Ceilândia, território histórico do Hip Hop no Distrito Federal, recebe ao longo do mês de dezembro o projeto Conexões Urbanas, iniciativa que transforma nove paradas de ônibus em espaços de arte e afirmação identitária. Idealizada pela artista e educadora Tainã Fulô, a ação ocupa o espaço público com murais em graffiti que articulam feminino, ancestralidade e biomas brasileiros a partir de uma perspectiva afrocentrada.
As intervenções estão distribuídas pelas regiões da Ceilândia Sul, Ceilândia Centro, P. Sul e P. Norte, criando um percurso simbólico que dialoga com o cotidiano da cidade. Cada parada se torna um ponto de encontro entre memória, território e identidade negra — população majoritária da região, que representa 58,3% dos moradores, segundo dados da PDAD 2023.
O projeto conta com apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), principal mecanismo de fomento da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal.
Graffiti como continuidade da caminhada negra
As obras nascem do diálogo direto entre a artista e o território onde ela se formou. Para Tainã Fulô, Ceilândia não é apenas cenário, mas linguagem, matriz de consciência e espaço pedagógico do Hip Hop. Essa leitura se conecta às bases panafricanas que deram origem ao movimento, historicamente associado à afirmação da dignidade, da ancestralidade e da resistência nas periferias negras.
“Pintar na Ceilândia é dar continuidade a uma caminhada que já existe. É dialogar com o território e com quem constrói a cidade todos os dias”, afirma a artista.
Inspiradas em biomas como o Cerrado, as figuras femininas retratadas nos murais surgem como guardiãs do território. Mulheres reais — mães, vizinhas — se misturam a divindades e arquétipos africanos kushitas e kemitas, criando uma mitologia própria que atravessa espiritualidade, cuidado e força criadora.
Segundo Tainã, a recepção do público é ainda mais intensa em territórios periféricos. “A comunidade se reconhece nas imagens. Elas carregam cor, raiz, brilho e pertencimento”, destaca.
As pinturas permanecem nos pontos de ônibus até que novas intervenções sejam realizadas pelo poder público.
Oficina promove arte urbana e heranças africanas
Além das intervenções urbanas, o projeto inclui a Oficina Adinkras & Stencil – Arte Africana na Rua, conduzida por Tainã Fulô no dia 13 (sábado), às 14h, na Casa de Cultura Kaluanã, no Mercado Sul Vive, em Taguatinga. A atividade é gratuita e aberta a pessoas interessadas em arte urbana, cultura negra e educação visual.
Durante a oficina, a artista apresenta os Adinkras, símbolos filosóficos e espirituais dos povos Akan, de Gana, contextualizando suas permanências na diáspora afro-brasileira e no Hip Hop afrocentrado. Em seguida, os participantes experimentam o stencil como linguagem urbana, criando suas próprias matrizes e estampas.
O encontro culmina na produção de um painel coletivo, com uso de tecidos, spray e stencil, formando uma colagem visual que celebra ancestralidade, território e criação comunitária.
As vagas são limitadas, e as inscrições devem ser feitas por meio de formulário online.
Sobre Tainã Fulô
Mãe, arte-educadora e grafiteira, Tainã Fulô integra as primeiras gerações do graffiti feminino no Distrito Federal. Com 16 anos de atuação, é uma das pioneiras da cena em Brasília e fundadora da Minas na Rua Crew (MNR), uma das primeiras crews femininas da capital.
Formada em Artes Plásticas e especialista em História da África e da Diáspora Atlântica, teve seu primeiro contato com o graffiti em 2008, em Ceilândia, território profundamente marcado pela cultura Hip Hop. Foi nesse contexto que desenvolveu a relação com a arte urbana que se tornaria o eixo central de sua trajetória artística e pedagógica.