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Brasília

Carnaval de 1919 foi muito efusivo e o de 2021 pode ser também, diz historiadora

Para a pesquisadora, o que ocorreu no passado pode se repetir em 2021

Agência UniCeub

09/09/2020 14h19

Geovanna Bispo e Helena Mandarino
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

O humor e a festa tomaram conta. A pandemia estava controlada. “De fato, o carnaval no Rio de Janeiro de 1919 foi de muita festividade, de muita efusividade e também de muita ironia em torno da doença”. A professora de história Laura de Oliveira, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) entende que o humor funcionou, na época, como uma forma de apagar o medo e permitir que as pessoas lidem com as circunstâncias. Para a pesquisadora, o que ocorreu no passado pode se repetir em 2021. 

Para a professora, as interações sociais podem mudar, especialmente se os programas de vacinação forem eficientes e suficientes. “Acredito que é possível que no ano que vem, especialmente se a vacina for eficaz e for feito um programa de vacinação mais amplo no Brasil, isso pode permitir que a sociedade se sinta mais segura a retomar suas vidas. As pessoas irão mais as ruas, aproveitarão, produzirão mais encontros familiares, sexuais, de afetividade, acho que isso é bastante possível.”

“Depois da pandemia mais ou menos controlada as pessoas foram às ruas, se animaram e se jogaram na brincadeira.”

As brincadeiras pós-vírus

Em um artigo publicado sobre o assunto,  o historiador e pesquisador da Fiocruz Ricardo dos Santos, afirma que quando a gripe partiu, ela deixou um misto de sentimentos de medo e alegria na população, além de um espírito brincalhão. “A partir desse momento [fim da gripe], desencadeou-se um conjunto de atitudes e sentimentos da população em relação à epidemia, marcados pelo contexto de medo e alegria. Pesquisando em jornais os dados sobre a gripe que matou milhares de pessoas, encontramos inúmeras músicas ‘brincando’ com os fatos da dolorosa epidemia, além de várias notas sobre a criação de blocos carnavalescos e convites para bailes fazendo alusão à gripe.”

“Quem não morreu na Espanhola?”. Foi o questionamento feito pelo escritor Nelson Rodrigues que durante a pandemia de gripe espanhola, tinha apenas 6 anos de idade. Depois de 49 anos, o dramaturgo  passou a escrever suas memórias em crônicas diárias para o jornal Correio da Manhã.

Assim como surgiu, a “Gripe Espanhola”, desapareceu. Chegada ao país em setembro de 1918, a gripe teria causado a morte de, segundo estimativas da época, 35 mil brasileiros em quatro meses, até que as mortes começaram a diminuir e, de repente, pararam.

“De repente, passou a gripe. Ninguém pensava nos mortos atirados nas valas, uns por cima dos outros. Lá estavam, humilhados e ofendidos, numa promiscuidade abjeta. A peste deixara nos sobreviventes, não o medo, não o espanto, não o ressentimento, mas o puro tédio da morte”, escreveu Nelson Rodrigues.

Fon-Fon, 8 de março de 1919.

Mesmo em contextos completamente diferentes, segundo o historiador Frederico Tomé, ainda assim é possível comparar os momentos que estamos vivendo com o de mais de 100 anos atrás. De acordo com ele, a falta de informações, os problemas no serviço de saúde e a insalubridade se repetem da mesma forma e, inclusive, se tornaram catalisadores para ambas as doenças.

“Existem momentos semelhantes. Primeiro a descrença e desinformação popular, a circulação de boatos de curas milagrosas,  que a doença foi enviada por alguma entidade. Nós tínhamos muita desinformação, não se acreditava no poder dessa doença, tínhamos uma deficiência no atendimento de saúde, o que mostrou a desigualdade social, já que, mesmo que o vírus não escolha entre ricos e pobres, a questão da insalubridade se torna um agravante para a mortalidade.”

A arte celebrou o fim da pandemia. Ouça música de Carmen Miranda

-Carmen Miranda escreveu essa música em 1938, em referência a gripe – ‘E o mundo não se acabou’

Ainda em relatos, Nelson Rodrigues conta que, antes da doença, a população era quase medieval e que o carnaval os transformou. “O comportamento do homem e da mulher até princípios de 1919 era medieval, feudal ou que outro nome tenha. Desde as primeiras horas de sábado, houve uma obscenidade súbita, nunca vista, e que contaminou toda a cidade (…). Eram os mortos da espanhola – e tão humilhados e tão ofendidos – que cavalgavam os telhados, os muros, as famílias”.

Saúde

Para o historiador e pesquisador da Fiocruz Luiz Antônio Teixeira, o maior legado deixado pela gripe no Brasil foi a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), em 1920. “No Brasil, a principal consequência da espanhola foi a percepção de que o sistema de saúde não era adequado, não era eficiente e a reforma, com o surgimento do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1920. Ele foi a primeira instituição de caráter nacional e que tentava levar a saúde para o interior e para áreas que não tinham essa atuação do Estado. Os debates do congresso para discutir a criação desse departamento colocava o problema da espanhola como motivo para reformar a saúde.”

Expectativas 

De acordo com Frederico Tomé, a sociedade atual, assim como há 100 anos, não está isenta de transformações e não há como voltar ao que um dia foi “normal”. “A sociedade não ficará imune à essas transformações, quando se fala na “volta ao normal”, é a volta para um “novo normal”, por que o mundo como nós conhecíamos antes de 2020 certamente será retomado com modificações.”

O historiador e sociólogo ainda acrescenta que muitas das atitudes que se tornaram realidade com a pandemia tendem a permanecer, como aulas online, home office e e-commerce. “A pandemia nos coloca frente à contingências e essas contingências nos dão caminhos alternativos a seguir. Podemos usar como exemplo as aulas online, que já era utilizadas antes da pandemia, mas que ganharam a simultaneidade, o home office e as próprias formas de consumo, que tiveram a ampliação do e-commerce. Essas são coisas que tendem a ficar no pós-pandemia e que vão afetar a sociedade de diversas maneiras”

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