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Brasília

“Por que proibir vacina em plena pandemia?”

O advogado e empresário João Paulo Todde tem transformado a possibilidade de compra privada de imunizantes numa bandeira

Rudolfo Lago

30/03/2021 18h12

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

A primeira decisão liminar favorável à possibilidade de aquisição particular de vacinas no país foi obtida a partir da ação do escritório do advogado João Paulo Todde. A liminar beneficiava o sindicato de Brasília que representa os motoristas de aplicativo. Também empresário, Todde tem transformado a possibilidade de compra privada de imunizantes numa bandeira. Ele agora representa ações no mesmo sentido do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis), do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário (Sindijus) e da Confederação dos Dirigentes Lojistas. Somando os beneficiários diretos e suas famílias, trata-se de um universo de cerca de 10 milhões.

“Se deixarem, em 30 dias teremos mais pessoas vacinadas do que todas as que foram até agora vacinadas pelo Estado”, diz o advogado. Para ele, diante da inação vista até agora pelo Estado, torna-se inócua a discussão se tal ação é socialmente injusta. “Não é verdade que o Estado esteja fazendo o seu trabalho. O Estado está atrapalhando quem deseja fazer o seu trabalho”, diz ele, nesta entrevista ao Jornal de Brasília.

Depois da primeira decisão obtida por seu escritório, favorável ao sindicato dos motoristas de aplicativo, como vem se desenvolvendo a discussão a respeito da possibilidade de aquisição particular de vacinas?

O ponto fulcral dessa discussão é o direito individual, jusnaturalista, que advém da relação humana de poder proteger a si mesmo. A própria Constituição traz essa questão claramente, no artigo 5º da Constituição, que é cláusula pétrea, que determina que todos têm direito à vida. A palavra direito deve ser aqui muito bem interpretada. A Constituição federal é uma amarra, é uma cinta, para os poderes do Estado. Um limitador. O cidadão tem não apenas o direito à vida, como o dever de autoproteção da sua vida. Por exemplo, quando você comete um homicídio em legítima defesa, você tem uma exceção, justamente porque você tem o dever de proteção da sua própria vida.

E como essa discussão nos leva à questão das vacinas?

Há pelo menos 140 anos nós vacinamos as pessoas pela iniciativa privada. Nunca houve, mesmo nos processos pandêmicos passados, alguma restrição de aquisição por meio da iniciativa privada. Aliás, pelo contrário. Se nós estamos falando hoje da existência de vacinas é porque os grandes laboratórios, que são privados, investiram seus recursos, investiram capital para poder ter em tempo recorde a constituição de vacinas. Por que então, no Brasil, em meio a essa pandemia, têm sido criadas restrições para a iniciativa privada fazer as aquisições quando, demonstradamente, se houvesse uma parceria, a iniciativa privada teria tanto a oferecer? Nós tivemos diversos grupos de empresários brasileiros tentando colaborar com o governo brasileiro e os governos estaduais no sentido de viabilizar uma logística plausível para no menor tempo possível vacinarmos o maior número de pessoas. Não existe nenhuma razão lógica para se constituir uma lei contrária a isso.

É daí que o senhor resolveu se mover?

Na verdade, antes da lei eu e meus sócios resolvemos nos mover no sentido de batalhar judicialmente para conquistar um direito básico de qualquer indivíduo para a iniciativa privada conquistar a aquisição desses imunizantes para si e seus familiares.

Mas isso seria socialmente justo? Permitir que grupos com recursos se vacinassem em detrimento da população?

É o argumento que se colocou. “Querem fular fila”. “É um processo elitista”. “Quem tem dinheiro vai poder se vacinar, quem não tem não vai se vacinar”. São tantos achismos, tantas manifestações de pensamentos tão pequenos que precisamos aqui criar uma retórica para falar o óbvio. Vai haver imunizante para todos. Existe hoje um excedente de imunizantes no mundo. E há excedentes porque a esteira de produção privada ela não se sub-roga da iniciativa pública. Quando o Estado quer comprar algo, ele precisa passar por uma discussão pública de manifestação de vontade, depois se reserva esse capital, depois se empenha desse capital, para, no final, depois de tudo comprado e contratado fazer a realização do pagamento. Só a partir deste momento é que a empresa, o laboratório, começará a produzir os imunizantes adquiridos. Depois do efetivo pagamento. Na iniciativa privada, não. A esteira de produção de vacinas pela iniciativa privada já é um ato de investimento. As empresas produzem para atender a um mercado que elas já sabem que existe e que necessita daquele produto. Por isso, as produções são independentes e temos imunizantes para serem adquiridos sem concorrência do Estado.

Então, por que no Brasil nós ainda não temos imunizantes?

Porque, primeiro, o Estado não comprou quando deveria. Segundo, ao comprar, não pagou quando deveria. E, terceiro, num processo de discussão político-ideológica, ficou debatendo qual vacina iria comprar ou não. Essas discussões passam ao largo do interesse da iniciativa privada. Nós não nos preocupamos com qual é o tipo da vacina. Nós nos preocupamos se o efeito que se requer dela está comprovado ou não. E a partir daí o processo de compra é muito mais simples. É individualizado. É uma escolha individual e a aquisição é direta.

E quanto à questão social, vacina para quem tem dinheiro?

Essa é uma discussão que se deve fazer. Ela está na mente popular. Mas isso não acontece de forma alguma. Se não há concorrência na aquisição de imunizantes, e a única razão que haveria de evitar que o poder econômico faça se sobrepujar à vontade social seria se eu só tivesse uma única esteira de produção. E não é essa a verdade. Nós temos diversos laboratórios mundialmente reconhecidos, todos vinculados à Organização Mundial de Saúde (OMS), todos com suas comprovações de eficácia a partir de organismos competentes nos seus países de origem. É como um celular é fabricado. Quem vai ficar com o celular é quem vai comprar o celular. Enquanto no Brasil se discute tudo isso com um viés político, ideológico, essa lógica é quebrada. Não faz sentido nós termos aqui imunizantes que estão disponíveis no mundo e aqui não são ofertados. Não faz sentido eu ser impedido de ter acesso a um imunizante porque o Estado não o detém, não o possui. Uma outra questão é que o Plano Nacional de Imunização não está prevendo questão de classes sociais. O plano traz um preceito de idade e portadores de comorbidades. E alguns grupos sociais como os profissionais de saúde. E esses critérios, na minha avaliação, não fazem sentido.

A lógica, no caso, parece ser imunizar primeiro quem tem maior risco de contrair a doença na sua versão mais grave, o que tornaria maior a demanda por hospitais e UTIs…

A meu ver, a prioridade deveria ser dada àqueles que têm mais risco de exposição ao vírus. Porque essas pessoas é que são os vetores principais do vírus. São jovens. São as classes produtivas. O jornalista, por exemplo, está nas ruas. Os motoristas de aplicativo. Os garis. Os policiais. E essas pessoas, sabe-se lá Deus quando serão vacinadas. Nesse processo, se destrói a economia, que é quem viabilizar o Estado brasileiro. E há hoje mesmo um questionamento quanto a se as pessoas mais idosos são mesmo mais suscetíveis às formas mais graves da doença que os mais jovens.

A verdade é que não se sabia muito sobre a doença. Hoje, diversos estudos já falam que a resistência maior ou menor ao vírus se dá pela própria capacidade imunológica de cada indivíduo. Quando, porém, essa capacidade imunológica é bombardeada constantemente pelo vírus, ela cai. Além disso, se as pessoas idosas ou com comorbidades têm maior suscetibilidade, essas pessoas já estão em casa. E essas pessoas possuem filhos. E esses filhos estão nas ruas. Então, os filhos vão para a rua trabalhar. Eles se contaminam. Voltam para casa e contaminam os demais. Eu tenho familiares e amigos que viveram tal situação. Se a gente observar países que inverteram essa ordem, tiveram bons resultados.

Preservaram melhor a sua estrutura econômica e garantiram uma preservação mais rápida. Podemos falar da República Dominicana, Finlândia, Israel, Suíça. Claro, demograficamente são infinitamente menores que o Brasil. Mas obtiveram resultados que, dentro da razoabilidade, preservaram a vida e o mercado conjuntamente. Uma das bases mais importantes de um país é a econômica. Quando você tem um país arruinado economicamente, você não tem condições de combater qualquer outro tipo de doença. Aí, eu me pergunto, a quem beneficia esse estado pandêmico que o país vivencia?

Beneficia a alguém?

Nunca houve tanto gasto público sem burocracia, sem fiscalização, na história do Brasil. Nem quando não existia a Lei de Licitações. O gestor brasileiro assumiu o controle total do capital. Não apenas o presidente, mas todos os governadores e todos os prefeitos. Não é à toa que alguns governadores gastaram bilhões na aquisição de equipamentos que não estão sendo utilizados. Porque não há leitos disponíveis para usar os equipamentos. É uma inversão absurda da lógica, da racionalidade.

Toda essa discussão sobre a aquisição particular de vacinas passa pela própria inação do Estado? Se esse processo estivesse acelerado, haveria essa discussão?

Certamente, nenhum cidadão brasileiro estaria hoje promovendo, gastando tanto recurso particular para abrir essa discussão se essa discussão fosse inócua. Se nós estivéssemos em um processo em que efetivamente a vacinação estivesse avançada, se tivéssemos um compromisso político de nossos representantes de adquirir as vacinas tempestivamente.

Quando o governo trabalhou a possibilidade de aquisição pela iniciativa privada, colocou como condição a doação para a saúde pública. Como o senhor avalia essa pré-condição?

Quando você fala em doação, isso é ato inerente da iniciativa individual. Se você fala em doação, mas obriga, não é doação. É confisco. O Estado brasileiro reprime o confisco. Nossa legislação preserva o patrimônio privado. Eu tenho que doar porque eu quero. Não porque sou obrigado. Você quer saber como se poderia imunizar rapidamente o país inteiro? Eu conheço diversas empresas que são gigantes. Se esses gigantes imunizassem rapidamente seus funcionários de forma direta, rápida, logística, eles estariam automaticamente ajudando o Brasil, preservando o Sistema Universal de Saúde (SUS) e preservando o mais humilde, o mais necessitado. O SUS foi criado para ajudar a quem precisa do SUS, porque o Brasil tem proporções continentais.

Mas um sistema universal não é para todos?

Será que está mesmo sendo assim? Quando começou a vacinação aqui no Distrito Federal, eu saí para ver os postos de vacinação. Eu só vi carro. Eu não vi pessoas chegando de ônibus. Será que as pessoas de 70 anos mais humildes tiveram de fato a mesma condição de pegar o ônibus e se deslocarem aos postos de vacinação que essas pessoas que para lá foram de carro? E se essa pessoa tem a condição financeira de ter um carro, pagar o litro da gasolina a R$ 6, será que ela não teria condição de pagar pela vacina? Será que não se deveria deixar o público cuidar de quem precisa? Não é verdade dizer que o Brasil está fazendo o seu trabalho. O Brasil está atrapalhando quem deseja fazer o seu trabalho.

Do ponto de vista judicial, qual a sua expectativa? Quantas ações o seu escritório já moveu?

Já movemos mais de sete processos que, juntos, totalizam mais de 10 milhões de pessoas. Se o Estado não atrapalhar, nós vamos imunizar mais pessoas em 30 dias do que o Estado inteiro nos últimos três meses. Estou muito feliz em perceber que outros colegas em outras regiões tenham também conquistado esse direito. É importante publicizar isso.

É importante promover esse debate. Eu, por diversas vezes, fui vacinado por laboratórios privados. Meus filhos foram vacinados por laboratórios privados. Quem não foi vacinado por laboratório privado. Por que justamente no meio de uma pandemia tão grave isso fica proibido?

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