A classe média não para de crescer. Pelo menos é o que apontam estudos de âmbito nacional. No entanto, a delimitação dessa parcela da população está cada dia mais abrangente. No DF, há situações que colocam essa divisão de classes em xeque. Sob o conceito do Governo Federal, por exemplo, 51,8% dos moradores da Estrutural são de classes média e alta.
Estudos da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), baseados em parâmetros referentes à renda, demonstram que os critérios adotados pela presidente Dilma Rousseff não refletem a realidade do DF, como no caso da Estrutural.
A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) delimita que, no Brasil, pertencem à classe média (C) os que apresentam renda familiar per capita (por pessoa) entre R$ 291 e R$ 1.019. Acima disso está a classe alta (A e B). Contudo, técnicos da Codeplan questionam a leitura de que a classe trabalhadora está se transformando em classe média. Isto para eles seria superestimar as reais condições de vida da população.
Morador da Estrutural, Jeremias José dos Santos, 74 anos, não sabia, mas é considerado uma pessoa de classe média. O aposentado, surpreso com o dado, rebate: “Por quê? Eu mal tenho uma casinha para morar”, relata. Ele sobrevive com renda de R$ 668 mensais. “Sou viúvo, não tenho carro nem plano de saúde, meus móveis são todos de segunda mão. Não acredito que seja assim que vivem as pessoas da classe média!”, dispara.
Segundo os dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad/2011) esta mesma população de classes média e alta da Estrutural sequer cursou o Ensino Fundamental. Apenas 32,3% dos domicílios têm carro na garagem.
“Provavelmente, estes veículos são de marcas populares, com mais de dez anos de uso e que, em sua maioria, ficam um bom tempo na residência por falta de recursos para abastecê-los com frequência. Como proceder diante desta realidade? Não dá para dizer que essas pessoas vivem um padrão classe média”, considera Júlio Miragaya, presidente da Codeplan.
A professora Vanda Ribeiro, 35 anos, sonha em trocar o carro da garagem por um modelo mais novo. “Há cinco anos, compramos um, e até hoje não tivemos condições de trocar. Ás vezes até o combustível é difícil”, explica. A renda familiar de R$ 2,8 mil para o marido e dois filhos não dá nem para colocar as crianças em escola particular. “Nós dependemos totalmente dos serviços públicos. Estamos construindo nossa vida aos poucos”, destaca.
Quanto à posse de outros bens, também definidores da condição de classe média, as diferenças são grandes ao se comparar dados entre as regiões. Na Estrutural, por exemplo, 41,5% possuem máquina de lavar; 36,2% têm linha telefônica fixa; e 33,7% possuem forno de micro-ondas. Já em Brasília, Águas Claras, Cruzeiro e Guará oscilam entre 80% e 95%.
Na casa do garçom Osiel Lucindo Ferreira, 35 anos, a renda per capita é de R$ 300. Ele é casado e tem um filho. “Nunca fui da classe média. Se eu fosse, realmente, eu moraria em um lugar onde os serviços públicos eram melhores. Até o meu carro que está batido, eu não tenho dinheiro para arrumar, ainda por cima é um ágio. Que classe média é essa que não tem dinheiro mal para sobreviver?”, brinca.
Ele conta que a realidade é outra. “Não temos móveis bons, nem computador com internet, muito menos um bom emprego”, diz.
O estudo da Codeplan busca chamar a atenção para o risco de superestimar o tamanho da classe média. O resultado, segundo a companhia, poderia ser uma pressão para a redução do atendimento pelo Estado das demandas por bens públicos ofertados à população mais pobre.
Esta é uma discussão interessante, pois busca contribuir com as políticas públicas. Queremos demonstrar que os serviços públicos não devem ser diminuídos e sim melhorados”, explica Júlio Miragaya, da Codeplan.
De acordo com a companhia, aplicando-se os parâmetros federais ao Guará, que o senso comum aponta como um região tipicamente de classe média, os resultados também são surpreendentes. “Nada menos que 63,6% dos moradores são classificados como classe alta. Este percentual é mais de duas vezes superior ao dos classificados como classe média, 31,4%”, diz.
O economista e professor pela Universidade de Brasília (UnB) Dércio Munhoz analisa a questão da distribuição de renda como algo preocupante. “Se 40 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza, como estão vivendo estas pessoas? Que transformação foi essa? É adequado este enquadramento de renda para se definir a qual classe pertenço?”, questiona.
O aposentado Jaime Luis da Costa, 73 anos, considera que a pobreza não diminuiu. “Até agora eu não saí dela. Mal conseguimos pagar as contas de água e luz, quanto mais serviços privados. Eu não sinto que nada tenha melhorado em termos de renda. O único bem que tenho é a minha casa e uma bicicleta velha. Isto não é um bom padrão de vida”, classifica. A renda familiar é de R$ 678 para ele e a esposa.
Na Estrutural, em relação ao acesso a bens e serviços da atualidade, apenas 6,1% dos domicílios têm televisão de plasma/LCD; 3,7% notebook; 1,4% TV por assinatura; e 0,4% empregada doméstica. Em localidades como Brasília ou no Jardim Botânico, esses percentuais chegam a 85%.