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Brasília

Brasiliense supera limites e se forma em Pedagogia

Em entrevista ao JBr, o pedagogo contou que a vontade de ensinar Braille apareceu quando ele começou a aprender o sistema de leitura escrita para cegos

Larissa Galli Malatrasi

24/02/2020 11h14

pedagogo surdocego – Jose Ricardo foto : Samuel Falcao/IESB

Formou-se no início de fevereiro o primeiro pedagogo surdocego do Distrito Federal. O nome dele é José Ricardo Moura Moreira. Aos 41 anos – quase 42, como ele mesmo ressaltou –, José agora está mais próximo de realizar seu nobre sonho de vida: ser professor e poder alfabetizar as pessoas no sistema Braille.

Atualmente, José trabalha como revisor de Braille no Senado Federal, mas seu maior desejo é dar aulas. Em entrevista ao Jornal de Brasília, o pedagogo contou que a vontade de ensinar Braille apareceu quando ele começou a aprender o sistema de leitura escrita para cegos – quando ainda era criança. Isso porque, logo no primeiro ano de vida, médicos já advertiram a família de José que ele perderia a visão ao longo do tempo.

“A minha vida começou assim. Com aproximadamente um ano, eu comecei a andar e meus pais perceberam que eu tinha problemas de visão, porque eu esbarrava muito nas coisas. Eles me levaram em vários oftalmologistas, mas nunca explicaram muito bem qual era o meu problema. Aos nove anos fui diagnosticado com retinose pigmentar e o médico falou que eu perderia a visão com 15 anos, mas quando completei 14 eu já não enxergava mais”, relatou.

José estudou até os 13 anos no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (Ceedv), por isso, antes mesmo de perder por completo a visão, o rapaz já sabia ler e escrever em Braille.

Surdez

Mas os obstáculos a serem vencidos por José não param por aí. Próximo do diagnóstico da deficiência visual aos 9 anos, José pegou uma gripe com febre alta que afetou seu ouvido. Ele precisou fazer uma cirurgia para colocação de carretel e acabou perdendo 40% da audição.

“Os médicos não afirmam que foi negligência porque na família da minha mãe tem outros deficientes auditivos, então me falaram que podia ser um problema hereditário”, disse.

Desde os 13 anos, José escuta com ajuda de aparelhos auditivos – o que permitiu que ele saísse do Ceedv e se matriculasse em um colégio regular. O recém pedagogo estudou na rede pública do Distrito Federal nas regiões do Gama e Ceilândia, onde completou o ensino médio, aos 19 anos, e vive hoje com os pais.

Emprego

Sem condições de pagar por uma faculdade, recém diagnóstico com diabetes e com dificuldade em conseguir um emprego, José decidiu pedir o Benefício assistencial à pessoa com deficiência (BPC), que dava a ele o direito de receber um salário mínimo por mês, e se aposentou por invalidez.

Mesmo assim, José Ricardo não parou de buscar conhecimento. Fez cursos à distância para operador de câmara escura e de informática. Foi morar um tempo em São João do Rio do Peixe, com alguns familiares e depois decidiu voltar para Brasília. Sob influência de amigos, decidiu fazer o curso de revisor de Braille.

“Em 2006 comecei a fazer esse curso. porque um amigo falou que tinha uma vaga para auxiliar em Braile no Senado Federal. Terminei o curso e, como eu tinha um dos melhores desempenhos da turma, fiquei esperando o Senado me chamar. Confesso que não tinha muita esperança, mas em fevereiro de 2008 eu fui contratado e estou lá até hoje”, conta.

O trabalho mudou a vida de José Ricardo.

“Comecei a viver de verdade em 2008. Antes eu só ficava dentro de casa, não andava sozinho de bengala porque sentia medo. Não tinha nenhuma vivência. Hoje eu não tenho mais tanto medo e me considero mais independente”.

De fato: apesar das limitações, José já se desloca sozinho para o trabalho, anda pelo Senado e se graduou em pedagogia!

Ensino Superior

O pedagogo conta que entrou na faculdade por meio da nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em 2015, por sugestão de uma professora da escola onde havia estudado. “Fiz a prova e consegui passar. Mas se eu fosse estudar na Universidade de Brasília (UnB) ou no Instituto Federal de Brasília (IFB), eu precisaria sair do Senado, porque os cursos eram matutinos. Achei melhor, então, procurar uma faculdade privada para estudar durante a noite e descobri que no Centro Universitário IESB não tinha atendimento para cegos, mas tinha para deficientes auditivos. Fiquei animado e entrei para o curso de pedagogia”, relata.

Foram cinco anos dentro da instituição que representaram uma verdadeira superação para José Ricardo. “Foi uma trajetória de muita dificuldade e ao mesmo tempo uma experiência muito feliz. Os professores me ajudaram muito, eu mostrei que queria aprender e realizei um sonho que achava impossível. Apesar dos obstáculos, eu superei as barreiras e, na colação de grau, levantei o canudo como qualquer outro estudante”, comenta.

Agora, José Ricardo sonha com uma oportunidade para entrar no mercado de trabalho na área de educação. “Meu objetivo maior é exercer minha profissão e trabalhar como professor. Seja na rede pública ou privada, minha vontade é dar aula”, pontua. E ele não vai desistir: já até fez a inscrição para uma pós-graduação em educação inclusiva também no Centro Universitário IESB e aguarda formar turma para começar a especialização.Enquanto isso, ele segue trabalhando no Senado Federal e, no tempo livre, estuda para concursos.

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