Grace perpetuo
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O mundo está mesmo mudando, caro leitor – e nem sempre para pior. Mas é preciso ficar atento e forte; não temos tempo para contar com a sorte, mais.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Food and Agriculture Organization of the United Nations/FAO), seremos 9,8 bilhões de pessoas no mundo em 2050 – ou quase 30% a mais do que somos agora. Esse crescimento ocorrerá com mais intensidade em países em desenvolvimento como o Brasil – e, para alimentar essa população cada vez maior, evidentemente, a produção de alimentos deverá aumentar em 70%, segundo a FAO.
Aumentar a produção agrícola convencional é uma aparente solução – mas já sabemos o quanto ela pressiona a base de recursos naturais da região que produz, causando a disrupção de delicados equilíbrios naturais e a eventual extinção de fauna e flora locais e outras catástrofes. Sabemos que esse não é o único caminho.
“É mato porque não está no prato”
Ao redor do mundo, suaves respostas vão surgindo ao paradoxo de produzir mais enquanto menos se devasta. Por exemplo: de modo sutil mas crescente, a agricultura convencional vai cedendo pequenos espaços a modos alternativos de cultivo, como a produção orgânica. O slow food ensina a valorizar o produto, o produtor e o meio ambiente; a comer e o que é local, artesanal, culturalmente parte do pedaço de mundo em que se nasce – feito com amor por mãos que não estão preocupados com o lucro, mas com o sabor, a nutrição, a qualidade, a sustentabilidade, o bem-estar de quem come e de quem produz.
Em meio ao frescor dessas novas formas de pensar a produção e o consumo de alimentos, cresce [como mato] ao redor do mundo [e em Brasília] a paixão em torno das plantas alimentícias não-convencionais – carinhosamente apelidadas de PANCs.
Como diz o nome, as PANCs são mato: crescem livres, soltas; não precisam de quase nada para crescerem de forma abundante, verdejante, no lugar que lhes é natural. Qualquer planta que deixa de ser consumida passa a ser PANC; qualquer PANC que passa a ser consumida deixa de ser não-convencional. (É o caso da convencionalíssima rúcula, por exemplo.)
A ideia de consumir PANCs não é nova; ao contrário: com o tempo, deixamos de adicionar taioba, bertalha, ora-pro-nobis e joão-gomes (todas PANCs), por exemplo, aos nossos pratos – coisa que nossos avós faziam de forma corriqueira, buscando no quintal ingredientes para acrescentar valor, sabor e beleza a seus pratos.
Das milhares de plantas que são endêmicas ao Brasil megadiverso, porém, hoje consumimos uma ínfima parte.
Essa realidade está mudando, principalmente entre os mais jovens, visionários herdeiros de um planeta que vem há décadas sendo devassado.
“Agregar valor”
“Eu quero mudar vidas”, diz a engenheira agrônoma brasiliense Danielle Ribas, 26, “Quero mudar a cabeça das pessoas, mostrar a elas o quanto as PANCs são fáceis de cultivar – em qualquer espaço – e gostosas de comer.”
Danielle pôs mãos à obra: ao lado do namorado igualmente idealista – o estudante de Administração Rodrigo Ramalho, 20 -, fundou em novembro de 2018 a empresa Mato de Comer. “Queríamos agregar valor a produtos que já existem”, explica.
A quatro mãos, então, Danielle e Rodrigo passaram a produzir a quatro mãos as deliciosas geleias e pestos com PANC da Mato de Comer – ao mesmo tempo ensinando os pequenos fornecedores locais a valorizarem o mato comestível que se espalha por suas plantações e os consumidores finais, nas feirinhas de Brasília, a comerem plantas que estavam caindo no esquecimento.
No momento, Danielle e Rodrigo acrescentam a seus produtos cumaru, capuchinha, lanterna-chinesa e ora-pro-nobis. A tendência, garantem, é usar PANCs locais, do cerrado – “que desmatamos, que não valorizamos”, lamenta Danielle -, como os quase desconhecidos melão cruá, araça e coquinho do cerrado, por exemplo.
O projeto é permeado por outras ideias igualmente lindas [como o não-uso de plásticos em todo o processo de produção e comercialização] que prometem, de fato, mudar o mundo – e já cresce a passos largos a bordo do crescente discernimento.