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Brasília

Polícia de Brasília nasceu por tentativa e erro e se especializou na contenção de protestos

Num ano normal, a polícia encara mais de 50 protestos, os quais quase nunca dão problemas. E, quando dão, são desprezíveis

FolhaPress

13/01/2023 9h41

Foto: Evaristo Sá/ AFP

UIRÁ MACHADO
SÃO PAULO, SP

As forças de segurança em Brasília se constituíram por tentativa e erro desde 1960 e, ao longo dos anos, se especializaram na contenção de protestos -uma razão a mais para terem ficado na berlinda após o tranquilo avanço de golpistas pela praça dos Três Poderes no domingo (8).

Mal parecia que aquelas instituições acumulavam décadas e mais décadas de experiência no controle de distúrbios civis e, sobretudo, de vocação para a proteção do patrimônio público.

“Quando Brasília surgiu, não havia grande preocupação com o policiamento metropolitano. A grande questão era manter a ordem no Plano Piloto, especialmente na área dos prédios públicos. Ninguém se preocupava muito com as cidades satélites”, afirma o sociólogo Arthur Trindade Maranhão Costa.

No decreto de organização da nova capital brasileira, Juscelino Kubitschek instituiu o Serviço de Polícia Metropolitano, subordinado ao Ministério da Justiça e sem novidades institucionais em relação ao órgão que antes protegia o Rio de Janeiro.
Havia, porém, uma diferença de pessoal. É que boa parte dos funcionários do Rio decidiu permanecer na cidade maravilhosa, a despeito de vantagens salariais embutidas no deslocamento para o Centro-Oeste.

De modo que a força de segurança de Brasília formou seu contingente com muitos empregados da Guarda Especial de Brasília, ou GEB, que havia sido criada para controlar a criminalidade durante a construção da cidade.

Embora tivesse poder de polícia, a GEB era uma empresa privada, constituída por vigilantes contratados pela Novacap, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital. De acordo com Maranhão Costa, seus integrantes eram conhecidos pela violência e arbítrio; muitos eram analfabetos.

Mas esse arranjo durou pouco tempo, porque ao golpe militar de 1964 seguiram-se diversos decretos que reorganizaram a segurança pública do país como um todo e de Brasília em particular.

Nos primeiros anos da ditadura, a polícia de Brasília ficou subordinada ao prefeito da capital (somente no fim de 1969 o cargo passaria a ser de governador) e, em seguida, à Secretaria de Segurança Pública, estabelecida em 1967. Foi nesse período que surgiram, no Distrito Federal, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, por exemplo.

Como o Brasil vivia uma ditadura, manifestações não eram um problema. “Não existia essa possibilidade na praça dos Três Poderes. A preocupação era o policiamento político, a repressão”, diz Maranhão Costa.

Esse panorama mudou com a redemocratização, que permitiu a volta das manifestações políticas, e com a promulgação da Constituição de 1988, que estabeleceu eleições para o governo do DF, até então indicado pelo presidente.

“Com a abertura, começam as greves, e o tema de policiamento de protesto surge”, diz Costa, que foi secretário de Segurança Pública do DF em 2015. “As manifestações aparecem com a campanha das Diretas Já e se tornam frequentes a partir dos anos 1990”, afirma.

Aprender a lidar com isso virou questão crucial para uma polícia formada longe da cultura democrática. Ao longo da ditadura, os policiais transferidos do Rio para Brasília e os ex-integrantes do GEB viram o corpo de oficiais ser formado majoritariamente por gente do Exército.

Além disso, também eram militares a cúpula da Secretaria de Segurança Pública e, com frequência, o próprio governador.
“Diante da nova realidade, o planejamento da segurança começou a ser sistematizado, e hoje a segurança é muito bem feita”, afirma Costa.

Num ano normal, a polícia encara mais de 50 protestos, os quais quase nunca dão problemas. E, quando dão, são desprezíveis -nada perto da destruição provocada pelos apoiadores de Jair Bolsonaro (PL).

“É fácil fazer o policiamento de protesto no DF. Tem câmeras de altíssima precisão para monitorar a multidão, tem divisão muito clara de tarefas”, diz Costa.

“Também há os lagos em frente ao Congresso e ao Planalto, que são para proteção. Um contingente relativamente pequeno de policiais consegue impedir uma multidão com dezenas de milhares”, afirma o sociólogo.

Há manuais para tudo: colocação dos cones nas ruas, caminho da cavalaria e bloqueios de avenidas em círculos concêntricos, por exemplo. Tudo a cargo da PM -a quem sempre coube a manutenção da ordem pública-, com exceção do Itamaraty, sob cuidados da Marinha, e de áreas da Presidência, como o Palácio do Planalto e a Granja do Torto, que são responsabilidade do Exército.

Essa preocupação especial com o palácio de governo não é exclusividade do Brasil; por aqui, ela se traduziu na presença do Batalhão da Guarda Presidencial e dos Dragões da Independência, que se revezam a cada seis meses.

A orquestra se manteve afinada por décadas, mas a devastação do último domingo chamou a atenção para alguns problemas antigos.

Um deles é a possibilidade, atualmente confirmada, de adversários políticos ocuparem o governo do Distrito Federal e a Presidência.

Como a segurança pública em Brasília atinge em cheio o governo federal, é natural questionar por que ela não muda de comando -ainda mais por ser a mais bem paga do país, graças a um fundo constitucional alimentado pela União.

Segundo Renato Sérgio de Lima, professor da FGV e diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa discussão de grupos políticos opostos no DF e na Presidência não é nova.

“Seria melhor que comando fosse federal, ainda mais com a política se tornando tão divisiva”, diz Lima. “Mas precisaria mudar a Constituição. E o governo poderia enfrentar de uma vez o tema da reforma das polícias”, afirma.

Para Bruno Langeani, gerente do instituto Sou da Paz, além desse caminho há outros dois: “Vitaminar a estrutura federal, para dar conta do aumento de distúrbios civis na Esplanada dos Ministérios; ou rediscutir a gestão da governança no próprio DF”.
ALGUMAS DAS POLÍCIAS NO BRASIL

POLÍCIA MILITAR: cuida da prevenção criminal, da repressão imediata de crimes e da preservação da ordem pública. Está subordinada à estrutura estadual

POLÍCIA CIVIL: tem a função de polícia judiciária e investiga crimes. Também se subordina à esfera estadual

POLÍCIA FEDERAL: apura infrações penais contra entes ou bens da União ou que tenha repercussão interestadual ou internacional, previne e reprime tráfico de drogas e contrabando e funciona como polícia judiciária da União. Está subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública

POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL: faz patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Está subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública

BATALHÃO DA GUARDA PRESIDENCIAL: Tem função cerimonial e operacional, com a missão de preservar áreas presidenciais, como o Palácio do Planalto. Pertence ao Exército

DRAGÕES DA INDEPENDÊNCIA: Mesmas funções do Batalhão da Guarda Presidencial, com quem se reveza a cada seis meses. Foi criado em 1808 como 1º Regimento de Cavalaria do Exército

POLÍCIA LEGISLATIVA: Cuida das instalações do Congresso Nacional e investiga crimes contra parlamentares que estejam ligados à atividade legislativa. Pertence ao Senado e à Câmara

FORÇA NACIONAL: Composta por policiais estaduais cedidos ao Ministério da Justiça para atuação em situações específicas

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