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Brasília

Maio Laranja: abusos sexuais cresceram 34% no Distrito Federal

Capital teve mais de 5 mil violências registradas no MPDFT em 2021. Um aumento de 34% no último ano, conforme registros do MPDFT

Vítor Mendonça

18/05/2022 6h04

A violência sexual contra crianças e adolescentes cresceu e permanece com índices alarmantes no Distrito Federal. Novos casos de maus tratos, crimes contra a dignidade sexual e importunação ofensiva ao pudor aumentaram em cerca de 34% no último ano, conforme registros do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).

Segundo dados do órgão, em 2021, 5.238 crianças e adolescentes foram violentados de alguma forma, enquanto em 2020 foram computadas 3.908 ocorrências. São, portanto, 1.330 denúncias a mais registradas na capital federal no último ano. Cabe ressaltar que os dados ainda passam por revisão no MPDFT e não sofreram alteração até a publicação desta reportagem. Um relatório completo do órgão será divulgado nos próximos dias.

Nesta quarta-feira, 18 de maio, comemora-se o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, data criada há 22 anos para a conscientização deste tipo de crime contra menores de idade. O dia relembra a morte de Araceli Cabrera Sánchez Crespo, que em 18 de maio de 1973, com 8 anos de idade, foi sequestrada, violentada sexualmente e assassinada em Vitória, no Espírito Santo.

Em entrevista ao Jornal de Brasília, a promotora de Justiça do MPDFT, Cíntia Costa, destacou que os dados de 2021 evidenciam não necessariamente um aumento dos casos, mas sim das denúncias feitas. A maioria das ocorrências é registrada, em primeiro lugar, diretamente nas delegacias; em segundo, as denúncias são feitas por professores e educadores de escolas do DF, que notam diferenças nos comportamentos das crianças e adolescentes.

“A partir do momento em que as famílias ficaram em casa [em 2020], e considerando, principalmente, no caso do abuso, em que a maioria dos autores desse tipo de violência são pessoas conhecidas da família, realmente é compreensível essa diminuição no número das denúncias [naquele ano], principalmente porque um dos principais canais de denúncias que nós temos são as escolas [que ficaram fechadas durante grande parte da pandemia da covid-19]”, destacou a promotora.

De acordo com Cíntia, dos registros de violências contra crianças e adolescentes, cerca de 40% dos casos são de estupro de vulneráveis até 14 anos. Os maus tratos correspondem a 20%, ficando em terceiro e quarto lugar os estupros de adolescentes acima de 14 anos e a importunação sexual – isto é, praticar, sem a autorização de outro, um ato libidinoso, de caráter sexual, com o objetivo de satisfazer o próprio prazer sexual ou o de terceiro, conforme descreve a Lei nº 13.718/2018.

A maior parte dos casos é contra o sexo feminino. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), dos estupros de vulneráveis ocorridos em 2020 no Brasil, 83% das vítimas eram meninas. Adolescentes com idade entre 13 e 12 anos foram os mais violentados, acumulando aproximadamente 13,8% e 10,5% dos casos, respectivamente.

“São ideias [machistas e misóginas] de que os homens são donos das mulheres, o que gera feminicídios e atos de violência doméstica, que muitas vezes valem para as filhas. Dependendo do nível social e do grau de instrução da pessoa, isso é considerado até mesmo normal – ele nem acha que aquele ato de abuso sexual contra a criança é errado”, afirmou a promotora.

A promotora é a coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Violência e à Exploração Sexual contra a Criança e o Adolescente (Nevesca) do MPDFT, que tem por função assegurar a garantia de direitos constitucionais de segurança individual e sexual de crianças e adolescentes, conforme dispõem os artigos 227 e 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal, além do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei 13.431/2017 e o Decreto nº 42.542 do DF.

Barreiras para denúncias

De acordo com Cíntia, porém, ainda existem barreiras dentro do âmbito processual que precisam ser superadas. Além da vitimização primária sofrida pela vítima – sendo aquela vivenciada com a agressão sexual pelo algoz do crime –, muitas vezes também acontece a chamada vitimização secundária, que é a causada por servidores ou autoridades públicas que, “ao invés de atender e acolher a vítima de forma digna, acaba por tratá-la sem o devido cuidado, ou mesmo julgá-la ou desacreditá-la em alguns casos”, explicou. Esta a Lei também chama de violência institucional.

Em um terceiro nível, também pode acontecer a vitimização terciária, que é aquela causada por pessoas que circundam o ambiente social das vítimas, “apontando o dedo como se elas fossem responsáveis pelo evento criminoso quando, na verdade, são as vítimas”. Nesses casos, não há perspectiva de auxílio e socorro próximos à pessoa que foi violentada, que se recolhe.

Por outro lado, as formas para denunciar situações de abuso ou exploração sexual são amplas. Entre os canais de disponíveis, estão:

  • Disque 100 – principal especializado em crimes contra os direitos humanos;
  • Disque 190 da Polícia Militar do DF;
  • Disque 197 da Polícia Civil do DF, por onde as investigações começam;
  • Ouvidoria do MPDFT no portal específico para manifestações.

Vale ressaltar que as vítimas, familiares, vizinhos ou pessoas que saibam do crime, podem fazer a denúncia sem necessariamente se deslocar para alguma delegacia. Também é possível buscar:

  • Conselhos Tutelares, que têm poder de aplicar medidas protetivas às vítimas;
  • Centro 18 de Maio, com escuta especializada para receber crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual;
  • Centros de Saúde;
  • Instituições de Ensino.

De acordo com a promotora, o principal desafio é pelo fato de muitas das violências sexuais acontecerem dentro de casa com parentes ou conhecidos da família que têm ligações emocionais com a criança. “Muitas vezes a criança não diz nada porque se sente culpada porque sabe que os parentes podem ser presos, ou mesmo quando chega a falar, há uma resistência da própria família, dizendo que a criança ou adolescente está mentindo. Então é realmente um caso muito complicado”, disse.

Por isso, conforme explicou Cíntia, é importante estar atento às crianças e aos adolescentes para notar as variações de comportamento apresentadas por eles. “Para o professor, as mudanças de comportamento aparecem quando a criança fica agressiva ou não quer voltar para casa”, disse. “As crianças que são abusadas sempre dão sinais: às vezes é um desenho incompatível com a idade dela, desenhando a genitália do abusador, por exemplo. É um combate que exige que possamos dar voz à criança”, completou.

“Isso não é muito comum porque nosso sistema de Justiça é muito adultizado. As crianças são sempre muito representadas pelos pais ou responsáveis, mas temos que resgatar a posição delas como sujeitos de direito, elas também têm que ter voz. No caso do crime, só ela pode trazer essa informação para a gente. Então é mesmo uma questão de mudança cultural de dar credibilidade para a criança, para que possamos protegê-la”, reforçou a promotora.

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