O secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal, Marcelo Vaz, é o entrevistado da primeira edição do JBr Entrevista — o podcast do Jornal de Brasília. Em conversa com o repórter Suzano Almeida, o chefe da pasta falou sobre quais as medidas estão sendo tomadas para a redução do déficit habitacional, de cerca de 100 mil unidades. Vaz destacou o planejamento para a criação de novos bairros para as diversas faixas de rendas e a regularização de terras. Por fim, ele falou sobre os próximos passos da sanção e regulamentação do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCub), suas polêmicas, e a elaboração do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), que deverá ser enviado à Câmara Legislativa no início de 2025.
Como está sendo feito o combate ao déficit habitacional?
Estamos desenvolvendo uma política habitacional muito forte em conjunto com a Codhab (Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF). Estou na gestão do governador Ibaneis Rocha desde 2019, então, estamos desde o início trabalhando para de fato reduzir esse déficit habitacional. Temos trabalhado principalmente na atualização legislativa, para garantir que as políticas habitacionais sejam de fato executadas e cheguem ao morador.
Um ponto muito importante é a lei de parcelamento do solo, que é a Lei (Distrital) Complementar 1.027, que foi sancionada pelo governador no ano passado e que, na nossa visão, traz uma atualização que era necessária, pois o Distrito Federal não tinha uma lei que tratasse de parcelamento do solo, e a partir de agora temos regras claras, com a possibilidade de parcelamento, o que significa a criação de lotes regulares. Trazendo regras claras, a gente cria a possibilidade de construção dessas unidades imobiliárias regulares, ao mesmo tempo em que combatemos a criminalidade, a especulação imobiliária e a ocupação irregular do solo, que não respeita preceitos de proteção ambiental e de direito urbanístico.
Damos a oportunidade de empreendedores e do próprio poder público ofertar mais unidades habitacionais para a população. Existe de fato um déficit de 100 mil habitações e a gente pretende reduzir ao menos 50% disso até o final deste governo.
Quais as faixas de renda que mais tem sido atendida?
A Codhab tem trabalhado mais com a faixa de até cinco salários mínimos. O governador Ibaneis sancionou a lei do chamado Cheque Moradia, que dá uma entrada de R$ 15 mil para famílias que recebem até cinco salários mínimos. Estávamos tendo uma dificuldade de ofertar unidades habitacionais, pois, as vezes, a pessoa estava habilitada, mas tinha dificuldade de conseguir um financiamento imobiliário, exatamente pela falta de dinheiro para a entrada. O governo, agora, entrando com esses R$ 15 mil, facilita bastante, e faz com que aquele participante da política habitacional consiga o financiamento nas entidades.
Quais são as áreas que estão sendo trabalhadas para a criação de novas moradias?
Temos desenvolvido projetos em conjunto com Codhab, que desenvolve o projeto e a Seduh depois aprova, em uma parceria que tem rendido bons frutos. São alguns grandes empreendimentos e outros menores, com uma oferta de 50, 60 unidades por mês em prédios menores.
Existem dois empreendimentos que é importante que sejam citados: o primeiro é a expansão do Mangueiral, que foi aprovado e temos a expectativa de, no início do próximo ano, termos os primeiros empreendimentos começando a serem entregues. E, no mês passado, tivemos a aprovação do Reserva do Parque, que ficará ali no Recanto das Emas, na BR-060, que é um empreendimento de fato para a baixa renda, mas muito bem feito e planejado, que tem comércio, lotes institucionais por perto.
A ideia é que a gente crie um bairro completo, onde as pessoas possam morar e trabalhar. Esse empreendimento irá gerar uma revolução e faremos vários outros nesse sentido.
Como funcionam esses novos bairros, uma vez que o DF tem dificuldade com valores de imóveis para a baixa renda?
Um parcelamento do solo prevê um mínimo de 15% de equipamentos públicos, além de espaços livres de área de convivência entre os lotes. A expectativa é que a gente consiga fazer que esses novos bairros nasçam com esses equipamentos planejados: uma delegacia, um posto de saúde, escola para atender a população local. Um ponto importante é que, de fato, a população tem ido para o Entorno por conta do custo. O que temos tentado fazer é diminuí-lo, no Distrito Federal, para fazer com que esse trabalhador do DF more perto do seu emprego. Isso é importante porque garante qualidade de vida. Muitas pessoas levam duas horas para ir duas para voltar, e são quatro horas do dia perdidas apenas nesse deslocamento. Queremos trazer esse trabalhador para o DF e que ele possa trabalhar em bairros próximos a sua casa.
O que o governo está fazendo para baratear o custo desses bairros?
Um ponto é a velocidade do processo. Nós tínhamos uma morosidade muito grande no processo de parcelamento do solo e, para o empreendedor, muitas vezes tempo significa dinheiro. Na medida em que a gente simplifica o processo e desburocratiza, o custo é menor e o custo ao consumidor final também diminui. Todas essas atualizações têm sido feitas em conjunto com o setor produtivo entendendo as dificuldades dele para beneficiar, sempre, a população.
Como tem sido o processo de regularização no DF
Desde 2019 tentamos aperfeiçoar o processo de regularização no DF, fazendo com que ele seja praticável pela maior parte da população. É um processo custoso, que muitas vezes a própria associação precisa se cotizar para bancar um projeto de urbanismo, para um licenciamento ambiental. Em 2020, a Lei 986 trouxe critérios claros de como fazer o processo de regularização fundiária, isso tem facilitado. Tivemos um grande avanço na região de Sobradinho, por exemplo, nos condomínios que existem por ali.
Infelizmente, quando a gente traz a regularização acaba, de certa forma, incentivando essa ocupação irregular. Então, temos trabalhado com o foco na regularização com fiscalização, para combater novas invasões. A gente regulariza aquilo que está no marco temporal da legislação e a partir dali não se regulariza mais. A fiscalização tem atuado forte e a DF Legal (Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística) tem sido parceira nesse sentido.
As novas invasões que acontecem concomitantemente ao processo de regularização acabam por atrapalhar, porque temos a reserva de 10% de equipamentos públicos e as pessoas acabam ocupando essas áreas, o que atrapalha muito o processo. Então, fica o apelo para a população: não entrem em ocupação irregular, pois o DF tem feito um trabalho de ofertar novas unidades habitacionais regulares. Se for adquirir um lote procure saber se aquela área é regular ou passível de regularização para que todos consigam andar de mãos dadas.
Quem foram os atores que atuaram na elaboração do PPCub?
O PPCub é um texto que vem sendo trabalhado há muito tempo. Temos pelo menos 15 anos de discussões, entre o primeiro texto e esse último texto aprovado. Ele foi escrito integralmente por técnicos da secretaria, sem interferência política nenhuma, que teve uma participação popular grande, com a realização de mais de 10 audiências públicas, ouvindo e fazendo as adequações com a ajuda da população e, principalmente, em diálogo constante com o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Foram pelo menos cinco análises feitas pelo órgão federal de preservação apenas na nossa gestão.
Com um diálogo que foi feito para garantir a preservação. Tudo aquilo que o Iphan poderia colocar como um ponto que seria polêmico ou sensível ao tombamento de Brasília, nós acatamos, aceitamos a recomendação e alteramos o texto. Temos a plena convicção que foi um projeto muito bem discutido, elaborado estritamente de forma técnica e em um diálogo constante com o órgão de preservação federal.
Como foi a conversa e a participação da Câmara Legislativa?
Assim que encaminhamos o texto à Câmara Legislativa, ela organizou algumas sessões de comissão geral. Tivemos presente nelas, eu em algumas, mas, principalmente, os técnicos da secretaria para tirar dúvidas, apresentar esclarecimentos e ter esse diálogo com os parlamentares para explicar a importância do projeto. Ao final, nós tivemos uma grande reunião no Colégio de Líderes, com a presença de praticamente todos os deputados, quando foi acordada a deliberação em plenário. Foi um momento em que os deputados, principalmente da oposição, puderam fazer diversos questionamentos e tiramos todas as dúvidas.
O que ainda precisa ser alterado, em relação aos pontos polêmicos, pelo governador?
Recebemos a redação final e vamos analisar para entender qual é o impacto das emendas no contexto geral. Estamos trabalhando em um relatório técnico que será apresentado ao governador, ponto a ponto, explicando quais são os aspectos do PPCub, o que as emendas fizeram e quais os impactos para o texto, para que a gente possa fazer análise conjunta aliando o político ao técnico e ao jurídico afastando possíveis vícios que possam gerar a inconstitucionalidade da lei e fazer com que a lei aprovada reflita a vontade da população e a validade da lei com todos aqueles aspectos de preservação que foram levantados pelo Iphan e pela secretaria no decorrer do processo.
Qual o grande mérito dessa última versão do PPCub aprovada?
O principal é trazer mais clareza jurídica às regras da cidade e dos três pontos principais: tratar da preservação, as normas de uso e ocupação do solo e o plano de desenvolvimento local. A preservação muito claramente está sendo tratada no texto, das quatro escalas e do que tem que ser feito para garantir essa preservação e das normas de uso e ocupação do solo.
Hoje temos mais de 1 mil normas esparsas que tratam de lotes e setores específicos de Brasília e muitas delas de difícil compreensão. Existem as normas, mas muitas estão desatualizadas ou a população não consegue compreender. Temos dificuldade até no corpo técnico da secretaria de entender e interpretar a norma. Então, o que o PPCub faz é incorporar essas mais de 1 mil normas em um único texto e nele colocar tudo de forma muito clara, o que vai evitar a irregularidade, pois quando a gente não consegue interpretar, a irregularidade acaba tomando conta. Ela traz essa segurança, essa clareza, traz uma atualização de uso.
O PPCub faz uma atualização a partir da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), que vai se atualizando de tempos em tempos. A gente traz, assim, uma segurança jurídica tanto para o Estado quanto para o empreendedor e para a população comum que pode saber o que pode e não pode ser feito.
Quanto à preservação, ele traz, além dos conceitos e diretrizes gerais constantes no texto da lei, regras claras de qual a ocupação pode ser permitida para cada lote, o que pode ser ocupado em cada terreno, as alturas máximas. Isso tudo garante Brasília ser a cidade que ela é.
Quanto tempo para sancionar e regulamentar o novo PPCub?
Acredito que a sanção deve ocorrer na primeira quinzena de agosto e, a partir daí, nós começaremos a trabalhar na regulamentação. Muito do texto do PPCub é alto aplicável, então ele começa a valer a partir da sanção. A regulamentação vai tratar principalmente dos usos, porque o PPCub aprova grupos (de atividades) e a regulamentação diz quais serão permitidas dentro daqueles grupos.
O decreto já está sendo elaborado pela equipe técnica da secretaria, o prazo é de 180 dias, será feito a quatro mãos, juntamente com o Iphan, e ele será submetido ao instituto para averiguar o que pode ou não. Então, esperamos que até o fim do ano ele esteja pronto.
Quais deles serão mais importantes?
O que estamos fazendo é atualizar aquilo que já pode. Por exemplo, o Setor Hoteleiro já tem o uso para hotéis permitido e a gente vai definir quais as atividades serão permitidas dentro desses usos. Um ponto polêmico, para vocês entenderem a extensão do decreto, foi uma emenda de um parlamentar que permitiu motéis nas 700 e 900 da Asa Sul e da Norte. Dentro do grupo tem hotéis, motéis e apart hotéis.
O que o decreto fará é, dentro desses grupos, dizer o que pode ou não pode. O decreto, provavelmente, vetaria a atividade de motéis. Esse é o alcance de um decreto regulamentador. Mas, sem desvirtuar os setores, a gente só vai atualizar o que já existe.
Como está a questão de moradia no Setor Comercial?
Um dos acordos do PPCub foi a retirada de pontos polêmicos que ensejam uma discussão um pouco maior e um deles é a habitação no Setor Comercial Sul. Ele consta lá como plano, programa e projeto para a elaboração de estudos para definir a forma como ele será. Nesse momento, ele não faz nada nesse sentido, nenhuma alteração do PPCub, mas traz essa possibilidade de discussão. Houve uma dificuldade de discussão sobre isso com o Iphan para determinar como isso seria, por isso, a gente retirou do texto e, quando tivermos uma proposta vamos enviar à Câmara para inserção desse novo uso.
Como está o processo de elaboração do PDOT?
O PDOT trata do Distrito Federal como um todo, mas de uma forma macro. Ele não é um planejamento que trata do uso de lotes. Ele trata de um planejamento de crescimento da cidade, vocação, onde são as áreas industriais, de oferta habitacional, de regularização fundiária, macrozoneamento do que é urbano e do que é rural. Ele trata dos próximos 10 anos. Para onde o Distrito Federal pode crescer e qual a vocação do DF nesse sentido.
Estamos trabalhando nele desde 2019, nessa revisão, o plano vigente é de 2009, foi revisto em 2012 e temos esse prazo de 10 anos para uma nova revisão e a pandemia atrapalhou um pouco desse processo. Nós demos início, mas o Ministério Público [do Distrito Federal e Territórios] deu uma recomendação de que fizéssemos reuniões presenciais em todas as regiões administrativas.
Fizemos isso durante o ano de 2023, com 54 reuniões, uma em cada RA e outras temáticas para tratar de temas específicos do plano diretor. Estamos na etapa de consolidação do diagnóstico e identificar tudo aquilo que a população falou que são problemas a serem enfrentados pelo plano diretor.
Apresentamos isso em uma reunião no dia 29 de junho, faremos outras entre agosto e setembro para concluir a etapa de diagnóstico. Tão logo concluído passamos a etapa de propostas. A partir dela traremos tal solução. A previsão é que o apresentemos para a CLDF no início de 2025.
Tem inovação na área de geração de emprego?
Tem pedido de expansão de área de desenvolvimento econômico, para a indústria para a população trabalhar perto de casa, que tem relação com a questão da política habitacional. Temos pedidos e nossa equipe está trabalhando para isso e, em breve, deveremos apresentar algumas propostas nesse sentido.