Quando a vida apresenta dificuldades nada melhor do que contar com uma mão amiga ou com a família. Mas e quando o simples ato de existir apresenta desafios ainda maiores para pessoas com deficiência neurológica e física, especialmente quando os recursos necessários para garantir sua dignidade, bem-estar e desenvolvimento são escassos e elas não encontram apoio emocional de ninguém? Especialmente no Brasil onde a acessibilidade, saúde, educação e inclusão social são barreiras quase intransponíveis.
A Vila Pequenino Jesus é uma instituição beneficente que surge como refúgio para muitas destas pessoas que foram esquecidas ou ignoradas pela sociedade. Localizada no Lago Sul, a entidade tem como missão atender 104 crianças, jovens e adultos com deficiências severas, 30 em estado vegetativo, promovendo não apenas a sobrevivência, mas também a qualidade de vida e o respeito pela individualidade de cada um.
Elas são atendidas por 150 profissionais que proporcionam acolhimento, amor e cuidados essenciais. E quem lidera esse pelotão do bem é o petropolitano Jorge Eduardo Deister, o coordenador-geral da entidade. Dos 50 anos de idade, Jorginho, como é mais conhecido, dedicou os últimos 15 anos à administração da Vila do Pequenino Jesus.
“Eu e a minha então namorada Cássia, hoje esposa e mãe dos meus dois filhos, mantínhamos uma casa de acolhimento para especiais em Petrópolis (RJ). Um casal de Brasília soube do nosso trabalho e foi até lá nos convidar para vir para a capital federal e abrir a Vila Pequenino Jesus. Como marceneiro eu tinha 30 funcionários na minha empresa e a Cássia era fisioterapeuta. Largamos tudo, deixamos nossa família, uma vida estável e aceitamos o convite porque desejávamos fazer algo mais para Deus”, conta Jorginho como chegou a Brasília, em 2009 para montar a Vila Pequenino Jesus.
Para ficarem mais próximos dos acolhidos, Jorginho e a família decidiram morar na Vila. Marceneiro de formação, ele se orgulha de ter construído muitos móveis e por ser um dos responsáveis pela manutenção. É dele também a atribuição de administrar o local financeiramente e fazer contatos com apoiadores para não deixar faltar nada aos moradores.
Já Cássia, tem a missão de cuidar da parte clínica dos acolhidos que, segundo Jorginho, para serem aceitos na Vila, precisam apresentar tanto a deficiência física quanto a neurológica e não tenham recursos econômicos. Eles aceitam crianças, jovens e adultos. A triagem é feita em conjunto com a rede dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) do Governo do Distrito Federal (GDF), que mantém convênio com a Vila. E, segundo ele, a fila de espera é enorme.
Família
Para o ex-agricultor Bruno Pereira, 28 anos, que ficou tetraplégico depois de sofrer um acidente de trabalho, a Vila Pequenino Jesus é como um lar e todos lá são como uma família.
“Fiquei hospitalizado por um ano e seis meses depois que o telhado de um galpão desabou. Minha família tinha dificuldades para me manter e aí decidimos procurar a Vila. Aqui é um lugar de paz e todos eles nos tratam com muito amor e respeito, como família. Sou muito feliz porque sou bem cuidado e bem tratado aqui”, afirma o goiano de Jaciara.
O enfermeiro Jonatan Vieira Lima, 26 anos, trabalha na Vila há um ano e quatro meses e concorda com o colega e paciente. “Só queria mudar de emprego quando cheguei aqui, mas ganhei uma outra família”. Segundo ele, a rotina é muito corrida e há muita responsabilidade, mas trabalhar na Vila é uma lição de vida. “Quando eu comecei a trabalhar aqui passei a perceber jovens da minha idade totalmente dependentes para fazer tudo e, alguns, com vínculos familiares fragilizados. A minha forma de ver vida mudou completamente e passei a dar mais valor ao momento, ao agora”, conta o morador de Taguatinga Norte, com os olhos marejados.
O alto custo dos tratamentos médicos e medicações, o pagamento de uma grande equipe multidisciplinar, além da alimentação, higiene, abrigo e a manutenção das sete casas que compõem a Vila estão entre os maiores desafios que os administradores encaram para manter a obra. O local, bem arborizado e arejado, oferece um ambiente acolhedor, atividades terapêuticas e sociais e, inclusive, uma fábrica de fraldas onde, além dos próprios colaboradores, voluntários ajudam para suprir o uso diário de 700 fraldas.
Uma vez por mês, a Vila recebe dezenas de pessoas para ajudar na fabricação das fraldas. No dia 14 de dezembro, das 9h ao meio-dia, acontecerá o último mutirão do ano. “Sempre precisamos de uma força a mais para darmos conta da demanda que é altíssima. Por isso, montamos a fábrica aqui mesmo na instituição. Estão todos convidados”, pontua Jorginho.
A manutenção da Vila depende de doações e parcerias, o que exige um esforço contínuo para garantir a sustentabilidade da instituição e a assistência às pessoas que ali vivem. Cada avanço conquistado é fruto de muita dedicação, solidariedade e fé de cada profissional. Além do convênio com o GDF, que garante o pagamento dos profissionais e os encargos trabalhistas, a Vila conta com apoiadores frequentes e eventuais que acreditam na empatia e no poder do amor ao próximo. “Costumo dizer que não recebemos visitas. A pessoa que vem aqui é que é visitada por Deus”, acrescenta.
Diante de um homem que dedicou metade da vida às obras sociais, a reportagem quis entender as razões que motivam Jorginho na missão de ajudar o próximo. E perguntou ao homem de estatura média de cabelos lisos e grisalhos, simpático, bem articulado e que há 15 anos presencia de tão perto a vida e a morte com a mesma intensidade, o que significa a vida para ele:
“A vida para mim é o hoje. Muita gente atualmente se preocupa com o passado ou com o futuro, que pode não existir, e esquecem de viver o momento, o agora. E, com o meu trabalho, convivi com muitas pessoas que já faleceram e confirmei, na dor da prática, que todos somos iguais, independentemente de cor, classe social, gênero, religião. Todos vamos perecer. Deixemos de lado a estética, o material e vamos ligar mais para as nossas famílias e para os nossos amigos hoje. Vamos pedir perdão e perdoar hoje. Vamos ser mais tolerante com o próximo hoje. Porque o amanhã pode não chegar”, ensina.
O exemplo da Vila Pequenino Jesus nos lembra da importância de olharmos para os mais vulneráveis da sociedade com empatia e responsabilidade. Afinal, a superação das dificuldades enfrentadas por essas pessoas só é possível quando trabalhamos juntos para construir um mundo mais inclusivo e justo.
Para ajudar:
- 1/12 – 12 Feijoada da Vila (ingressos limitados)
- 14/12 – Mutirão de fraldas
Contato:
Jorginho – (61) 98140 0198
Instagram – @vpjesusoficial