muitos deles ganham amparo e amor. Dona Glória, por exemplo, recebe muitas visitas de amigos e jovens que se apaixonaram pela história de vida dela. Uma senhora que só carrega lembranças sofridas do primeiro casamento e diz só ter conhecido o verdadeiro amor na velhice. “Quando eu era mais nova, experimentei um amor agressivo, que batia. Depois de velha, descobri que aquilo não era amor”, relata ela, que sempre se envolveu com homens mais maduros. “Eles já tinham a cabeça feita, isso me conquistava. Tive um que viveu comigo até os 96 anos. Não é à toa que todos já faleceram”, brinca.

Conquistar dona Glória também não é uma tarefa tão difícil. “Basta me dar chocolate que eu apaixono”, confessa ela. “Meu último marido comprava caixas de doces para comermos embaixo da árvore. Sinto falta de todos eles, de ter uma companhia. Adoro me casar, me vestir de noiva, me sentir amada”, declara.

Aos 80 anos, dona Glória ainda encontra forças para exercer a caridade. Ela divide o dormitório com uma senhora paralítica e ajuda a cuidar da companheira de quarto sempre que possível. “Moro com uma velhinha que não sai da cama. Todo dia, busco água para ela e ajudo com o café da manhã”, relata.

Uma mulher com uma autoestima invejável e sábios conselhos. “O segredo é se amar. Eu sou apaixonada por mim mesma, sempre fui muito segura. Vivo a melhor fase da minha vida agora, na velhice. Foi quando eu mais recebi amor. Não gosto de ser maltratada, judiada”, conclui.   

Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasilia


Segundo dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no DF, jã são:

106.246 idosos com idades entre 60 e 64

79.277 idosos com idades entre 65 e 69

53.752 idosos com idades entre 70 e 74

35.072 idosos com idades entre 75 e 79

21.680 idosos com idades entre 80 e 84

10.093 idosos com idades entre 85 e 89

5.313 idosos com mais de 90 anos


Saiba mais

> Para a abertura de uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), que se configura como Organização da Sociedade Civil (OSC), é necessário ter uma  licença do Conselho de Assistência Social do DF, segundo a Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Sedestmidh). Além disso, seguir os padrões de funcionamento da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC), nº 283, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

> Desde 2003, o Brasil conta com Instituições de Longa Permanência para Idosos, as ILPIs, criadas por sugestão da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia para substituir o papel dos asilos na rede de assistência social ao idoso. A mudança na nomenclatura visa melhorar a inclusão dos idosos na sociedade.

> O DF conta ainda com o serviço oferecido nos centros de convivência. Criados para atender os idosos que possuem vínculo familiar, os centros oferecem uma série de atividades ao longo do dia, mas não acolhem os idosos durante a noite.

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