Menu
Brasília

‘Na hora, achei que o mundo tinha acabado. E acabou mesmo’, lamenta pai de Gheanny Karoline

Arquivo Geral

16/01/2018 8h10

“Minha bebê estava dentro de casa, não estava na rua. Na hora, achei que o mundo tinha acabado. E o meu mundo acabou mesmo. Ele destruiu a minha vida por inteiro”. Ildebrando Pereira, carpinteiro. Foto: João Stangherlin

Jéssica Antunes
[email protected]

A lembrança da menina de três anos prensada sob o carro dentro de casa, na Quadra 318 do condomínio Del Lago, no Itapoã, ainda arranca lágrimas dos pais e irmãos, afetados emocionalmente pela tragédia de três meses atrás. Para a família, é difícil falar do assunto.

O pai de Gheanny Karolyne Sousa dos Santos não tem coragem de olhar uma foto ou falar o nome da mais nova entre os cinco filhos, e qualquer reportagem sobre o tema é imediatamente desviada. Nesta segunda-feira (15), a Polícia Civil anunciou o fim do inquérito e o acusado responderá em liberdade por homicídio doloso, com intenção de matar.

Para a corporação, não restam dúvidas: o homem teve intenção de matar. Conforme o laudo pericial, Hegon Henrique Brito Xavier, de 24 anos, não tentou frear ou fazer curva, e o acidente foi causado por inação. Em velocidade alta, ele e a namorada discutiam e, quando ela indicou o fim do relacionamento, ele disparou em direção ao muro para que ambos morressem.

“A despeito de ele não querer o resultado morte, quem pega um carro em alta velocidade em direção ao imóvel sabe que há risco de atingir alguém dentro de casa. É mais que previsível, é previsto”, explicou Ulysses Fernandes, delegado da 6ª Delegacia de Polícia, ao explicar a mudança na tipificação.

A princípio, o caso era tratado como homicídio culposo (sem intenção de matar) na direção do veículo automotor, previsto no Código de Trânsito. Os depoimentos das testemunhas e o laudo pericial mudaram o rumo da investigação.

Em liberdade

O inquérito foi enviado ao Tribunal do Júri do Paranoá, mas o homem responde em liberdade por duplo homicídio doloso, sendo um tentado, e lesão corporal culposa pelas lesões dos familiares da menina. Segundo o delegado Ulysses Fernandes, apesar da gravidade do caso, o suspeito não atende aos requisitos de prisão preventiva, decretada para garantir ordem pública, em caso de tentativa de fuga ou de atrapalhar as investigações.

Hegon não tinha passagem pela polícia. No dia do acidente, ele foi autuado por homicídio culposo (sem intenção de matar) e disse que teria errado os pedais. Apesar disso, o suspeito não chegou a ser preso em flagrante. “O Código de Trânsito impede que o delegado lavre o flagrante quando o autor não foge da cena do crime”, explicou.

À polícia, Hegon negou que se lembrasse de detalhes e informou que estava de cabeça quente porque a namorada queria terminar o relacionamento. Ele admitiu ter dirigido em velocidade incompatível com a via e ter invadido a casa.

Longe do local do crime, família tenta se reerguer

O remendo na parede da casa atingida não deixa passar em branco o trágico acidente ocorrido em outubro passado. Karolyne estava sentada no sofá vendo televisão quando o carro atingiu uma retenção na entrada da residência, o muro e mais duas paredes internas. Ela morreu na hora. Aos poucos, a família tenta seguir a vida, mas a ausência da menina ainda dói.

Depois do acidente, eles nunca mais voltaram e a região onde moravam é evitada. A família migrou para Rajadinha, em Planaltina, a 15 quilômetros da antiga residência, que foi trocada pelo novo terreno. Ali, onde o chão é de terra batida, há criação de galinhas, pés de manga e balanços. Se pudesse, a família iria para mais longe.

“Papai lindo, eu te amo”, disse a menina pouco antes de o carro romper as barreiras da casa e tirar sua vida. O pai nunca esqueceu. “Minha bebê estava dentro de casa, não estava na rua. Na hora, achei que o mundo tinha acabado. E o meu mundo acabou mesmo. Ele destruiu a minha vida por inteiro”, lamenta Ildebrando Pereira dos Santos, carpinteiro de 50 anos. No dia do acidente, ele estava no sofá ao lado da garotinha, descrita como inteligente e amorosa.

Punição

Apesar da dor, ele garante que não sente ódio, mas espera que o motorista que levou a caçula seja punido. “Eu não acredito na Justiça”, ressalta. No dia do acidente, o acusado foi agredido por populares, mas defendido por Ildebrando, que diz jamais ter recebido suporte, ligação ou investida da família dele “Nada no mundo vai diminuir a nossa dor. O que muda com prisão e condenação é evitar que ele faça isso de novo”, afirma o pai.

A tentativa é de retomar a vida, mas a lembrança os acompanha diariamente. A mãe, Paula Maria, 37, anda com dificuldades após os ferimentos e diz usar a força que não tem para amparar os outros filhos. “Não tenho mais vontade de nada”, resume.
Responsável pelo acidente, Hegon não estava bêbado, drogado ou sob efeitos de medicamentos, conforme análise da perícia. Agora, ele poderá ficar recluso por mais de 20 anos em caso de condenação.

Memória

Eram 13h45 do dia 16 de outubro de 2017 quando o carro aparentemente desgovernado invadiu a residência e atingiu em cheio a menina Gheanny Karolyne Sousa dos Santos. Ela foi prensada pelo veículo, não resistiu aos ferimentos e morreu no local. O carro era ocupado por Hegon e a namorada, menor de idade. Na época, moradores da região relataram ao Jornal de Brasília que o casal brigava minutos antes e a mãe do motorista, Simone Clara, confirmou: “Eles estavam brigando há dois dias. Não sei por qual motivo”. O homem chegou a ser detido, mas foi liberado no mesmo dia e mudou-se com a família para a Região Metropolitana do DF.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado