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Brasília

Paixão em servir a sociedade

Felipe Magioli tem colônia de férias onde celular é vetado. Ele criou uma ONG que ajuda jovens vulneráveis e, com quatro filhas biológicas, ainda adotou Renatinho (E)

Vítor Mendonça

16/08/2021 5h31

A ajuda ao próximo está presente na sociedade de muitas maneiras. Para alguns, é um dinheiro entregue, para outros é a adoção, e há aqueles que se comprometem com a distribuição de alimentos e roupas para a população carente. No caso de Felipe Magioli, 58 anos, a educação é o motor central para ajudar o corpo social em que vive. Motivado por uma experiência vivida quando ainda atuava como diplomata, em 1992, ele criou a creche Sociedade Amor em Ação, presente em Taguatinga desde 1993.

“Tudo começou quando] fui fazer um serviço provisório em 1992 na Guiné-Bissau [país da África Ocidental], trabalhando na embaixada de lá apenas para substituir um embaixador que iria tirar férias durante um mês e meio. E lá eu assisti uma palestra no barco do Médicos Sem Fronteiras [MSF – organização internacional sem fins lucrativos que presta assistência médica para populações em situação de emergência no mundo]. E eu fiquei muito impactado com a mensagem”, explica.

Lá ele ouviu uma parábola sobre um pescador que caminha na praia à beira do mar forte e revoltoso que está jogando milhões de peixes na areia, os quais ficam se debatendo em desespero.

Felipe Magioli, 58 anos, a educação é o motor central para ajudar o corpo social em que vive. Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

“Esse homem, à medida que anda, vai lançando os peixinhos de volta para a água – um a um. Então, um outro homem, que também estava na praia, se aproxima do pescador e pergunta: ‘qual a importância do que você está fazendo? Existem milhões de outros que vão morrer e você não vai conseguir salvar’. Então o pescador responde: ‘A importância você pergunta não a mim, mas para cada peixe que eu jogo dentro d’água’”, conta.

“Foi aí que eu percebi que, se eu conseguisse ajudar uma pessoa a se transformar, para ela, faria toda a diferença”, disse. Quando voltou para o Brasil, portanto, resolveu criar a organização, que precisou de perseverança para que saísse do papel. “Vi que o Estado complicava bastante para se criar uma instituição como essa. Naquela época, o governo não era obrigado a dar escola para as crianças”, afirmou Felipe.

Ele focou então em um grupo social específico, que passava muita necessidade e era composto por mães que chegavam do nordeste com muitos filhos para sustentar, mas que não tinham onde deixar as crianças, uma vez que os patrões das casas onde elas trabalhavam na época não aceitavam que os pequenos as acompanhassem. 

E o ciclo vicioso acontecia: elas não conseguiam trabalhar normalmente por não terem onde deixar as crianças e, ao mesmo tempo, não havia renda suficiente – e as crianças passavam fome. Para entender melhor a situação, conversou com a diretora da única creche pública de Taguatinga Norte na época e ela lhe contou da realidade. “A escola era lotada e sem rotatividade. Todos os dias chegavam novas pessoas pedindo vagas. Ela me mostrou um caderno grande com centenas de nomes na fila”, relatou.

“Então eu perguntei a ela: ‘qual o caso mais urgente?’. Em seguida ela me mostrou a história de um menino cuja mãe estava dormindo no banco da rodoviária, em Taguatinga. Daí matriculei esse menino numa creche particular e comecei a fazer isso com mais crianças também; com uma, duas, três…”, explicou. “E aí pensei: ‘poxa, porque não fazer disso um projeto?.”

Foi conversando, então, com alguns colegas do Itamaraty que em 15 dias Felipe já tinha os recursos necessários para começar a instituição, que já contava com 17 crianças matriculadas. No início, esta se chamava Santo Estevão – pela admiração do fundador com a firmeza de Estevão na história bíblica, que defendeu a fé frente aos religiosos intransigentes à época. O nome foi mantido por 15 anos, mas depois passou para Sociedade Amor em Ação ao perceber que muitas pessoas tinham resistência com a nomenclatura ‘Santo’.

Atualmente, são duas creches, sendo o período da manhã dedicado a crianças e o da noite a um trabalho com adolescentes da comunidade. A instituição atende a mais de 500 crianças e tem como missão promover a inclusão de famílias em situações de risco social e vulnerabilidade na sociedade, ajudando, com educação, na redução da desigualdade social atual.

Durante certo período, a organização tentou ampliar o trabalho para a região do Itapoã, mas sem muito sucesso devido aos custos e à falta de auxílio governamental para se sustentar no local. O projeto durou, portanto, apenas três anos na região. Mas foi durante o trabalho no Itapoã que Felipe conheceu seu quinto filho – ele é pai biológico de quatro filhas (Sofia, Agnes, Indra e Mariyah) e acolheu este que visitava a instituição. 

“Lá nós recebíamos o ‘Renatinho’, que aparecia apenas para comer o almoço junto com a turma da manhã e também o almoço junto com a turma da tarde. Ele era magrinho e tinha oito anos. Chegava para comer e depois sumia. […] O Conselho Tutelar estava de olho nele porque o pai era alcoólatra e a mãe os abandonou, saindo de casa. Então o garoto foi criado na rua, literalmente. Minha esposa o encontrou uma vez de madrugada todo arranhado de um cachorro”, contou.

A ideia inicial do Conselho Tutelar, então, era levá-lo para um abrigo, mas Felipe decidiu assumir, junto com a família, os cuidados com o adolescente, hoje com 13 anos. “No início deu muito trabalho, mas com muita paciência, amor e firmeza, deu tudo certo. Não pode desistir. Ele nunca tinha estudado e quem o alfabetizou foi minha sogra”, finalizou. Hoje o rapaz estuda em um colégio particular do DF.

Rancho Victory

Além da creche, existe outro projeto na vida de Felipe que também o impulsiona no desenvolvimento de educação para os menores. É o Rancho Victory, localizado em uma região de chácaras em Alexânia, cujo objetivo principal é envolver crianças e adolescentes de 5 a 17 anos entre si e com a natureza, sem o contato com tecnologias de celulares, televisões e videogames. A iniciativa e conceito são importados da cidade do Rio de Janeiro, onde funciona o Rancho Santa Mônica, fundado pelo pai de Felipe há 42 anos, e que já recebeu mais de 40 mil participantes.

O espaço em Alexânia, a 82 km do centro de Brasília, funciona desde 2018 e foi pensado para que os jovens desenvolvam responsabilidade social e ecológica, além de empatia uns com os outros. Tudo isso em formato de colônia de férias, sendo a única do Centro-Oeste em que os participantes dormem no local onde também acontecem as atividades, com capacidade para receber 120 crianças e adolescentes.

Devido à pandemia da covid-19, porém, o espaço está fechado. A previsão de retorno das atividades é a partir de janeiro de 2022, uma vez que a vacinação da população deverá estar avançada, tendo imunizado completamente toda a população do Distrito Federal, de onde o público alvo do Rancho Victory vem, principalmente das escolas de Brasília.

“Aqui é onde as crianças desenvolvem muito sua independência, a sociabilização com interação social. Esse é um espaço que não tem bullying. Conversando com adultos que foram ao rancho no Rio de Janeiro, uma experiência comum entre eles é que os melhores amigos que mantiveram ao longo da vida, eles fizeram na colônia de férias de lá”, afirmou Felipe.

No local, com aproximadamente 100 mil m², são oferecidas atividades em contato com a natureza de caráter lúdico com o foco no aperfeiçoamento de habilidades sensoriais, cognitivas, emocionais e psicológicas. Dos valores elencados como prioridade, há o estímulo à cooperação, solidariedade, inclusão social e trabalho em equipe, além do incentivo a bons hábitos alimentares e à criatividade.

“Recebemos aqui muitas crianças e adolescentes que sofriam com depressão e ansiedade, e temos relatos de pessoas que desistiram de tirar a própria vida por causa da experiência no rancho. Tem vários que inclusive param de tomar Ritalina [medicamento indicado no tratamento de déficit de atenção, ansiedade e hiperatividade] depois de virem aqui. Até psicólogos passaram a nos indicar como ajuda nas terapias”, contaram Felipe e sua esposa Danusa, também coordenadora do projeto.

Segundo eles, no Rancho Victory há a oportunidade para as crianças reconhecerem no próximo o valor de cada um – sejam amigos, funcionários ou autoridades. “Aqui focamos muito na questão de não ficar julgando os outros, porque cada um é do jeito que é. Aqui não é só o mais rápido que ganha a brincadeira, nem o mais ágil, nem o mais inteligente – tem atividades em que todos têm a possibilidade de ganhar. Em algumas, quem vai ganhar é uma criança de 5 anos, e na outra é o adolescente de 17”, explicou Felipe. 

Apesar das crianças deixarem os celulares junto aos pais em Brasília, os responsáveis acompanham os filhos por meio das redes sociais, alimentadas constantemente, além do contato com a equipe de apoio, que responde a eventuais dúvidas ao longo do tempo em que as crianças e adolescentes estão lá. “A mãe e o pai já sabem de tudo que acontece. Alguns ligam e nós relatamos o que está acontecendo, mas os filhos precisam aflorar a independência”, continuou Danusa.

Serviço

Rancho Victory

  • Local: Alexânia, a 82 km de Brasília
  • Idades: de 5 a 17 anos
  • Contato: (61) 99204-6270 e (61) 98107-0203
  • Site: https://ranchovictory.com.br/

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