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Brasília

Apesar da mudança de regras, golpes por empréstimo consignado continuam

Arquivo Geral

28/01/2019 7h00

Atualizada 31/01/2019 20h25

Foto: Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília-Cedoc

Ana Karolline Rodrigues
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O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) alterou, no último mês, as normas para concessão de empréstimo consignado, cedido a aposentados e pensionistas. O objetivo seria tornar mais rígido o controle sobre o crédito e “combater fraudes e o assédio comercial de bancos e financeiras aos segurados”. No entanto, golpes realizados por meio do empréstimo continuam sendo praticados contra aposentados. A Polícia Civil revela que esse tipo de crime chega às delegacias diariamente, e alerta que é preciso denunciar.

Maria Lúcia de Souza, 60 anos, foi uma vítima. Ela, que recebeu sua primeira aposentadoria no dia 3 de dezembro, descobriu que havia levado um golpe após notar um desconto de R$ 504 no benefício recebido. A moradora do Guará II contou que recebeu, no dia 22 de novembro do ano passado, ligações de várias instituições financeiras oferecendo empréstimo consignado.

“Esse povo que fica ligando me disse que minha aposentadoria tinha saído, mas nem eu sabia disso”, disse. Ela narra que após as ligações decidiu contatar o INSS para se informar sobre o benefício. “Liguei no INSS para ver se era verdade, e eles falaram que eu só iria receber a primeira parcela dos seis meses que eu havia ficado sem no dia 11 de dezembro. Informaram que era para eu ir ao Bradesco [banco que recebe aposentadoria]”, relatou.

Esperando receber seu dinheiro da aposentadoria no início de janeiro, Maria Lúcia notou que no dia 3 o valor mensal depositado veio com desconto de R$ 504, e foi então que procurou o INSS. “Lá, descobri que o Itaú BMG fez um empréstimo de R$ 18 mil no meu nome. Mas eu não autorizei, não assinei documento algum”, garantiu.

Bloqueio

Dentre as novas medidas impostas pelo INSS para dificultar golpes, está a proibição de que instituições financeiras efetuem qualquer atividade de marketing que tente convencer o beneficiário a firmar contratos de empréstimo pessoal e cartão de crédito, com pagamento mediante desconto direto na aposentadoria, pelo prazo de seis meses após a concessão do benefício.

Além disso, o Instituto também definiu que benefícios  para contratação de empréstimos serão bloqueados após 90 dias da concessão.

Assim, após esse período, a aposentadoria só pode ser desbloqueada, agora, para a contratação do crédito consignado, desde que o próprio aposentado, pensionista, ou representante legal providencie junto à instituição financeira o desbloqueio do benefício para a contratação do empréstimo.

De acordo com o INSS, caso o beneficiário detecte algum desconto indevido de consignado, como foi o caso de Maria Lúcia, deve fazer imediatamente uma reclamação à Ouvidoria Geral da Previdência Social, que repassará o caso para a Dataprev, órgão que efetuará o bloqueio imediato do desconto.

“Descobri que o Itaú BMG fez um empréstimo de R$ 18 mil no meu nome. Mas não autorizei, não assinei documento”.
Maria Lúcia de Souza, aposentada.

Como correr atrás do prejuízo

Diferentemente do que o Instituto Nacional do Seguro Social recomenda, a aposentada Maria Lúcia de Souza não foi orientada a fazer denúncia na Ouvidoria Geral da Previdência Social. No último dia 4, a moradora do Guará foi ao INSS, onde a informaram que ela deveria contatar o banco Itaú BMG para que fosse feito o ressarcimento do valor descontado em sua aposentadoria.

“(O INSS) falou que o empréstimo havia saído do Itaú BMG, e que eu deveria ir até lá. Lá no banco, me falaram que em 48 horas o dinheiro estaria na minha conta, mas ainda não foi depositado”, disse. “Agora, me ligaram falando outra coisa, que eu deveria enviar o histórico de consignação que recebi do INSS e esperar o retorno”, relatou.

No mesmo dia, 11 de janeiro, Maria Lúcia abriu um boletim de ocorrência na 4ª Delegacia de Polícia para registrar o empréstimo consignado feito em seu nome de R$ 18.051,93. Ela informou que iria procurar o Fórum do Guará para tomar providências jurídicas. “Eu não tenho conta nesses bancos, então vou atrás, sim, porque não autorizei nada disso”, reivindicou.

Procurar a polícia

Segundo a Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Ordem Tributária e a Fraudes (CORF), inúmeros casos de golpes como o que Maria Lúcia sofreu são recebidos diariamente.

De acordo com a  diretora da divisão de fraudes do órgão da Polícia Civil do DF, Isabel de Moraes, este tipo de situação ocorre quando fraudadores obtêm dados de outra pessoa de forma indevida, apresentam documentos a instituições financeiras e abrem uma conta corrente no nome da vítima. “A  gente recebe inúmeros golpes desse tipo, empréstimos consignados que são feito em nome de uma pessoa em contas que ela sequer abriu”, contou. “Às vezes, o documento [que o banco recebe] até é verdadeiro, mas os dados que estão nele são falsos”, relatou Isabel.

Ela explica que as vítimas de golpes desse tipo devem primeiramente procurar a polícia e, em seguida, seu banco, para tentar bloquear o empréstimo.
“A vítima deve procurar a delegacia da área dela e o banco. Às vezes a instituição consegue bloquear e buscar dados da pessoa que fez a movimentação”, disse. Além disso, ela orienta que aposentados em situações como a de Maria Lúcia também procurem o banco em que o empréstimo foi feito para tentar receber um estorno do valor descontado.
“Alguns bancos quando percebem a fraude estornam o dinheiro, mas varia, depende do relacionamento com a vítima”, destacou.

Diretora da divisão de fraudes da Polícia Civil, Isabel de Moraes diz que “às vezes, o documento até é verdadeiro, mas os dados que estão nele são falsos”. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília.

Vítimas até mesmo de familiares

De acordo com a defensora pública Liana Lidiane Pacheco, a Defensoria Pública Federal recebe diversos casos de golpes a aposentados e pensionistas.
Ela reforça que a primeira coisa que uma vítima deve fazer ao perceber o ocorrido é registrar um boletim de ocorrência, tirar cópia do documento e apresentá-lo ao banco e ao INSS.

Segundo Liana, esse procedimento deveria ser suficiente para o estorno do valor retirado da aposentadoria da vítima.
No entanto, a defensora pública afirma que não é o que ocorre na maioria dos casos. “Pela nossa experiência, sabemos que não acontece nada. Então, o aposentado já deve procurar a gente, já partir para o judiciário, porque no âmbito da Justiça Federal podemos pedir esse estorno”, orientou.

Por telefone

Liana explica que a Defensoria lida com casos de aposentados que são vítimas até mesmo de próprios familiares.

“Muitas vezes o idoso passa senha e dados para pessoas do convívio, que fazem o empréstimo. Tem instituições que oferecem empréstimo por telefone, então familiares que têm esses dados atendem essas ligações e facilmente passam as informações”, revelou.

Segundo a defensora pública Liana Lidiane, o boletim de ocorrência não é garantia de estorno do desconto indevido.

Crime contra idoso

Segundo a defensora, no caso da vítima ganhar na Justiça o caso contra o INSS/agências bancárias, as instituições podem ser condenadas a danos morais e terão que recompensar o beneficiário.

“Eu acredito que isso deve ser considerado não só crime patrimonial, mas também um crime contra o idoso, porque é tipificado, atenta contra a vulnerabilidade do idoso. Essas instituições de empréstimo atentam contra pessoas que às vezes têm até dificuldade de locomoção”, completou.

“Quando comprovado que houve culpa, então, a instituição pode ser condenada a danos morais, mas o que o aposentado mais quer é que paguem o dinheiro dele”, finalizou a defensora.

Saiba Mais

O Jornal de Brasília procurou o Itaú BMG e o INSS para informações sobre o caso de Maria Lúcia. O INSS não respondeu a demanda. O Itaú, por sua vez, não prestou esclarecimentos a respeito do golpe sofrido pela aposentada, mas se manifestou com informações gerais sobre o assunto. Confira a nota enviada à reportagem, na íntegra:

“O Itaú Unibanco orienta que, antes de efetivar qualquer tipo de contratação, os clientes verifiquem por meio dos canais oficiais do banco se o representante é autorizado.
Além disso, os clientes nunca devem depositar ou transferir valores adicionais para contas de terceiros ou pagar boletos que não reconhecem a procedência.
O cuidado com as senhas é um ponto de atenção. Elas são pessoais e intransferíveis, e não devem ser fornecidas ou anotadas em locais de fácil acesso por terceiros. Assim, evita-se que sejam usadas por pessoas de má fé.
O banco também recomenda que os clientes evitem informar dados pessoais para desconhecidos, fora dos canais oficiais de relacionamento.
Caso seja identificado o uso indevido dessas informações, deve-se registrar um boletim de ocorrência e comunicar aos órgãos de proteção ao crédito (SPC e Serasa).
O Itaú reforça que nunca envia e-mails com links. Caso receba alguma comunicação desse tipo, o cliente deve apagar imediatamente.
E, caso haja qualquer dúvida ou desconfiança, o banco recomenda que a contratação do crédito não seja efetuada.
Para dúvidas, todas as informações oficiais do Itaú Unibanco podem ser encontradas no site institucional (www.itau.com.br) ou pelo telefone 0800 724 21 02.”

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